quarta-feira, janeiro 30, 2008

2 POEMAS DE CARNAVAL DE CARLOS PENA FILHO (PE)

Pierrô, Arlequim e Colombina, óleo sobre
tela de Di Cavalcanti (1922)

A mesma rosa amarela (*)

Você tem quase tudo dela,

o mesmo perfume, a mesma cor,

a mesma rosa amarela,

só não tem o meu amor.

Mas nestes dias de carnaval

para mim, você vai ser ela.

O mesmo perfume, a mesma cor,

a mesma rosa amarela.

Mas não sei o que será

quando chegar a lembrança dela

e de você apenas restar

a mesma rosa amarela,

a mesma rosa amarela.

Soneto principalmente do carnaval

Do fogo à cinza fui por três escadas

e chegando aos limites dos desertos,

entre furnas e leões marquei incertos

encontros com mulheres mascaradas.

De pirata da Espanha disfarçado

adormeci panteras e medusas.

Mas, quando me lembrei das andaluzas,

pulei do azul, sentei-me no encarnado.

Respirei as ciganas inconstantes

e as profundas ausências do passado,

porém, retido fui pelos infantes

que me trouxeram vidros do estrangeiro

e me deixaram só, dependurado

nos cabelos azuis de fevereiro.

(*) - Segundo revela o crítico e pesquisador Ricardo Cravo Albim, "A mesma rosa amarela" foi escrito por Carlos Pena Filho (morto em acidente de carro em 1960, com apenas 31 anos de idade) para o carnaval daquele ano. Apresentado a Capiba para musicá-lo, o compositor de"Maria Betânia" gostou tanto do poema que achou que ele não deveria ser cantado apenas nos quatro dias de carnaval e fez um samba-canção. "A mesma rosa amarela" foi gravado pelo cantor Claudionor Germano (também pernambucano, como os autores, e intérprete preferido de Capiba), mas não obteve sucesso. O sucesso veio quando Maysa a gravou, uns 2 anos depois. Com o passar dos anos, vários outros cantores regravaram a música, inclusive Nelson Gonçalves.

NOTA - Os 2 poemas fazem parte do livro "POEMAS - Carlos Pena Filho" (Global Editora, 1983).


quarta-feira, janeiro 23, 2008

MACHADO DE ASSIS & WILLIAM WORDSWORTH


Quem leu "Memórias Póstumas de Brás Cubas" deve se lembrar de um capítulo intitulado "O menino é o pai do homem". Ali pela quinta ou sexta linha do primeiro parágrafo, Machado escreveu: "Um poeta dizia que o menino é o pai do homem". Quem era o poeta, o escritor não diz. É estranha a omissão do nome do autor da frase, principalmente por não ser um costume de Machado, que não deixava de informar a fonte de um uma frase, ou uma palavra. Às vezes, se não creditava o autor, o fazia com a obra, certamente por ser esta muito conhecida, como alguma peça famosa de Shakespeare, "A Divina Comédia", "Dom Quixote", etc. Mas nesse caso, o personagem-narrador menciona apenas e vagamente "um poeta". Nem a nacionalidade do poeta é dita. Qual o motivo? Machado não se lembrava do nome do poeta e entendeu que não era importante procurar o livro, que, provavelmente, ele possuía? Ou preguiça de procurá-lo? É possível.
Bem. Há uns dois meses, mais ou menos, lendo o blogue de Marcelo Coelho na Folha Online, há um texto do editor em que ele fala sobre a frase escrita em "Memórias Póstumas de Brás Cubas" e revela o nome do poeta. Trata-se do romântico inglês William Wordsworth. Marcelo Coelho ainda faz mais. Informa o título do poema ("My Hearth Leaps up When I Behold") e publica no blogue. Não sei se de forma integral, ou apenas a parte do poema de que faz parte parte a frase do livro de Machado. Transcrevo-o a seguir.
My heart leaps up when I behold
A rainbow in the sky:
So was it when my life began;
So is it now I am a man;
So be it when I shall grow old,
Or let me die!
The Child is father of the Man;
I cloud wih my days to be
Bould each to each by natural piety.
De todo modo, Machado, cujo centenário de morte ocorre este ano, ainda que devesse ter citado Wordsworth, pelo menos não deu para si a autoria da frase. Já Guimarães Rosa não procedeu da mesma forma. Sabem a famosa frase "viver é muito perigoso", que aparece no seu "Grande Sertão:Veredas"? Ela pertence a Goethe. Já contei isso aqui, mas vou contar de novo. A revelação é de Rubem Braga numa pequena crônica (não me recordo de qual livro dele). Um escritor mineiro, que não é mencionado (talvez ele estivesse vivo, na época, e Rubem evitou uma possível polêmica), lendo Goethe, descobriu a frase. "Viver é muito perigoso". O nosso maior cronista não informa se o dito faz parte de um romance , ou de um poema do escritor alemão. E para não acusar Rosa de plágio, ele encerra a crônica dizendo mais ou menos assim (cito de memória e a minha memória já anda me pregando algumas peças) : que era próprio de Rosa, por exemplo, misturar Goethe com o sertão mineiro.

quarta-feira, janeiro 16, 2008

OS MELHORES ANOS DAS NOSSAS VIDAS (The Best Years of Our Lives/1946)

Este artigo saiu num jornal de Natal, onde eu mantinha uma coluna semanal sobre cinema, na primeira metade dos anos 1990. Tendo revisto o filme há poucos dias, resolvi publicá-lo aqui, com algumas alterações em relação ao texto original.
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Um dos mais graves problemas da guerra é que os seus malefícios continuam mesmo depois de ela chegar ao fim. Ou seja, os seus efeitos sobre a nação envolvida no conflito, sobre a população e sobre os homens que estiveram no campo de batalha. Sabe-se como ficou quase toda a Europa depois da Segunda Guerra e das grandes dificuldades que a sua população enfrentou. Por não senti-la dentro do seu território, o povo americano sofreu bem menos os efeitos sociais e econômicos da Segunda Guerra. Já os americanos que foram lutar, muitos deles, na volta, tiveram que enfrentar uma outra guerra.
É de três desses homens que trata "Os Melhores Anos de Nossas Vidas". De volta para casa e para as suas vidas de civis, Al Stephenson (Fredric March), Fred Derry (Dana Andrews) e Homer Parrish (Harold Russel) encontram sérias dificuldades para se readaptarem à sociedade. E como se pudessem prevê-las, Al e, principalmente Homer, são tomados por uma apreensão quando o táxi em que viajam se aproximam de suas casas. (A apreensão é acentuada pelo detalhe de os rostos dos três ex-combatentes serem vistos, em duas ocasiões, apequenados no espelho retrovisor.) A do segundo é ainda maior porque ele não tem idéia de como se comportarão os seus pais e a namorada Wilma (Cathy O'Donnel), ao reencontrarem-no usando ganchos em lugar das mãos. E, infelizmente, Homer estava certo em seus receios: desde o instante em que a mãe não consegue dominar um curto soluço de dor quando olha o filho acenando com um gancho para o táxi que parte, ele passa a viver um desconforto psicológico, como uma vítima da curiosidade de adultos e crianças, e objeto de constrangimento do pai, que, na presença do filho, evita fazer coisas que exijam o uso das mãos. Somente Wilma não parece nem um pouco afetada pela mutilação de Homer, demonstrando-lhe o mesmo amor que sentia antes de ele partir.
É exatamente aí que ele tem mais sorte do que Fred, que não terá motivos de satisfação ao reencontrar a frívola esposa Marie (Virginia Mayo). Ela que, praticamente, viu o marido sair da lua-de-mel para a guerra, e, por causa do temperamento volúvel, não pôde impedir que a longa separação comprometesse o casamento, crê, ingenuamente, que a volta de Fred, envergando o vistoso uniforme da Força Aérea, possa fazê-la recuperar o amor por ele. Mas, na verdade, o seu interesse é apenas no status de Fred como um herói de guerra, cujo símbolo é representado por aquele uniforme. Quando ele troca a farda pelos trajes civis, ela sente um travo de decepção com o marido, e a partir daí, começam os problemas para ele. Frustrado por voltar ao mesmo trabalho que fazia antes de ir para a guerra, e com um salário muito inferior ao que ganhava como capitão, Fred acaba se demitindo do emprego, ao tempo em que é abandonado por Marie. Por ironia, o seu próximo trabalho é numa empresa que constrói casas pré-fabricadas, com o aproveitamento de material de sucata de aviões.
Também Al não está totalmente confortável no seu trabalho no banco. Responsável pela carteira que financia empréstimos aos desmobilizados, Al gostaria de socorrer os ex-companheiros que recorrem ao banco, mas sem poder oferecerem garantia (como fez uma vez com um deles) , mas é obrigado a se curvar às normas da instituição.
"Os Melhores Anos das Nossas Vidas" atinge perfeitamente o objetivo de expor os obstáculos enfrentados pelos civis, que foram para a guerra, em se readaptarem à vida no tempo de paz. Entre os quais a hostilidade que sofrem de pessoas que não foram convocadas para lutar e têm medo de perder o emprego para aqueles que, eles julgam, voltaram cobertos de glória. A direção de William Wyler ("O Colecionador", "Ben-Hur") é muito boa, sabendo explorar os momentos tensos, dramáticos, românticos e até os (esporadicamente) humorísticos. Ele adota, em quase todo o filme, o método de usar a câmera muito próxima dos atores, como se pretendesse conquistar a cumplicidade, a adesão do espectador. A qualidade da sua direção faz-se sentir também no rendimento dos intérpretes, todos muito bem, a começar pelo tarimbado e excelente Fredric March, e até Harold Russel, que nunca havia representado. Os dois, aliás, ganharam o Oscar de Melhor Ator e Melhor Ator Coadjuvante.
Pena que o vigor e a firmeza do roteiro amoleçam no final. O casamento de Homer e Wilma parece implausível, depois de se ver que Homer, consciente de que o amor deles não poderia dar certo, tenta esquivar-se ao assédio da namorada. É uma solução que dá a impressão de ter sido arranjada para levar uma mensagem de esperança aos inúmeros mutilados de guerra, entre os quais se incluía o próprio Russel, que teve as mãos decepadas durante um treinamento de batalha. E a "concessão" do final não pára por aí. O ardente beijo trocado entre Fred e Peggy (Teresa Wright), a filha de Al, depois da cerimônia, prenuncia outro casamento.
Apesar desse deslize, o filme se mantém de pé por todas as qualidades já apontadas.

quarta-feira, janeiro 09, 2008

TRÊS VELAS


Foto extraída de www.studyoanasouza.com/


Pois é. Na próxima sexta, dia 11, o "Luzes da Cidade" estará com três velas. São três anos que edito este blogue, falando de cinema , de literatura, um ou outro assunto fora desses dois, e , vez por outra, contando minhas lembranças da infância. Três anos. E eu que, quando ingressei na blogosfera, duvidava de que este espaço chegasse a um ano de existência. É verdade que, durante esse período, pensei por várias vezes em parar. E continuo a pensar, vez por outra. De uns tempos pra cá já não tenho o mesmo entusiasmo dos primeiros meses. Até há uns dois meses tinha estabelecido uma data redonda para apagar estas luzes: justamente no aniversário dos seus três aninhos. Acabei mudando de idéia. E vou tocar o "Luzes" enquanto der. No dia em que achar que "já estou por aqui", paro. Paro e sem volta. Nem que me arrependa da decisão. Mas, por enquanto, vou editando o bichinho. Há outros motivos, além da falta de entusiasmo, mas prefiro não citá-lo.
Irei sentir saudades, porque gostei da experiência. Além de divulgar os meus livros, o que redundou no interesse de vários visitantes por adquiri-los (e para todos esses enviei, com o maior prazer, um livro da preferência deles), tive a oportunidade de conhecer muitas pessoas da melhor espécie humana. E talentosas, inteligentes, sensíveis. Com muitas delas aprendi muitas coisas. E lhes ganhei a amizade. É até possível que tenha sido elas o principal responsável por eu continuar aqui, três anos depois de estrear na blogosfera. Podem não ser muitas, mas o que me importa é o valor humano e intelectual que elas possuem. Agradeço do fundo do coração a essas pessoas pelas visitas gratificantes que têm feito ao "Luzes", umas com mais assiduidade, outras com menos assiduidade. Mas eu procuro entender as razões de algumas não virem aqui com muita frequência. E agradeço até aqueles que aqui vieram por um certo tempo e depois desapareram. Agradeço até a quem veio uma única vez.
Não poderia deixar, no entanto, de registrar uma queixa no final desse texto. Uma coisa me aborrece demais. É a atitude de certos(as) blogueiros(as) de, não sei por que razão, não retribuirem a visita que lhes faço pela primeira vez. Acho isso uma falta de educação. Mesmo que a pessoa não goste do meu blogue, deveria, pelo menos, me agradecer por ter aparecido por lá. Eu nunca deixei de retribuir uma visita que alguém me fez pela primeira vez. Já me deparei com alguns blogues desinteressantes, ao lhes retribuir a visita, mas não deixei de agradecer a vinda do editor ao meu. Felizmente, foram poucas pessoas. Mas ainda hoje me deixam até mesmo magoado.
Por fim, um grande abraço a todos , aos quais renovo os votos de um 2008 ainda melhor do que lhes possa ter sido 2007.

quarta-feira, janeiro 02, 2008

UMA VELHA FOTO



Futebol , quadro de Portinari.

No dia de Natal recebi um telefonema do Quinca. É aquele amigo de infância que em uma noite de 2005 me telefonou, depois de mais de quarenta anos sem termos contato, e não quis se identificar, esperando que eu lhe descobrisse a identidade com o lançamento de pistas, o que acabou acontecendo. (Relatei o fato neste espaço.) Desta vez ele me ligou mais para me desejar um feliz ano novo, mas, em meio à breve conversa, Quinca revelou que possuía uma foto em que ele está comigo e mais três meninos. Também tenho essa foto, disse a ele. E, rapidamente, falamos sobre os outros fotografados. A foto foi tirada antes de um jogo de futebol. Não foi uma pelada, mas uma partida "oficial", pois estamos de camisa. Se não estou enganado, foi um jogo no campo do convento dos frades franciscanos, contra os alunos internos. Curioso o fato de estarem ali apenas os atacantes. Eu estou agachado, as mãos pousadas na bola, ladeado pelo Nei e Tonico. De pé, o Quinca e o Boroca, este com uma mão apoiada no meu ombro. Ao fundo aparece uma árvore frondosa. Nei, dos quatro, o menino com quem tive menos contato, era filho de uma professora, dona Nilda, uma mulher alta e muito simpática e comunicativa. Tonico, filho de Raimundo Marreiro, proprietário de uma casa comercial no mercado de Canindé. Embora me desse com ele, era mais amigo de um dos seus irmãos, o Marreirinho. Tonico tinha mais dois irmãos e uma irmã. A mãe, dona Laura, sofria de uma doença mental e vivia enclausurada em casa. Boroca era um pretinho, de uma família de uma situação financeira razoavelmente boa, pois o pai (Zé de Lima) era dono de uma agência de passagens de ônibus. Zé de Lima tinha as unhas das mãos muito crescidas, quase do tamanho das do cineasta José Mojica Marins. Era um tanto pernóstico e, por causa disso, fazia parte do anedotário da cidade. Boroca era o melhor de nós cinco e, talvez, o melhor de todos os seus companheiros de peladas. Me lembro do seu domínio de bola, dos seus belos dribles, dos seus lançamentos. Tinha futuro como jogador. Mas deve ter optado por outra profissão, pois não ingressou num time da capital, como era de se esperar. Não sei que fim levou. Vou procurar saber notícias dele, quando me encontrar com o Quinca, provavelmente ainda este semestre em Fortaleza.

Esse foi um dos raros jogos "oficiais" que fizemos. Jogávamos mesmo era pelada, que, naquela época, não tinha esse nome. Todo "santo dia" eu jogava. E quase sempre saía com os pés feridos. E à noite, antes de dormir, a mamãe passava Asseptol nos pés, sempre reclamando do meu "vício" e ameaçando contar sobre ele ao papai. Mas acho que o papai sabia que eu jogava, mas fingia que não sabia. Por conta do futebol, levei umas duas surras da mamãe, uma delas de ficar na memória.

De tanto jogar, tive um dia um problema muito grave em um dos joelhos. Não sei em qual dos dois. É capaz de ter sido no esquerdo, onde sofro de uma artrose que me aporrinha há mais de 20 anos. Mas como dizia, foi um problema grave. O joelho doía e eu andava mancando. É possível que a mamãe tenha me levado ao doutor Aramis, o médico da cidade, que, como os médicos daquela época, tinham que entender de todo tipo de enfermidade. Ele chegou a se eleger prefeito. Sei que tomei remédio em cima de remédio e nada. Já estava preocupado e a mamãe também. A preocupação dela era ainda maior porque combinada com o medo de o papai descobrir a causa da doença. Ele deve ter me perguntado alguma vez por que eu andava mancando e eu, certamente instruído pela mamãe, inventei uma história. Até que um dia apareceu lá em casa uma mulher pobre, que morava um pouco longe da cidade. Parece que a mamãe era madrinha de um filho dela. Pois essa mulher humilde foi que acabou curando o meu mal. Ouvindo mamãe relatar, já aflita, o meu caso, recomendou o uso de um tipo de planta, cujo nome não me lembro. Fazia-se uma infusão dessa planta, que essa senhora trazia. E toda noite a mamãe aplicava a infusão no meu joelho. Não me lembro quantas vezes usei o "remédio". Só sei que, em poucos dias, ele começou a surtir efeito. Até desaparecerem a dor e a dificuldade de caminhar. E já não era sem tempo, tanta a falta que sentia do meu jogo diário. E apesar da advertência da minha mãe, que não queria que eu voltasse a jogar, logo que me vi curado, voltei aos campinhos de areia. E haja Asseptol!