domingo, janeiro 29, 2006

Truffaut, Brando, Chaplin, Keaton

1) Dentre os cineastas, nenhum, talvez, tenha tido pelo cinema um amor tão intenso e permanente do que François Trauffaut. Um amor iniciado na infância, quando ele gazeava as aulas para ir ao cinema. Era ali que ele , menino e adolescente problemático, se refugiava da sua inadptação aos bancos escolares e ao difícil convívio com a família. E que continuou quando ele já era um cineasta consagrado. Não deixava de ir ao cinema e ainda escrevia sobre certos filmes. Era um diretor-cinéfilo, como não há muitos. Numa entrevista em 1971, constante do livro O Cinema Segundo François Truffat, de Anne Gillain (Nova Fronteira, 1990), eis uma pequena amostra de como o cinema era uma coisa essencial em sua vida. Diz ele. "Gosto tanto de cinema, que mal suporto a companhia de pessoas que não gostam. Certo dia dei carona a um alemão. Falei-lhe de Fritz Lang e ele não reconheceu o nome. Max Ophuls, muito menos. Então, o fiz descer do carro em Lyon, fazendo-o crer que ia parar nessa cidade." Grande Truffaut.
2) Em uma muito longa entrevista ao jornalista francês Michel Ciment, que acabou fazendo parte do livro Hollywood - Entrevistas (Brasiliense, 1988), no qual aparecem entrevistas de mais cinco cineastas, John Huston, a uma certa altura, demonstra a grande admiração que tinha por Marlon Brando. E faz esta surpreendente revelação: "Lembro-me de Júlio César, em que ele representava Marco Antonio. Pois bem, os experientes atores ingleses que o cercavam empalideciam ao lado dele. Fico pasmo de admiração diante de Brando e de sua arte". Esses atores ingleses, que Huston não menciona, são nada menos do que o grande James Mason e o não menos grande John Gielgud. E havia ainda Deborah Kerr e o talentoso e experiente ator americano Edmond O' Brien. Ainda sobre Brando. Segundo o escritor Truman Capote, que o entrevistou no Japão, quando o ator filmava Sayonara, ele não necessitava de menos de quinze minutos numa conversa com alguém a quem era apresentado, para apreender os gestos, um cacoete , a voz desse estranho. E depois imitá-los com perfeição.
3) Foi em Luzes da Ribalta (1952), que Chaplin e Buster Keaton trabalharam juntos pela única vez . Eles contracenavam num esquete que durava uns dez minutos, pouco mais. Nesse encontro dos dois, Orson Welles, não sei por quê, acusou Chaplin de não ter valorizado a participação de Keaton, em benefício dele próprio. Não sei se Welles tinha razão. Ou se era uma acusação infundada. Tenho cá a suspeita de que o diretor de Cidadão Kane não apreciava Chaplin (como pessoa). E, no entanto, quando ele apresentou a Chaplin um argumento, que serviu para a elaboração do roteiro de Monsieur Verdoux, recebeu a expressiva (para a época), importância de cinco mil dólares. Acho até que Chaplin foi generoso com Keaton, que estava praticamente acabado. Nos últimos anos fizera filmes inexpressivos e chegara a se apresentar em circos e fazer comerciais na tevê. E dois anos antes de Luzes da Ribalta, Keaton fizera quase uma ponta em Crepúsculo dos Deuses (Wilder). O que . a meu ver, Welles podia ter reclamado é que a reunião, numa única vez na tela, de dois gênios da comédia tenha ocorrido numa fase em que ambos estavam em declínio, sobretudo Keaton.

domingo, janeiro 22, 2006

QUEM SABE? (Va Savoir, 200l)


A proposta desse filme de Jacques Rivette me parece bastante clara: promover uma interação entre teatro e realidade. A encenação de uma peça de Pirandello em Paris, realizada por uma companhia teatral italiana, em excursão pela Europa, corre paralela às situações vividas por um casal de atores. Os dois perseguem um objetivo diferente, ao deixarem o palco. O de Camille (Jeanne Balibar) é reencontrar Pierre (Jacques Bonnafé), de quem se separara há três anos, quando partira para a Itália. O de Ugo (Sergio Castellitto), que acumula as funções de diretor e de ator, é descobrir o manuscrito de uma peça escrita pelo teatrólogo italiano Carlo Goldoni, que viveu no século 18. O texto nunca foi encenado e fora dado pelo autor, quando morava em Paris, a um amigo. Na busca de seus objetivos, Ugo e Camille irão conviver com mais três pessoas, além de Pierre: a atual amante deste, Sonia (Marianne Basler), Dominique (Hélène de Fongerolles) e Arthur (Bruno Todeschini), irmão de Dominique.
Na reunião desse sexteto afloram sentimentos, atitudes, situações que fazem a "vida real" deles ir adquirindo a feição de personagens de uma peça, que tanto pode ser a de Pirandello, como a de Goldoni, que é descoberta, por acaso, não por Ugo, mas por Dominique, misturada a livros de receitas de bolo. Ugo se sente fortemente atraído por Dominique, a quem conheceu numa biblioteca pública, e em cuja casa existe uma vasta biblioteca; mas Dominique demonstra um comportamento ambíguo em relação ao interesse dele por ela. É ambíguo também o comportamento de Camille, tanto com Pierre (que confessa que ainda a ama), quanto com Ugo. E Sonia tem um relacionamento com Arthur, um mau-caráter, que rouba livros da biblioteca de sua casa e um anel de brilhante de Sonia. Aliás, o roubo do anel e a sua recuperação por Camille (depois de uma noite de amor com Arthur, que também se sente atraído por ela), parecem (propositadamente) inverossímeis. E à medida que a história (real) avança, cada vez mais vai adquirindo a forma de um texto teatral, o qual, ao chegar o final do filme, se instala de vez. A casa de Madame Deprez, mãe de Arthur e Dominique, se transforma num palco, ao qual sobe Sonia, vindo da platéia. Ao encontrar Camille, lhe dá um tapa "teatral", um desejo que ela acalentava há muito tempo, mas num instante se reconcilia com a outra. A última imagem é a de Ugo dançando com Camille e Dominique com Arthur. E assim como começou, é num palco que o filme termina.
Rivette dirige Quem Sabe? com elegância e um certa leveza, ainda que imprima um ritmo lento à narrativa. Fez mais um belo filme, provando que o melhor do cinema francês, em que pese o surgimento de alguns talentos, como Patrice Leconte, continua sendo feito por ele e alguns companheiros da Nouvelle Vague.

quarta-feira, janeiro 18, 2006

UMA INSÓLITA APARIÇÃO DE HITCHCOCK


Todo cinéfilo sabe do hábito de Hitchcock de aparecer em seus filmes. Um hábito que teve início ainda em 1926, com The Lodger. Quando o espectador se acostumou com a presença do rotundo diretor, aguardava-a talvez com a mesma ansiedade que a trama do filme causava nele. E quando ele surgia na tela. eram inevitáveis as risadas. Essa aparição nunca ocorria nos primeiros minutos. mas aí pelos quinze a vinte minutos, no máximo. Um grande diretor, Hitchcock tinha o olho esperto na bilheteria e sacava, como, talvez nenhum dos seus colegas, a "psicologia" dos que iam ao cinema para se divertir. Tinha a vocação para o marketing, numa época em que essa palavra ainda não existia. Sabia "vender" o seu produto.
Não sei se Hitchcock apareceu em todos os filmes, a partir da experiência inicial. É possível que sim. O cinéfilo, especialmente o hitchcockiano, deve se lembrar de muitos desses momentos. Alguns exemplos, ao acaso. Ele dando corda num relógio pousado sobre um móvel em Janela Indiscreta; entrando num trem com um violoncelo (ou contrabaixo) em Pacto Sinistro; conduzindo dois cachorros em Os Pássaros; no corredor de um hotel, em Marnie. E por aí vai.
Pelo visto, eram aparições fáceis de ocorrer. Mas quando ele foi rodar Um Barco e Nove Destinos (1943), a coisa se complicou. A trama do filme é toda desenvolvida dentro de um bote salva-vidas, onde nove sobreviventes de um navio torpedeado vão se refugiar. Hitchcock não podia aparecer, não haveria lugar para ele, a não ser que ele fosse um dos personagens. E como ele disse a Truffaut numa entrevista, ninguém aparece caminhando dentro do mar. Foram momentos dolorosos, confessa na mesma entrevista, pensando numa forma de participar do filme. De tanto pensar, surgiu a idéia. Na época ele passava por uma dieta rigorosíssima, cuja meta era perder nada menos do que 50 quilos. Ele não diz se o conseguiu, mas, sem dúvida, ficou bem menos gordo. Aí posou para uma foto no início do tratamento e para outra no final. Isso feito, fez estampar as fotos num velho jornal, como ilustração do anúncio de um medicamento usado para emagrecimento. Era um remédio fictício, ao qual ele batizou de "Reduco". O jornal foi pregado ao lado do barco. E num dado momento, um dos sobreviventes pega o jornal, desdobra-o e lá aparece, ao lado do anúncio ,as fotos de Hitchcock "antes" e "depois" de usar o remédio. E, assim, embora não fisicamente, o grande gordinho fez a sua costumeira aparição.
P.S. Outros diretores apareceraam em seus filmes, mas uma única vez. Três exemplos me vêm à memória. Buñuel em A Bela da Tarde, num café ao ar livre, na cena em que Catherine Deneuve encontra o viúvo, que a convida a ir à casa dele; Philippe de Broca em Brincando de Amor, na cena de uma festinha; e Huston em O Tesouro de Sierra Madre. Este aparece duas vezes, como o homem de terno branco a quem Bogart pede dinheiro.

domingo, janeiro 15, 2006

A REUNIÃO


A decisão de nosso chefe de marcar a reunião para sábado no Colégio Estadual desagradou a todos nós. Pelo local e mais ainda por ser um sábado, quando só pensamos em esquecer os cinco dias rotineiros que atravessamos. Mas o chefe não aceitou nossas ponderações e ainda nos comunicou que, a partir daquela data, as reuniões não mais se realizariam no nosso Setor. (Ele adora fazer o gênero ditador.) Concordamos com ele quando disse que o tempo gasto em reuniões seria melhor aproveitado no cumprimento das tarefas. Agora achar que, se reunindo fora do Setor, se evitaria que funcionários de outros Setores ficassem conhecendo os nossos problemas de serviço, é uma argumentação no mínimo risível. Tivemos que baixar a cabeça. De nada adiantaria falar com o subgerente, como alguém sugeriu. Íamos só gastar saliva e o homem podia não nos entender.
E no sábado fomos para o vetusto prédio do Colégio Estadual, chateados, mas fomos. Dei carona ao Heráclito, que estava com o carro na oficina. Fomos os últimos a chegar e não sabemos por que não levamos um pito do chefe. Ele pediu que o acompanhássemos à sala onde se daria a reunião. Eu e Heráclito ficamos na rabeira. Como um líder, nosso chefe ia à frente. Ia sem pressa, até muito vagaroso, o que nos surpreendeu, atrasados, como estávamos. E como passássemos pelo salão, onde estão expostos os quadros de formatura, achamos que disporíamos de tempo para procurar o da nossa turma. Não demoramos a achá-lo. Emocionados, recordamos alguns colegas, professores, os grandes momentos. E rimos de nossos retratos: a carranca, o cabelo glostorado, o paletó e a gravata imundos do fotógrafo, que serviram a milhares de formandos. Mas de repente nos entristecemos, ao nos revermos adolescentes, o jeitão sério apenas uma pose para fotografia de concluinte. Problemas, responsabilidades, compromissos - isso existia pra nós naquele tempo? Não tínhamos passado, no futuro não pensávamos, só o presente interessava. Acabamos arrependidos de remexer no passado. Enão, nos lembramos da reunião. Galgamos velozmente a escada que dá acesso às duas alas , que tanto percorremos em outra época. Lá no topo o coração em tempo de pular da boca. Éramos dois velhos - comentei para o Heráclito.
Ficamos parados até recobrar o fôlego. Foi quando nos demos conta de que não sabíamos da sala, onde se daria a reunião. O Heráclito, sempre prestativo, queria se informar na secretaria e na diretoria, mas lhe lembrei de que não iria encontrar ninguém num dia sem aula. A solução era cada um de nós tomar uma ala e percorrer todas as salas. Aquele que localizasse a sala, gritaria pelo outro. Entrei em cada uma das salas, minhas velhas conhecidas, sem perder a esperança de na sala seguinte encontrar os colegas reunidos. Mas em todas apenas as carteiras encardidas (vazias). E não ouvi o grito de Heráclito. Nos reencontramos no topo da escada, cansados, desapontados. Mas o meu amigo teve uma boa idéia: descermos para a secretaria e a diretoria. Conhecendo o nosso chefe, achávamos que ele tinha escolhido uma das salas - talvez a do Diretor. Fomos primeiro para esta e, ao nos aproximarmos, ouvimos vozes. Na mosca. Como conhecíamos o nosso chefe! Entramos à toda, levamos um bruto susto: em vez dos colegas, demos com um grupo de escoteiros. À mesa, o chefe dos garotos parou de falar quando invadimos a sala com um com licença, chefe. Desejando que naquele momento o chão se abrisse e nos tragasse, balbuciamos uma desculpa e saímos. Desanimados. fomos ainda à secretaria - fechada.
Até pegarmos o carro e durante todo o trajeto, não soltamos uma palavra. De vez em quando nos olhávamos, lendo no rosto a certeza de termos desperdiçado o nosso fim de semana. Nada nos iria distrair da ídéia de começarmos a segunda-feira com uma reprimenda do nosso chefe.
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Conto extraído do meu livro Não Enterrarei os Meus Mortos (1980)

quarta-feira, janeiro 11, 2006

SOPRANDO A PRIMEIRA VELINHA


Hoje está fazendo um ano que iniciei este blog. Em 11 de janeiro de 2005 o Luzes da Cidade ingressava no mundo da blogosfera, com uma crítica sobre o filme de Chaplin que inspirou o nome deste espaço. Antecedendo o texto, fiz algumas considerações, entre as quais informava que, apesar do título, o meu blog não iria se dedicar exclusivamente às coisas do cinema, muito embora este fosse ter um maior destaque. E assim tem sido nesses doze meses. E assim será até enquanto ele existir. Mesmo ocupando um espaço menor, tenho divulgado o meu trabalho literário, publicando textos extraídos dos meus livros e também inéditos. Também escrevi sobre outros escritores e publiquei, em pequeno número, é verdade, textos de poetas, consagrados ou não. Andei, ainda, publicando umas poucas crônicas de minha autoria. Mas o cinema continuou sendo o assunto mais relevante.
Curioso é que a minha decisão de editar um blog surgiu de repente, e depressa a levei a cabo. Jamais pensei nessa possibilidade, desde que ingressei na Internet. Me lembro, poucos meses antes, de uma sugestão de Bené Chaves (que já fazia circular o seu O Apanhador de Sonhos) para que eu criasse também o meu. Foi numa reunião que tivemos com Moacy Cirne, numa das vindas deste a Natal. "Quero lá o quê!", reagi de imediato. No entanto, não muito tempo depois... É como aquela história de que nunca se deve dizer que desta água não beberei.
Preciso confessar que, mais do que, talvez, o meu prazer de escrever (a necessidade, diria melhor), a grande satisfação que tive durante esses doze meses foi o ensejo de conhecer pessoas inteligentes, sensíveis e talentosas, além de possuírem uma grande qualidade humana. Elas me gratificaram com palavras amáveis, nas suas visitas, onde não faltou uma boa dose de generosidade; e me proporcionaram momentos preciosos ao visitar os seus blogues. Quero, sem citar nomes, fazer um agradecimento especial àqueles que se mantiveram mais assíduos em suas vindas ao Luzes da Cidade. Mas também agradeço aos que aqui vieram esporadicamente, aos que , assíduos por algum tempo, de repente tomaram um chá de sumiço. Agradeço até mesmo àqueles que me visitaram uma única vez. Como , ao me lerem, dissessem para si mesmos, o diabo é quem vem outra vez por aqui. A todos deixo um grande abraço e os votos de um venturoso ano que está se iniciando.

sábado, janeiro 07, 2006

MEUS ATORES E ATRIZES PREFERIDOS

Sem ordem de preferência.

Atores

Dirk Bogarde
Barry Fitzgerald
James Mason
Alec Guiness
Henry Fonda
Marcello Mastroianni
Bruno Ganz
Al Pacino
Claude Rains
Charles Laughton
Spencer Tracy
Marlon Brando
Robert Ryan
Burt Lancaster
Peter Lorre
Montgomery Clift
Jack Lemmon
Paulo José


Atrizes

Claire Bloom
Isabelle Hupert
Virginia Mayo
Maureen O' Hara
Ornella Muti
Jean Simmons
Alida Valli
Teresa Wright
Audrey Hepburn
Ava Gardner
Catherine Deneuve
Natalie Wood
Sophia Loren
Silvana Mangano
Emmanuelle Béart
Susan Hayward
Anne Bancroft
Lee Remick
Ingrid Thulin
Helen Mirren
Debra Winger
Nicole Kidman

domingo, janeiro 01, 2006

A CHINESINHA

Tomei o primeiro, longo gole de cerveja, degustando o prazer da bebida bem gelada. Em seguida, virei o rosto para a parede à minha direita, onde estava dependurado um quadro emoldurado e envidraçado. A peça, que não parecia (de acordo com os meus modestos conhecimentos de artes plásticas), executada por um verdadeiro artista, representava sete pessoas (4 homens e 3 mulheres), cada uma delas exercendo uma função. Um dos homens portava um instrumento musical, outro montava um cavalo, uma mulher aparecia segurando uma flor, e assim por diante. Um atrás do outro, formando uma fila indiana. Era um quadro chinês, pois o restaurante era chinês. Havia outro quadro na parede à minha esquerda, embaixo do qual se postava a longa mesa onde era exposta a comida para os clientes se servirem. Mas nem sei dizer o que o quadro representava, pois me desinteressei de olhá-lo.
A chinesinha que me atendeu teria, se muito, dezoito anos, era magrinha, como parecem ser todas as chinesas, pelo menos, as jovens. O seio quase inexistente me fez lembrar a expressão "peitinhos de pitomba", de uma música do Chico. Mas bonitinha, com um rabinho-de-cavalo, e se chamava Jini. Havia outra moça, um pouco mais velha, e um homem, esse, sim, gordo, não muito mais alto do que as moças. Devia ser o proprietário. Fiquei por ali só bebendo, pois ia almoçar em casa.
Descobrira o restaurante num desses sábados em que com a minha mulher fui a um shopping fazer compras. Depois das compras, seguimos para a praça da alimentação, para tomarmos umas duas cervejas. Entramos ali sem nem saber que o restaurante era chinês. Só o descobrimos quando a chinesinha nos veio atender e também verificamos a decoração. E não sei por quê (talvez o inusitado do local, com uma chinesa de garçonete), achei agradável o ambiente, e sempre que ia ao shopping, aparecia lá para tomar a minha cerveja.
Os ocidentais acham que as pessoas da raça oriental são todas parecidas no físico. Talvez eles digam o mesmo de nós. Bom, o certo é que teve um dia que eu achei que Jini, a chinesinha, era como estar vendo a bela atriz Gong Li. Só que bem mais nova. E um dia falei a ela da semelhança entre as duas. Jini me olhou admirada e não disse nada. Suspeitei que ela não soubesse quem diabo era Gong Li.
Uma vez fui atendido pela sua companheira. Era também bonitinha, me disse o seu nome, mas não o guardei. Soube que Jini estava adoentada. Doença grave, perguntei. A moça não disse nem sim, nem não. Era atenciosa e mais comunicativa do que Jini. Como a cerveja não estivesse muito gelada, trouxe, sem eu pedir, um balde com cubos de gelo, onde pousou a garrafa. Fiquei por ali, vendo pela milésima vez o quadro, enquanto os primeiros clientes chegavam para almoçar. Dessa vez me deu vontade de comer um pastel.
Voltei alguns dias depois e, de novo, não encontrei Jini. Perguntei à colega se ela tinha melhorado. E, coisa estranha, de novo ela ficou muda. Nem um sim, nem um não. Coisa mais estranha!
Não resisti a perguntar por Jini, na vez seguinte. E o mesmo silêncio da garçonete, mas com uma diferença: além do silêncio, ela esboçou um sorriso, cujo significado não consegui decifrar. A partir daquele dia, desisti de indagar pela chinesinha. Houve uma ocasião, depois de beber três cervejas (habitualmente não passo de duas) , em que senti o impulso de perguntar ao proprietário o que fora feito de Jini. Mas nem cheguei a me levantar. Deixa pra lá, disse pra mim . E, embora continue frequentando o local, apreciando a cerveja bem gelada (quando não está a meu gosto, a garçonete providencia o balde com gelo), confesso que sinto falta da sósia de Gong Li. Onde ela estará? O que terá sido feito dela?