domingo, fevereiro 28, 2010

UM NOEL ROSA HERMÉTICO

Fonte: Google



Em 1997 o compositor e cantor Ivan Lins lançou o CD triplo "Viva Noel". Do disco 1 faz parte o samba "Cor de Cinza", composto por Noel em 1933. É úma música que se pode dizer que aparece como um corpo estranho na obra do compositor, por causa do feitio da letra, em que os versos contêm impressões e imagens que aparentam não ter uma relação entre si, tendo como resultado um "texto" hermético, mas dotado de grande beleza. Por sinal que, segundo escreve o crítico João Máximo (autor, junto com Carlos Didier, do livro "Noel Rosa, Uma Biografia) no encarte do disco, o poeta e cronista Paulo Mendes Campos considerava esse samba "o mais belo e hermético poema impressionista do nosso cancioneiro popular".
João Máximo toca na obscuridade dos versos do compositor, "cujo mistério não há como desvendar: a história morreu com ele". E informa que a música só foi gravada em 1955, por Aracy de Almeida, portanto, 18 anos depois da morte de Noel.
Assim, com apenas duas gravações (contando a de Ivan Lins), "Cor de Cinza" é também uma música muito pouco conhecida de Noel (cujo centenário de nascimento ocorre este ano), entre as mais de 250 que ele compôs.
A seguir a letra.


Com seu aparecimento
Todo o céu ficou cinzento
E São Pedro zangado
Depois um carro de praça
Partiu e fez fumaça
Com destino ignorado

Não durou muito a chuva
E eu achei uma luva
Depois que ela desceu
A luva é um documento
Com que provo o esquecimento
Daquela que me esqueceu

Ao ver um carro cinzento
Com a cruz do sofrimento
Bem vermelha na porta
Fugi impressionado
Sem ter perguntado
Se ela estava viva ou morta

A poeira cinzenta
Da dúvida me atormenta
Nem sei se ela morreu
A luva é um documento
De pelica e bem cinzento
Que lembra quem me esqueceu.



domingo, fevereiro 21, 2010

O BAILE (Le Bal/1983)






O Baile, de Ettore Scola (Um Dia Muito Especial) não é o maior musical já realizado, mas, certamente é o mais original. Afastando-se do modelo padronizado pelo musical americano, não tem uma única fala e toda a história do filme é narrada através da música e da dança. E deve-se também falar em história com h maiúsculo, pois O Baile reconstitui o período francês, que vai de 1936, com a formação da Frente Popular, estendendo-se pela ocupação nazista, a libertação, a invasão do "rock" nos anos 1950, os anos 1960, até 1983. Além das músicas e das danças, todo o período é assinalado pela moda do vestuário masculino e feminino.
O filme começa em 1983, com os personagens-dançarinos, quarenta e sete anos mais velhos, entrando em um salão de um bar. É um ótimo início. Ao som de uma música, aparecem, primeiro, as mulheres, uma de cada vez. A câmera focaliza, com detalhes, a chegada delas. Há a de óculos escuros, que escancara a boca para examinar os dentes com os dedos, há outra que traz um frasco de comprimidos, uma terceira que, ao sentar, exibe parte de uma coxa, enquanto ajeita a saia de baixo, mais outra, de óculos de grau, que não irá dançar, preferindo ver uma revista de cinema. Já os homens entram juntos, em fila indiana, e vão se recostar ao balcão. Como ocorria nos bailes de antigamente, as mulheres aguardam que eles as convidem para dançar.
O roteiro, do qual Scola é um dos quatro autores, parece dar um pouco mais de destaque a dois desses homens. Aquele cheio de tiques (Marc Berman) e o grandalhão, feio e corcunda, que, talvez, por lhe faltarem atrativos físicos, dança apenas uma vez e rapidamente, sendo logo preterido pela parceira em favor de outro. É interpretado por Jean-François Perrier, que voltaria a trabalhar com o diretor no encantador a Viagem do Capitão Tornado (1990). Aliás, o personagem de Marc Berman proporciona o momento mais engraçado de O Baile. Na pele de um aristocrata, usando monóculo, ele chega ao baile acompanhado da amante. Sozinho à mesa, enquanto a mulher dança com outro, os monóculos (pois ele possui mais de um) caem no copo cheio de vinho. Por outro lado, ele aparece, em outra ocasião, como um personagem desprezível: o de colaboracionista, servindo de pajem para o oficial alemão (o mesmo Perrier)
Sendo uma adaptação de um espetáculo montado pelo Théatre du Campagnol, de Paris, encenado por Jean-Claude Penchenet, que também atua no filme e é mais um dos roteiristas, O Baile corria o risco de se tornar apenas a filmagem de um espetáculo musicado e dançado. O risco é evitado porque Scola, ao aderir à dança e à música, o faz com o seu tirocínio e talento cinematográficos, do que resulta um equilíbrio perfeito na aliança de três artes.
Curioso que um cineasta, sem experiência no gênero, tenha realizado um dos quatro ou cinco maiores musicais de todos os tempos, e dele a sua obra-prima. O cinema (como a vida) tem dessas coisas.



MEUS DEZ MELHORES MUSICAIS


- Cantando na Chuva (Stanley Donen/Gene Kelli/1952)
- Sinfonia em Paris (Vincente Minelli/1951)
- Amor, Sublime Amor (Robert Wise/Jerome Robbins/1961)
- O Baile
- Ama-me Esta Noite (Rouben Mamoulian/1932)
- Cabaret (Bob Fosse/1971)
- Os Guarda-Chuvas do Amor (Jacques Demy/1964)
- Marujos do Amor (George Sidney/1945)
- Um Dia em Nova York (Donen/Kelly/1949)
- Minha Bela Dama/My Fair Lady (George Cukor/1964)

domingo, fevereiro 14, 2010

22 GRANDES MÚSICAS DE CARNAVAL (*)

João de Barro, o Braguinha, foi o maior dos compositores de
músicas de carnaval. Nesta foto, em que ele é o primeiro da
frente, aparecem, entre outros, Chico, Caetano, Tom e Vi-
nicius.

Foto: www.lastfm.com.br/



- Evocação nr. 1 (Nelson Ferreira)
- Atire a Primeira Pedra (Ataulfo Alves/Mário Lago)
- O Cordão dos Puxa-Saco (Roberto Martins/Frazão)
- Pierrô Apaixonado (Noel Rosa/Heitor dos Prazeres)
- Florisbela (Nássara/Frazão)
- Dama das Camélias (João de Barro/Alcyr Pires Vermelho)
- Balzaquiana (Nássara/Wilson Batista)
- Anda Luzia (João de Barro)
- Se a Lua Contasse... (Custódio Mesquita)
- Ô Abre Alas (Chiquinha Gonzaga)
- Taí (Joubert de Carvalho)
- A Jardineira (Benedito Lacerda/Humberto Porto)
- Alá Lá Ô (Haroldo Lobo/Nássara)
- Estrela do Mar (Marino Pinto/Paulo Soledade)
- As Pastorinhas (João de Barro/Noel Rosa)
- Touradas em Madri (João de Barro/Alberto Ribeiro)
- Chiquita Bacana (João de Barro)
- Máscara Negra (Pereira Matos/Zé Kéti)
- O Teu Cabelo Não Nega (Lamartine Babo/Irmãos Valença)
- Grau Dez (Ary Barroso/Lamartine Babo
- É Com Esse Que Eu Vou (Pedro Caetano)
- Lata D'Água (Luís Antônio/Jota Junior)

(*) Sem ordem de preferência.

domingo, fevereiro 07, 2010

PEQUENAS LEMBRANÇAS DE UMA CERTA FORTALEZA



Fortaleza, anos 1950: trecho da rua Guilherme Rocha, cen-
tro da cidade, a qual desemboca na praça do Ferreira.
Foto: Google


No meu tempo de estudante em Fortaleza havia uma casa comercial que se diferençava das demais pelo tipo de propaganda que fazia. Na verdade, uma anti-propaganda, pois era anunciada por cobrar os preços mais altos da cidade, os seus produtos eram de baixa qualidade e não tinham garantia. Havia ainda a Casa Bicho, que tinha esse nome porque o seu proprietário se chamava José Bicho.
Pequenas lembranças de uma Fortaleza que não existe mais, que ficaram para sempre na minha memória. Tais como as matinês, aos domingos, do Cine Rex, ali na rua General Sampaio, a poucos metros da praça José de Alencar. Lá se reuniam os adolescentes de ambos os sexos, para ver um filme acessível à sua faixa etária. Não era raro encontrar um ou outro colega do Liceu. Numa ocasião vi o Jorge, que estudava na minha classe. Estávamos na fila para compra do ingresso, ele um pouco atrás de mim. Acompanhado de um amigo, ele lia, em voz alta, uma carta que uma namorada lhe enviara. Ria com alguns trechos da carta, aqueles em que a jovem demonstrava mais a atração que tinha por ele. Presenciando aquele exibicionismo de Jorge, eu, que já não era seu amigo, passei a detestá-lo a partir desse seu comportamento reprovável.
Um fato curioso no Rex era o preço da meia entrada: Cr$ 2,40. Por que, como os seus concorrentes, não era cobrado o preço de Cr$ 2,50? E, geralmente, ficava por esse preço, pois a bilheteira não dispunha de dez centavos. Nunca entendi isso.
Lá eu assisti A Princesa e o Plebeu. Fiquei ao lado de duas mocinhas, uma das quais não parava de falar. E uma vez em que Gregory Peck caminhava com uma mão no bolso da calça, ela disse à amiga que o homem que assim procedia era um liso.
Lembranças. Lembranças. Os programas de auditório na Rádio Iracema e na Ceará Rádio Clube, nas tardes de sábado. Talvez o mais popular de todos fosse o de Irapuan Lima, "o Chacrinha do Norte", na primeira delas. O auditório lotado de pessoas de diversas idades. Quando um cantor, ou cantora, de expressão nacional, vinha se apresentar num clube de Fortaleza, comparecia a esses programas. Num deles apareceu Elizeth Cardoso, que , na época, ainda não era chamada de "A Divina".
Um cunhado de um dos meus irmãos trabalhava na Dragão do Mar. Um dia ele me convidou para conhecer a rádio. Era uma tarde de um dia qualquer. Na ocasião estava sendo gravada uma novela. Embora fosse narrador esportivo, ele participava da novela (talvez por uma emergência) , fazendo um pequeno papel. Conseguiu com que eu assistisse à gravação. Reconheci o galã da novela, Oliveira Filho, que morava no meu bairro. E conheci um casal de atores que trabalhava em teatro. E tive uma tremenda decepção com a atriz que formava o par romântico com Oliveira Filho. Uma vez ou outra, eu acompanhava algum capítulo de rádio-novela. Morava na casa de outro irmão e a minha cunhada gostava de rádio-novela. Quando estava em casa, e se não estivesse estudando, ouvia essas novelas, ou parte delas. Então, havia uma atriz (não me lembro do nome) que me atraía pela voz suave, bonita, algo sensual, o que me levava a imaginar que fosse uma mulher bonita. Pois bem. Nesse determinado dia, lá estava ela. Não chegava a ser feia, mas estava muito longe do padrão de beleza que imaginava possuir.
E aquela funcionária bonitinha de uma loja de variedades? Aparentava ser um pouco mais velha do que eu. Estava quase sempre à frente da loja, quando eu por lá passava. Iniciamos um flerte (assim se chamava a paquera naquele tempo) e daí evoluímos para o namoro. Só que ela nunca soube que namoramos.




A ALMA DAS CIDADES
Poema de Horácio Paiva/RN




A cidade passou
antes de mim.
E não houve adeus.
Perdeu-se
no caos incontrolável
da impermanência.

Não a cidade onde nasci,
é óbvio,
mas a que aprendi a amar depois.

E quando vi que passara,
retirei-me.
Sem olhar para trás...

Anjos
- que não sabem que são anjos -
vieram ao meu encontro
e serviram-me.

Ainda não morri,
concordo,
mas a alma de minha cidade
não existe mais.