Setsuko Hara em "O Idiota", de Akira Kurosawa (1951)
Em 1963 a atriz japonesa Setsuko Hara decidiu abandonar o cinema. Tinha 43 anos e 28 de carreira, iniciada em 1935. E por ter o seu filme de estreia no cinema alcançado um enorme sucesso, a companhia produtora achou por bem mudar o nome da atriz (Masae Aida) para Setsuko, o mesmo do personagem que ela interpretava. E como Tetsuko Hara, a atriz, mercê do talento e da beleza, transformou-se, no correr dos anos, em uma das mais queridas e admiradas pelos cinéfilos e críticos do Japão. Por causa disso, a sua aposentadoria precoce deixou os fãs chocados, perplexos e assim como órfãos.Para piorar, a justificativa que ela apresentou não os convenceu e até - possibilidade em que eles próprios jamais pensaram - lhe fizeram sérias críticas. A esse respeito, eis o que escreveu o crítico Donald Richie (1): "Não teve a polidez de criar uma ficção relativa a problemas de idade - ela tinha apenas 43 anos - , a saúde debilitada, algum desejo ardente de se entregar a obras de caridade, a um mandamento espiritual de entrar para um convento. Nada disso - apenas uma declaração que soava como a verdade nua e crua". A justificativa de Setsuko foi que "nunca havia gostado de fazer filmes, que os fizera meramente para sustentar uma família numerosa, que nada de seu desempenho como atriz lhe parecera bem e, agora que a família estava em boa situação, não via razão para continuar fazendo algo que não a interessava". Essas palavras feriram fundo os seus fãs, como uma punhalada nas costas. De repente, eles se sentiam como que logrados ao amar uma atriz que revelava que exercera a sua profissão não por vocação, mas como uma forma de dar sustento a uma família. E aí, de amada, ela passou a ser odiada. E entre os ataques que recebeu, houve inclusive o que fazia insinuação sobre a sua sexualidade. É que Setsuko nunca casou, nunca se soube de nenhum caso amoroso seu, tudo indicando que mantém a virgindade até hoje, já velhinha, com 90 anos completados em junho passado.
Essa entrevista marcou sua última aparição em público. Tornou-se uma reclusa, só saindo para fazer compras e em sua casa só recebia as poucas amigas. E quando um jornalista, descobrindo a sua casa, aventurava-se a ir procurá-la, tinha a porta fechada na cara. A sua experiência no cinema ensinou-a manter-se a uma estratégica distância dos fotógrafos, de maneira que nas fotos tiradas Setsuko não aparecia com a nitidez que comprovasse que ela era mesma a fotografada. Nos primeiros anos de aposentadoria recebeu ofertas milionárias da sua produtora para voltar a trabalhar, mas recusou todas.
Também em 1963 ocorreu um importante fato com outra pessoa ligada ao cinema: a morte de Yasujiro Ozu, no dia em que faria 60 anos. Ele foi um dos três maiores diretores do cinema japonês (há os que o consideram o maior deles), ao lado de Kenji Mizoguchi e Akira Kurosawa. Setsuko Hara foi a atriz preferida de Ozu, com quem fez 5 filmes, entre eles as obras-primas "Pai e Filha" (1949) e "Contos de Tóquio" (1953), sobre as quais escrevi aqui. Pois bem. A atriz comunicou a decisão de se retirar do cinema poucos dias depois da morte do diretor. Teria essa decisão repentina e nunca esperada a ver com a morte do cineasta, que também nunca casou, vivendo na companhia da mãe viúva? Ou foi uma simples coincidência? Não sei se, no Japão, alguém tenha levantado a hipótese de exisitir uma relação entre os dois fatos, mas sei que por lá circula a informação de que Setsuko mora em Kamakura, região que faz parte da grande Tóquio, na qual foi rodado "Pai e Filha" e onde se encontra o túmulo de Ozu.
(1) Publicado no livro "Emoção e Poesia - o cinema de Yasujiro Ozu", edição do Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro, 2010.
Também em 1963 ocorreu um importante fato com outra pessoa ligada ao cinema: a morte de Yasujiro Ozu, no dia em que faria 60 anos. Ele foi um dos três maiores diretores do cinema japonês (há os que o consideram o maior deles), ao lado de Kenji Mizoguchi e Akira Kurosawa. Setsuko Hara foi a atriz preferida de Ozu, com quem fez 5 filmes, entre eles as obras-primas "Pai e Filha" (1949) e "Contos de Tóquio" (1953), sobre as quais escrevi aqui. Pois bem. A atriz comunicou a decisão de se retirar do cinema poucos dias depois da morte do diretor. Teria essa decisão repentina e nunca esperada a ver com a morte do cineasta, que também nunca casou, vivendo na companhia da mãe viúva? Ou foi uma simples coincidência? Não sei se, no Japão, alguém tenha levantado a hipótese de exisitir uma relação entre os dois fatos, mas sei que por lá circula a informação de que Setsuko mora em Kamakura, região que faz parte da grande Tóquio, na qual foi rodado "Pai e Filha" e onde se encontra o túmulo de Ozu.
(1) Publicado no livro "Emoção e Poesia - o cinema de Yasujiro Ozu", edição do Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro, 2010.