terça-feira, agosto 30, 2005

BRINQUEDO PROIBIDO


Falando uma vez aqui de filmes que vi na adolescência e que desejaria rever, citei, entre eles, Brinquedo Proibido/Jeux Interdits, que René Clément realizou em 1952. No final eu me perguntava se algum dia teria a oportunidade de rever aquele filme, do qual só me lembrava, vagamente, da presença de um casal de crianças. Pois não é que agora Brinquedo Proibido foi lançado em DVD, propiciando-me a realização do meu desejo!
Embora mostre o horror e o absurdo das guerras (no caso, a Segunda Guerra Mundial, em seus primeiros meses) , ceifando vidas humanas, Brinquedo Proibido mira, especificamente, na questão da morte e no efeito que ela causa a duas crianças, Michel (Georges Poujouly) e Paulette (Brigitte Fossey) . Mas esse efeito, pelo fato de se tratar de seres inocentes, adquire a dimensão de uma "brincadeira", levando os dois a "construir" um cemitério para animais, numa réplica do cemitério para os humanos, ao qual não falta a aposição de cruzes roubadas do cemitério da localidade.
Um reparo que se poderia fazer ao roteiro de Brinquedo Proibido (escrito por Clément, em parceria com Jean Aurenche e Pierre Bost) tem a ver com a atitude de Paulette em relação à perda dos pais, mesmo levando em conta a sua adoção (provisória) pela família de Michel. Ela demonstra não ter sido afetada por aquela morte, ao contrário do que ocorre com a do seu cachorrinho que levava quando são atingidos pelo bombardeio de aviões. Mas, por outro lado, talvez a intenção dos roteiristas fosse a de esvaziar a história de qualquer sombra de sentimentalismo, para evitar o risco do melodrama, em prejuízo da ênfase dada à pureza e à inocência da garota, que, entre outras coisas, desconhece o significado de uma cruz, o que lhe é ensinado por Michel, mais velho e mais esclarecido. Assim, a pureza e a inocência infantis são não apenas preservadas, mas repassadas de uma poesia simples, mas encantadora.
Outro dado a observar no filme é a amizade que se estabelece entre as duas crianças, amizade que talvez se transformasse em amor (aliás, a mãe de Michel chega a fazer uma insinuação a esse respeito) , se a ida de Paulette para uma instituição não frustrasse essa probabilidade. E é ao chegar ali que a garota parece, afinal, adquirir a consciência de perda, no caso a do amigo, quando ouve alguém chamar o nome "Michel". Pensando tratar-se da mesma pessoa, Paulette diz o nome e, pela primeira vez, grita pela mãe morta. Deixa o local onde está e, misturando-se à multidão, vai à procura daquele "Michel", sempre repetindo-lhe o nome. O filme encerra aí, deixando aberta a interpretação para o destino de Paulette.
Se Brinquedo Proibido não chega ao nível de uma obra-prima, mantém a integridade de um grande filme, mais de cinquenta anos depois de realizado. Na época, Clément gozava de um certo prestígio perante a crítica, que atingiu o auge com O Sol por Testemunha, em 1959. Mas nos anos seguintes ele foi perdendo o fôlego e nunca mais foi o mesmo de quando fez Brinquedo Proibido. E hoje parece estar quase inteiramente esquecido.

sábado, agosto 27, 2005

CURIOSIDADES CINEMATOGRÁFICAS


1) Em 1959 o diretor Howard Hawks realizou Onde Começa O Inferno (Rio Bravo), um dos maiores westerns já feitos, o mesmo Hawks que estreara no genero onze anos antes com Rio Vermelho (Red River), mais ou menos do mesmo nível daquele. Onde Começa O Inferno continha um atrativo no argumento, embora não fosse inédito (Ford já o explorara em No Tempo das Diligências, na figura do médico), que era o alcoolismo de um dos xerifes, interpretado por Dean Martin. O filme mostrava ainda a determinação do outro xerife (John Wayne) de livrar do vício o amigo e colega, sobretudo depois que este prende o irmão do poderoso proprietário de terras da região. É uma luta desigual que Wayne trava para manter o homem na cadeia, até que ele seja julgado pelo crime de homicídio, pois, além do xerife alcoólatra, conta só com a ajuda do velho e manco guarda da cadeia e de um jovem vaqueiro. Apesar de tudo, ele sai vencedor e também o outro xerife, que acaba superando o vício.
Pois bem. Em 1967, oito anos depois, Hawks lança outro western, El Dorado (Idem), que, de novo, mostra um xerife alcoólatra (Robert Mitchum). E a causa do vício é a mesma nos dois personagens: ambos são abandonados pela mulher por quem se apaixonaram. E de novo John Wayne procura ajudar o amigo, não só na superação do´alcoolismo, mas na situação que ele enfrenta ao levar para a prisão um poderoso proprietário de terras. (A diferença é que Wayne, agora, é um pistoleiro de aluguel, que passa boa parte do filme com uma bala encravada no corpo). Outro ponto de contato entre os dois filmes é o apelido dos dois jovens (sim, em El Dorado também existe outro jovem, só que não é vaqueiro, como o de Onde Começa o Inferno), que se unem ao xerife na luta desigual, originado de estados norte-americanos: em Onde Começa o Inferno ele é chamado de Colorado, em El Dorado, de Mississipi. Momentos engraçados unem os dois filmes, não fosse Hawks um especialista também em comédi a (Levada da Breca, Bola de Fogo, Os Homens Preferem as Louras). El Dorado não chega ao nível de Onde Começa O Inferno, e essa inferioridade independe da existência do segundo, mas é um filme a que se assiste com prazer e atenção, sendo o penúltimo filme de Hawks.
2) Quando Tempos Modernos (Modern Times, 1936) ganhou as telas do mundo inteiro, Chaplin foi acusado de ter plagiado, pelo menos em parte, o filme de René Clair, A Nós a Liberdade (A Nous la Liberté), feito cinco anos antes. Li isso há anos sem conta, não me lembro quem fez a acusação. Provavelmente algum crítico francês, ou mais de um. O certo é que Clair foi aconselhado a mover um processo contra Chaplin. A reação do cineasta francês foi não só digna, mas de uma reverência e de um respetio inigualavéis a Chaplin. Disse que não acreditava que o genial comediógrafo o tivesse plagiado,mas (atenção), se assim fosse, para ele, Clair, seria uma honra que o seu filme tivesse inspirado o de Chaplin. Tendo a acreditar que este nunca soube, seja da acusação de plágio, seja da atitude de Clair, pois na sua biografia, Minha Vida, não há referência a nenhum dos dois fatos.

terça-feira, agosto 23, 2005

CINE SÃO LUIZ NUNCA MAIS



Foi no site do cineasta Carlos Reichenbach (www.redutodocomodoro.zip.net/) que soube que o Cine São Luiz, de Fortaleza (CE), fechou as portas no último dia 19. Localizado de frente para a Praça do Ferreira, no centro,. o São Luiz era o último sobrevivente de uma cadeia de cinemas de Fortaleza, que marcaram época na cidade nos anos 1950 e 1960 . Quando foi inaugurado em 1958, com o filme Anastacia, (se posso confiar na memória), de Anatole Litvak, com Ingrid Bergman e Yul Brynner, o São Luiz veio se juntar ao Diogo, Moderno, Majestic, Rex, Samburá, Jangada, Araçanga e Tuaçu; os 4 últimos pertenciam à empresa Cinemar (concorrente da Luiz Severiano Ribeiro) , a qual continha uma particularidade curiosa: as denominações dos cinemas eram ligadas a coisas do mar. O novo cinema era o primeiro de Fortaleza (acredito que um dos raros do Nordeste) a possuir sistema de ar-condicionado, mas, em contrapartida, a sua direção impunha ao espectador o uso de paletó, uma prática que se manteve até a década de 70.

Um cinema que fecha é como uma punhalada no coração de um cinéfilo. E me fere mais fundo, no caso do São Luiz, pelo que este representou para a minha adolescência e juventude, como os outros já mencionados. Nele passei horas sem conta vendo filmes que não se fazem mais, me deliciando
com a visão de lindas atrizes que já se foram, ou já deixaram o cinema e, hoje, com o corpo arruinado pelo tempo implacável, vivem à espera da hora final. Foi naquela sala enorme que, numa noite de carnaval, iniciei o namoro com a moça que até hoje vive comigo.
Acho que o São Luiz ainda teve uma sobrevida por alguns anos, enfrentando a concorrência dos cinemas instalados nos shoppings, por servir de local para a mostra do Festival de Cinema de Fortaleza, ou Cine Ceará, como alguns chamam. Porque a sua decadência era flagrante e, segundo me falou um amigo, numa das últimas vezes que visitei Fortaleza, a direção do cinema estava sendo assediada por um dessas igrejas evangélicas que pululam por este país. Talvez seja esse o destino do São Luiz, como ocorre com tantos cinemas que fecharam. Em Natal, o Cine Nordeste hoje abriga uma dessas malfadadas instituições. Mas há a esperança de que o São Luiz se converta num espaço cultural. Na notícia que li no site do Carlão, a própria direção do cinema sugere essa alternativa. Vamos torcer para isso. E assim nas grandes cidades vão desaparecendo os chamados "cinemas de rua". Em Natal não existe mais, em Fortaleza, em João Pessoa existe um que exibe filmes pornô e em Recife ainda sobrevive o São Luiz. Até quando?

sábado, agosto 20, 2005

ATENÇÃO - Por uma "barbeiragem" deste beradero, o conto A Promissória é apresentado nas duas postagens que se seguem. O conto integra o meu livro A Noite Mágica (Editora Ática, São Paulo, 1979);

A PROMISSÓRIA (continuação do texto do post anterior)

Mal sentou, uma voz transmitida por um alto-falante ecoou pelo salão: " Senhor Alexanderson de Almeida Valinhos, . Atenção, Senhor Alexanderson de Almeida Valinhos. Queira comparecer, por gentileza, ao gabinete do Senhor Gerente, no segundo pavimento. Trata-se de um assunto de grande importância. Agradecemos". Pensava estar sofrendo de alucinação. Era a primeira vez que entrava ali, não conhecia nenhum funcionário, nem dera o nome a ninguém. Podia até ser uma brincadeira. De muito mau gosto. Mas a voz tornou a convocá-lo. Instintivo, olhou em direção dos caixas: todos tinham interrompido o serviço e, de braços cruzados, o fitavam ameaçodaramente.
Foi introduzido no gabinete do Gerente pelo secretário. O Gerente estirou-lhe a mão e pediu que o esperasse assinar a papelada. A mão do homem balançava frenética, girando a caneta no papel. Tinha o ar compenetrado do cargo. O paletó sem um botão fora da casa, a gravata o nó bem ajustado, e não era certamente por causa da temperatura, muito mais baixa do que no salão. Durante o tempo que levou assinando, travou uma pequena luta contra os óculos, que teimavam em montar na ponta do nariz. Terminado o trabalho, apertou uma sirene e logo apareceu o secretário para levar os papéis. O Gerente apeou os óculos do nariz, examinou o nó da gravata, derreou-se na cadeira e falou: " O senhor foi chamado aqui para ouvir uma proposta que não está na obrigação de aceitar. Apenas que não a aceitando, estará arriscando a própria vida". O tom das palavras, mais o rosto sisudo do Gerente, revelaram a seriedade da proposta. Alexanderson requereu explicação. "O senhor foi pegado pela mulher de preto. Não pergunte como vim a saber disso, não vai adiantar coisíssima nenhuma. O que interessa é que foi pegado pela mulher de preto. E não escapará das garras dela, se não aceitar a proposta que vou lhe fazer". Alexanderson tartamudeou algo que exprimia a intenção de conhecer a proposta. E embora ali estivesse frio, sentiu o sovaco gotejando de suor. O Gerente ia prorrogando o anúncio da proposta. "Gostaria que o senhor fosse informado que alguns clientes preferiram rejeitar a proposta e tal atitude lhes custou bastante caro. Ainda assim, renovo as palavras do início desta entrevista: o senhor não está na obrigação de aceitar". Deve ter achado que estava gastando muito tempo. Sacou da gaveta uma promissória e entregou-a a Alexanderson. Um choque o valor da promissória. Prendeu-a na mão, o rosto de abobalhado. Depois soltou-a na mesa, arremedou um sorriso e confessou que nunca poderia dispor daquela quantia. Até acrescentou: trabalhando trinta anos, não juntaria tanto dinheiro. Mas era em trinta anos que iria pagar a promissória, o Gerente esclareceu. Só que não poderia atrasar um mês. Um mês apenas que deixasse de pagar e ele seria entregue à mulher. Alexanderson lembrou que poderia morrer até no próximo ano. "Não é problema seu. O Banco está consciente desse tipo de risco que pode correr. Se o Banco não quisesse nunca arriscar, fecharia por falta de negócios". Persuadido, Alexanderson assinou a promissória. O Gerente apertou a sirene, de novo o secretário apareceu. Em seguida curvou-se, a mão desapareceu sob o birô, quando Alexanderson viu foi a parede à direita se abrir para um corredor. Ele e o secretário atravessaram a fenda, e no corredor tomaram um elevador que os deixou no portão dos fundos do prédio. O secretário ordenou ao soldado que deixasse Alexanderson passar, deu a este uma mão de rã e voltou ao elevador.
A chuva se transformara num sol de meio-dia. Alexanderson foi caminhando, de repente: a caneta. Nos bolsos, nada. Esquecera no birô do Gerente A caneta lhe significa muito: presente do maior amigo. Foi bater no portão, explicou ao soldado, mas o soldado tinha ordem de não deixar ninguém entrar por ali. Buscasse o portão da frente.
Dessa vez encontrou-o fechado. Bateu, bateu, bateu, até que uma cabeça desentocou da janelinha. Alexanderson pediu para falar com o Gerente. "O senhor quer dizer o Administrador, não é? Vou saber se pode recebê-lo". E bateu a janelinha. Com pouco a janelinha abriu de novo, mas a cabeça era de outro homem. Perguntou o assunto que queria tratar com ele. Alexanderson falou na caneta esquecida na mesa do Gerente. A cabeça não se lembrava de ninguém que houvesse esquecido uma caneta. Alexanderson, já desconfiado, relatou a experiência vivida, desde a entrada ali pela chuva, até a assinatura da promissória. Teve a impressão de que os olhos do homem se iluminaram quando se referiu à mulher. Confirmado pela suas palavras: "O senhor me diz que viu uma mulher. É uma toda da preto, muito magra? Estranho isso. Ela morava aqui desde a morte do marido. Um dia desapareceu de vez. Nunca mais a vi. Pode ter morrido, mas não está enterrada aqui. Isso eu lhe garanto". E bateu a janelinha. Alexanderson desabalou na carreira, porque voltara a chover.

MA PROMISSÓRIA

A chuva o apanhou em frente ao cemitério. Por um instante a aversão o dominou e lhe fincou os pés no chão. Havia casas por perto, mas a timidez inibia-lhe a vontade de abrigar-se numa delas. Hesitou. A chuva aumentava, já começava a inflar-lhe a roupa ensopada. Sem outra saída, violentou o gênio e atirou-se para o cemitério. Abriu o portão à toda, o transpôs, avistou várias filas de pessoas diante de guichês. Descobriu uma poltrona vazia, caio nela, esperando a chuva passar. Sem um jornal para se entreter, pôs-se a observar o trabalho dos caixas. Eram muitos, os respectivos prenomes inscritos numa tabuleta sobre a vidraça que os separava dos clientes. Lia os nomes até onde os olhos alcançavam. O seu nome estava numa das tabuletas - achou graça na coincidência.
Em uma certa parte de sua vida esteve por trás da vidraça. Não se adaptava ao cargo, mas necessitava de dinheiro. Houve uma vez em que pagou em excesso a um cliente e se enrascou. Os colegas se uniram e lhe emprestaram a quantia que deveria ser reposta em 24 horas. Daí para a frente a tensão não mais o largou. Permaneceu no emprego até o dia em que saldou a dívida. Ouviu uma voz: o senhor me espere para descer comigo. Levantou a vista, viu as costas de uma mulher que caminhava muito apressada. Vestia-se de preto e era excessivamente magra. Correu para alcançá-la, mas num instante perdeu-a de vista. Foi até a porta de entrada, não a encontrou. Continuava a chover, voltou para a poltrona.
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sábado, agosto 13, 2005

UM FILME FALADO



Nesse filme do quase centenário Manoel de Oliveira (95 anos em 2003, quando ele o rodou), não há, propriamente, uma história para contar, e sim a História para ser ensinada à menina Maria Joana (Filipa de Almeida) por sua mãe Rosa Maria (Leonor Silveira), professora, aliás, "distinta professora de História", como informa o letreiro que se segue aos créditos iniciais. As duas embarcam em um navio em Lisboa, com destino a Bombaim (Índia), para se encontrarem com o pai e o marido. Já quando vão saindo de Lisboa, à vista de monumentos, Rosa Maria começa a falar de fatos da história de Portugal, e a "lição" continua sempre que há uma escala interessante na viagem (Atenas, Nápoles, Istambul, Egito), quando deixam o navio e visitam os locais históricos. Mas à medida que vai desfiando os fatos históricos para a filha, que, como as crianças, indaga do significado das palavras que desconhece, Rosa Maria vai também aprendendo. É assim em Atenas, quando um padre da Igreja Ortodoxa vai ao encontro delas e age como um guia histórico só para a professora; é assim diante das pirâmides egípcias, num encontro casual com um ator português. Mais da metade de Um Filme Falado é consumida por essas visitas. E aí torna-se perceptível a intenção do filme de preservar a memória histórica, cultivada pela professora e transmitida à "aluna", esta representando o futuro. Poucas e rápidas cenas são tomadas do navio parado, três delas para mostrar o embarque de três mulheres, que, depois, serão apresentadas devidamente ao espectador.
Quando o filme vai para dentro do navio, vemos reunidos, uma noite numa mesa do restaurante, Delfina, uma mulher de negócios francesa (Catherine Deneuve), Francesca, uma ex-modelo italiana (Stefania Sandrelli) , e Helena, uma atriz e cantora grega (Irene Papas), e o americano, de descendência polonesa, comandante do navio (John Malkovich). Exprimindo-se cada um deles na língua do seu país, iniciam a conversa falando de si mesmos, de suas vidas, de suas profissões, obedecendo a uma espécie de" jogo" proposto pelo comandante. Depois de um certo tempo, passam a falar de política, história, civilização, cultura, com alusões à União Européia, à Torre de Babel, à biblioteca de Alexandria, destruída por um ato inigualável de barbarismo, que, na opinião de Francesca, deu início aos atentados terroristas que persistem até hoje. Parece haver um consenso entre os exegetas de Um Filme Falado , de que esses quatro personagens representariam a União Européia (Delfina e Francesca), o Berço da Civilização (Helena) e os Estados Unidos (o comandante). É possível. Mas arrisco também outra interpretação. Ou seja, que o filme tenha hasteado a bandeira do feminismo, ao colocar as três mulheres, às quais se juntam a mãe e a filha, e apenas um homem entre os personagens principais, cabendo ainda observar que o nome de Malkovich (o de maior prestígio em todo o elenco) vem em último lugar na apresentação dos créditos. Há, ademais, uma fala de Delfina opinando que a União Européia estaria em melhor situação se administrada pelas mulheres, o que parece desagradar o comandante, que, embora sem perder as maneiras de homem bem-educado, lhe pergunta se ela é uma feminista. E ainda a boutade de Helena de que um homem é necessário, nem que seja para fazer parte da mobília de uma casa.
E quando, numa outra noite, Rosa Maria é convidada pelo comandante para a mesa, ela não pode se expressar na língua do seu país, porque só o homem entende o português, por ter passado algum tempo no Brasil. No entanto, Rosa Maria entende o inglês, e este idioma, numa mostra do seu predomínio sobre todos os demais na atualidade ("o implacável inglês", como diz Helena), é que passa a ser usado na conversa. Quer me parecer que, diferentemente da interpretação que li num comentário, a cena não representa a marginalização de Portugal no continente europeu, mas apenas a constatação da inferioridade da língua do país entre as mais faladas no mundo. Ainda assim, bem mais difundida do que o grego, só falado na Grécia, como afirma Helena com certa lamentação.
O final terrível, impactante, com a imagem congelada do rosto do comandante exprimindo o horror e a estupefação ao ver o navio ir para os ares com a mãe e a filha, não me parece de todo desesperador, em meio à conturbação e à violência do mundo em que vivemos. Pois, ao poupar a vida da atriz/cantora (que interpretava uma música tradicional da Grécia, quando o comandante é informado da existência de bombas no navio), talvez aí o filme esteja sinalizando a permanência da arte.

sábado, agosto 06, 2005

.OS DEZ MAIORES FILMES DE JOHN HUSTON



1 = O Tesouro de Sierra Madre (1947)

2 - O Segredo das Jóias (1950)

3 = Os Vivos e Os Mortos (1987)

4 - Moby Dick (1956)

5 - Paixões em Fúria (1948)

6 - Moulin Rouge (1953)

7 - Cidade das Ilusões (1972)

8 - Relíquia Macabra (1941)

9 - Os Pecados de Todos Nós (1967)

10 - A Honra dos Poderosos Prizzi (1985)


NOTA = Relíquia Macabra foi lançado, tanto em DVD, como em vídeo, com o título de O Falcão Maltês, tradução literal do título em inglês.