quarta-feira, fevereiro 28, 2007

NA RODA DA FORTUNA ( Hudsucker Proxi/1994)

O comentário abaixo foi publicado no Diário de Natal na década de 1990, quando naquele jornal eu mantinha uma coluna semanal sobre cinema. Tendo visto o filme em DVD na semana passada (com o título em português "A Roda da Fortuna") , aproveito a oportunidade para lançar o texto neste blogue. Ei-lo.
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Semana retrasada, ao falar nesta coluna sobre o cineasta espanhol Pedro Almodóvar, mencionei, de passagem, a falta de graça e de criatividadedas comédias americanas atuais, com exceção de uma ou outra. Foi bom ter feito a ressalva, pois, do contrário, teria hoje que fazê-la, depois de assistir, em vídeo, a uma comédia engraçada e inteligente, que faz lembrar o período em que o gênero era bem explorado pelo cinema americano.
Trata-se de "Na Roda da Fortuna," dos irmãos Joel e Ethan Coen (direção do primeiro, roteiro dos dois e mais Sam Raimi), que, aliás, já haviam tido uma experiência bem-sucedida com "Arizona Nunca Mais." Diferentemente deste, a ação de "Na Roda da Fortuna" passa-se na década de 50, na época da invenção do bambolê, que tem uma participação importante na trama. Época também em que os Estados Unidos eram governados pelo general Eisenwouer, que, por sinal, aparece numa cena falando com o personagem Norville Barnes ao telefone, por obra de um efeito de montagem.
Parece que os irmãos Coen tiveram o propósito de resgatar o espírito daquelas comédias dos anos 30 e 40, ainda que a história se situe em fins da década de 50. É a impressão que se tem, ao identificar o caráter e o comportamento inerentes aos personagens de tantas comédias daqueles dois períodos. E ao recorrer aos filmes daqueles decênios, o nome de Frank Capra soa bastante familiar. Noville Barnes (que tem em Tim Robbins um excelente intérprete) é um típico personaagem de Capra, aquele homem ingênuo e puro, que atrai a atenção e o interesse dos mal-intencionados. O mesmo se pode dizer de Amy Archer (Jennifer-Jason Leigh), que não só por ser uma jornalista, mas também por causa da mudança que se opera em sua conduta em relação a Barnes, faz lembrar o personagem de Barbara Stanwick em "Adorável Vagabundo."
Esse Barnes é promovido, da noite para o dia, de mensageiro a presidente de uma empresa, como resultado de uma artimanha preparada pelo maligno diretor Sidney Mussburger (Paul Newman). O objetivo é um só: tornar a empresa desacreditada no mercado financeiro, vendendo à opinião pública a idéia de que o presidente é um perfeito idiota, com isso forçando a baixa das ações, para serem adquiridas por esse diretor e seus cúmplices.
Só que eles não contavam com a impressionante reação do consumidor ao lançamento de um brinquedo projetado por Barnes, antes mesmo de ele ingressar na empresa. Criado para as crianças, ele começa a receber a adesão de adultos, e, em pouco tempo, se transforma numa mania nacional. Não apenas as vendas aumentam, como o inventor se torna famoso e querido em todo o país.
É principalmente quando satiriza os efeitos da bambolemania nas pessoas (até num casamento os noivos não deixam de usar o bambolê, mesmo tendo cada um deles dificuldade para encaixar a aliança no dedo do outro), que "Na Roda da Fortuna" cumpre a sua função de fazer rir, como nas comédias de Capra e de outros pesos pesados do gênero no cinema americano de outras épcas. No final, a tentativa de suicídio de Barnes reforça a semelhança com "Adorável Vagabundo." No entanto, o fato de isso ocorrer na véspera do Ano Novo e de aparecer um anjo para dissuadir Barnes de praticar o ato (o seu antecessor na presidência da empresa, que se atirara do alto do edifício no último dia do ano), amplia a semelhança com Capra, mas dessa vez com "A Felicidade não se Compra", outro filme daquele diretor, de ambos "Na Roda da Fortuna" se apropriando do final feliz.
Em todo caso, , é bom atentar para um detalhe que encerra "Na Roda da Fortuna," onde ele sai um pouquinho da órbita de Capra. É no comentário cínico (à Billy Wilder?) do velho empregado negro que controla o gigantesco relógio da empresa, rematado por uma (hustoniona?) gargalhada.

domingo, fevereiro 25, 2007

INJUSTIÇADOS DO OSCAR.

Logo mais acontece a cerimônia de entrega do "Oscar". Aproveitando o ensejo, republico um
texto saído neste espaço há exatos dois anos. Vamos lá.
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Acessando o site da "Folha de São Paulo", um mês atrás, deparei-me com um texto informando sobre uma votação feita na Inglaterra, entre internautas, para a escolha dos maiores injustiçados pelo prêmio Oscar, incluindo diretores e atores. Hitchcock ficou no topo da lista dos diretores, enquanto Kubrick figurou em terceiro lugar. Hitchcock e Kubrick. Dois dos maiores expoentes da direção foram ignorados, esnobados pela Academia de Hollywood. E no caso de Hitchcock, o fato é mais surpreendente, porque os seus filmes, mesmo possuindo qualidade artística. atraíam a massa de espectadores que vão a cinema para se entreter, rendendo grandes bilheterias, que é o único foco de interesse dos produtores de Hollywood. Mas outros grandes cineastas jamais receberam aquela feia estatueta por um filme seu. Houve casos como os de Welles, Hawks e Chaplin, que receberam um Oscar honorário pela sua obra, numa atitude dos acadêmicos de repararem uma injustiça sem tamanho. (Esse negócio de prêmio honorário é como menção honrosa em concurso literário.) Aliás, sobre o prêmio concedido a Chaplin, o crítico e jornalista Sérgio Augusto afirmou, com uma precisão cirúrgica, que foi "um Oscar cravejado de vergonha e hipocrisia." E antes que me esqueça. O segundo colocado na lista foi Martin Scorcese, que, ainda vivo e atuante, poderá, enfim, empalmar a estatueta. Talvez até na festa de amanhã. já que é um dos indicados ao prêmio de Melhor Diretor.
Samuel L. Jackson encabeçou a lista dos atores injustiçados. E aí houve uma tremenda injustiça cometida pelos internautas. Como não esquecer Montgomery Clift (será que foi votado?), indicado muitas vezes e que morreu sem levar o prêmio? E James Mason, esse extraordinário ator inglês, que foi algumas vezes indicado, mas também ficou de mãos abanando? Richard Widmar, ótimo ator, que, parece, foi indicado apenas uma vez?
Paul Newman levou 30 anos para sair vencedor. Se tivesse morrido há uns 20, teria tido a mesma sorte de Clift e de Mason e de outros de quem não me lembro agora. Foi só há poucos anos que Al Pacino ganhou o Oscar, depois de concorrer várias vezes.
E mesmo quando a Academia fez justiça a um ator, aconteceu de não ser por sua melhor interpretação. Vou citar só o exemplo de Humphrey Bogart. Ele ganhou por "Uma Aventura na África" (Huston, 1951) por um desempenho inferior ao de outros filmes. ("O Tesouro de Sierra Madre",um exemplo isolado, do mesmo diretor.) E é bom ressaltar que, quando saiu vencedor, Bogart concorreu com nada menos que Marlon Brando ("Uma Rua Chamada Pecado"), Fredric March ("A Morte do Caixeiro Viajante") e o coitado do Montgomery Clift ("Um Lugar ao Sol"), três atores de maior estatura do que Bogart, não desmerecendo o talento dele.
E como diretor, há que citar John Ford. Ganhou 4 Oscar (o recordista, até hoje, entre os diretores) , mas em nenhum deles foi por um dos seus "westerns." Ora, Ford foi o maior artista do gênero, elevando-o, a partir de "No Tempo das Diligências," 1939, à categoria de arte. Ah, Hollywood. Ah, Academia.
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NOTA - Mais uma vez Martin Scorcese estará na briga hoje e é apontado como o favorito para empalmar a estatueta de Melhor Diretor. Talvez, finalmente, ele saia vencedor, mas será por um filme inferior a outros pelos quais concorreu, como, por exemplo, "Touro Indomável" e "Taxi Driver."

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

A POESIA DE CONCEIÇÃO EUGENIO

Reservo hoje este espaço à poesia da amiga portuguesa Conceição Eugenio, que, com a generosidade e a gentileza que lhe são inerentes, me presenteou 3 dos seus livros publicados. Os poemas aqui mostrados foram tirados dos livros "Falar Mulher" (Editora Sol XXI, 1997), e "As Tarefas Transparentes" (mesma editora, 1998) . O primeiro desses livros tem uma parte de prosa. Conceição Eugenio tem outros livros, e é editora de 3 blogues (ou casotas, como ela gosta de dizer ): http://estranhosdias.blogspot.com/ ; http://balaodeensaio.blogspot.com/ e http://fragmomentos.blog.com . Eis os poemas.
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A mulher
podou
o rosto
de fresco
esperando
(quem sabe...)
novas madrugadas.
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Tenho uma tristeza
tão profunda e tão real
como se fosse coisa física.
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Pego-lhe com as mãos
e coloco-a num móvel
à minha frente.
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E observo-a tão espantada
quanto a noite
por tal coisa existir em mim.
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Tão grande e tão funda.
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E retirando-a eu de mim,
com as mãos, ela continuar
(ainda assim) presente.
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Uma criança corria na berna da estrada
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Como tão dentro da própria alegria
que parecia alada.
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Corria solta.
Mensageira das boas novas.
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Alheada da seca e queimada paisagem
corria.
O alcatrão quente não a queimava
pois corria
como quem pisa a matéria
de que são feitos os sonhos...
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corria tão dentro da própria alegria,
num estado de pureza total,
que o seu rosto lembrava uma estrela
refulgindo de êxtase e puro contentamento.
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Entre o nojo e a tristeza
os campos
verdes de pedra parecem
dizer a deus
os mortos a funda(e)m-se
e emergem erectas
pedras que crescem
para os céus
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os vivos dobram-se
sobre a terra na espinha
curva e caem esquecidos.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

MINHA MÃE


Fumando cachimbo
Pintando o cabelo
Pedalando na Singer


A missa diária
O terço noturno
(os joelhos tinham as marcas das rezas)
A cadeira de noite na calçada.


O mesmo mel comendo
Os mesmos benditos entoando
O mesmo livro lendo.


Batendo boca com meu pai.

sábado, fevereiro 10, 2007

TRIO


1) Era um programa sobre literatura na TV Futura, do qual participavam o poeta Afonso Romano de Santana e dois escritores da nova geração, não lhes guardei o nome. A apresentadora fazia a mesma pergunta aos três. Uma das últimas perguntas, se não a última, foi sobre a importância, o valor, a perenidade dos grandes mestres da literatura. Com quase a mesma opinião, os entrevistados reconheceram o legado que aqueles deixaram para os autores que lhe sucederam, que atravessou os séculos e chegou aos dias de hoje. Mas Afonso Romano de Santana acrescentou uma informação, para reforçar que a grande obra propicia a descoberta de elementos a cada releitura, entre eles o estilo do autor. Uma informação que contém um leve ingrediente humorístico. Ele falou que Jorge Luís Borges "lia" com muita frequência trechos de "Dom Quixote". E ao ser fechado o livro, exclamava para o outro leitor: "CERVANTES ESTÁ ESCREVENDO CADA VEZ MELHOR."
2) De novo Afonso Romano de Santana. Ele está naquele rol de escritores que são constantemente entrevistados. (Não é uma crítica. Afonso tem o que dizer e sabe dizê-lo.) Numa entevista a outro canal de televisão ele relatou um engraçado caso envolvendo a escritora Clarice Lispector. Era um debate sobre literatura numa instituição cultural do Rio de Janeiro. Afonso fazia parte da mesa, enquanto Clarice estava na platéia. O debate seguia um curso normal. A uma certa altura, Clarice se levanta e deixa o auditório. A começar por Afonso, todos os presentes estranharam a retirada de Clarice. Mas Afonso ficou preocupado. Será que Clarice saíra por não estar gostando do debate? Ficara aborrecida a um certo momento? O debate prosseguiu mas o poeta e cronista não conseguia afastar a pulga na orelha.
No dia seguinte ligou pra Clarice, pra saber o que tinha acontecido. E com grande surpresa ouviu dela porque deixara repentinamente o local. Não tinha nada a ver com o debate. Até estava gostando. O que houvera é que sentira uma vontade incontrolável de comer o frango que a esperava em casa.. Tão irresistível que a impeliu a sair, mesmo sabendo que estava cometendo um ato reprovável. Ah, Clarice...
3) Grande cineasta, Billy Wilder era também um grande gozador. São famosas as suas piadas no meio cinematográfico. Uma delas foi sobre o filme "Acorrentados", de Stanley Kramer, 1958. Vi há quase cinquenta anos esse filme que conta a história de dois presidiários que fogem da prisão, acorrentados um ao outro. Um personagem é branco (Tony Curtis) e o outro negro (Sidney Poitier). A piada que Wilder fez circular por Hollywood aludia à escolha do ator que ia interpretar o branco. Segundo Wilder, três atores foram convidados, antes de Curtis, sem sucesso, pelos seguintes motivos. Marlon Brando só admitiu fazer o filme se interpretasse o negro. Robert Mitchum nem quis conversa: "O quê? Eu trabalhar com um negro?" Mas complicado mesmo foi quando Kirk Douglas foi sondado. Ele topava, sim, fazer o papel, mas com uma condição: o de fazer também o do negro. Kirk queria interpretar ambos os personagens.
É claro que esse fato jamais aconteceu. Foi uma piada e uma piada inventada por aquele irreverente, anárquico, irônico e gozador Wilder.