O comentário abaixo foi publicado no Diário de Natal na década de 1990, quando naquele jornal eu mantinha uma coluna semanal sobre cinema. Tendo visto o filme em DVD na semana passada (com o título em português "A Roda da Fortuna") , aproveito a oportunidade para lançar o texto neste blogue. Ei-lo.
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Semana retrasada, ao falar nesta coluna sobre o cineasta espanhol Pedro Almodóvar, mencionei, de passagem, a falta de graça e de criatividadedas comédias americanas atuais, com exceção de uma ou outra. Foi bom ter feito a ressalva, pois, do contrário, teria hoje que fazê-la, depois de assistir, em vídeo, a uma comédia engraçada e inteligente, que faz lembrar o período em que o gênero era bem explorado pelo cinema americano.
Trata-se de "Na Roda da Fortuna," dos irmãos Joel e Ethan Coen (direção do primeiro, roteiro dos dois e mais Sam Raimi), que, aliás, já haviam tido uma experiência bem-sucedida com "Arizona Nunca Mais." Diferentemente deste, a ação de "Na Roda da Fortuna" passa-se na década de 50, na época da invenção do bambolê, que tem uma participação importante na trama. Época também em que os Estados Unidos eram governados pelo general Eisenwouer, que, por sinal, aparece numa cena falando com o personagem Norville Barnes ao telefone, por obra de um efeito de montagem.
Parece que os irmãos Coen tiveram o propósito de resgatar o espírito daquelas comédias dos anos 30 e 40, ainda que a história se situe em fins da década de 50. É a impressão que se tem, ao identificar o caráter e o comportamento inerentes aos personagens de tantas comédias daqueles dois períodos. E ao recorrer aos filmes daqueles decênios, o nome de Frank Capra soa bastante familiar. Noville Barnes (que tem em Tim Robbins um excelente intérprete) é um típico personaagem de Capra, aquele homem ingênuo e puro, que atrai a atenção e o interesse dos mal-intencionados. O mesmo se pode dizer de Amy Archer (Jennifer-Jason Leigh), que não só por ser uma jornalista, mas também por causa da mudança que se opera em sua conduta em relação a Barnes, faz lembrar o personagem de Barbara Stanwick em "Adorável Vagabundo."
Esse Barnes é promovido, da noite para o dia, de mensageiro a presidente de uma empresa, como resultado de uma artimanha preparada pelo maligno diretor Sidney Mussburger (Paul Newman). O objetivo é um só: tornar a empresa desacreditada no mercado financeiro, vendendo à opinião pública a idéia de que o presidente é um perfeito idiota, com isso forçando a baixa das ações, para serem adquiridas por esse diretor e seus cúmplices.
Só que eles não contavam com a impressionante reação do consumidor ao lançamento de um brinquedo projetado por Barnes, antes mesmo de ele ingressar na empresa. Criado para as crianças, ele começa a receber a adesão de adultos, e, em pouco tempo, se transforma numa mania nacional. Não apenas as vendas aumentam, como o inventor se torna famoso e querido em todo o país.
É principalmente quando satiriza os efeitos da bambolemania nas pessoas (até num casamento os noivos não deixam de usar o bambolê, mesmo tendo cada um deles dificuldade para encaixar a aliança no dedo do outro), que "Na Roda da Fortuna" cumpre a sua função de fazer rir, como nas comédias de Capra e de outros pesos pesados do gênero no cinema americano de outras épcas. No final, a tentativa de suicídio de Barnes reforça a semelhança com "Adorável Vagabundo." No entanto, o fato de isso ocorrer na véspera do Ano Novo e de aparecer um anjo para dissuadir Barnes de praticar o ato (o seu antecessor na presidência da empresa, que se atirara do alto do edifício no último dia do ano), amplia a semelhança com Capra, mas dessa vez com "A Felicidade não se Compra", outro filme daquele diretor, de ambos "Na Roda da Fortuna" se apropriando do final feliz.
Em todo caso, , é bom atentar para um detalhe que encerra "Na Roda da Fortuna," onde ele sai um pouquinho da órbita de Capra. É no comentário cínico (à Billy Wilder?) do velho empregado negro que controla o gigantesco relógio da empresa, rematado por uma (hustoniona?) gargalhada.
quarta-feira, fevereiro 28, 2007
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