sexta-feira, junho 29, 2007

TRIO


1) Semana passada vendo o blogue do crítico de cinema Luiz Zanin, no Estadão, me deparei com uma matéria que revela o avassalador domínio do cinema americano no Brasil. Os dados são impressionantes. Segundo o crítico, o nosso país possui 2.050 salas de cinema. Pois bem. Naquela semana, dessas 2.050 salas, 582 exibiam "Piratas do Caribe 3", 320 salas exibiam "Homem Aranha 3" e 705 (setecentas e cinco!) "Shrek 3". Portanto, apenas 438 salas restavam para exibir outros filmes, dos quais a grande maioria se supõe era de origem da terra de Mister Bush. O título do texto do Sr. Zanin era "Será que ninguém reage"? Pois é. Será que ninguém reage contra essa enxurrada de filmes americanos em nosso país? E o pior é que, uns oitenta a noventa por cento dessas produções de Hollywood são de má a péssima qualidade.
2) Sou um apaixonado pela literatura policial. E entre os meus autores preferidos está o belga Georges Simenon. Simenon que, ao contrário dos seus pares (exceção, talvez, de Agatha Christie) escreveu obras fora do gênero policial. É um autor elogiado por, entre outros, André Gide e Henry Miller.
Há poucos dis terminei de ler um livro interessantíssimo de Simenon: "Memórias de Maigret". Maigret, como sabem os leitores do autor, é o personagem dos seus livros policiais. Uma grande criação, assim como o Poirot, de Agatha Christie, e o Sherlock Holmes, de Conan Doyle. É um livro interessantíssimo, curiosíssimo e, presumo, original na sua estrutura. Publicado em 1951, o livro mostra Maigret como se fosse, não o personagem de Simenon, mas uma figura real. O autor belga se põe na pele do seu personagem, que se dispõe a narrar fatos de sua vida pessoal e profissional. Entre as revelações mais interessantes estão o primeiro encontro de Maigret com Simenon na delegacia em que o primeiro trabalhava, o relato de como Maigret conheceu a moça que viria a se tornar sua esposa e os atores que intepretaram Maigret no cinema. Ele fala de Pierre Renoir, irmão de Jean, Harry Baur, Albert Préjean e o grande Charles Laughton. Pierre Renoir fez o papel de Maigret no filme do seu irmão , "La Nuit Du Carrefour". Há outras revelações atraentes. O livro é editado pela L & PM, em formato de bolso, de 2006.
3) Também no blogue de Luiz Zanin vi o resultado de uma consulta feita pelo American Film Institute a críticos e cinéfilos sobre quais seriam os 100 (cem) maiores filmes americanos de todos os tempos. Deu "Cidadão Kane" na cabeça, como já havia dado há 10 anos anos quando aquela entidade promoveu idêntica consulta. Impossível citar, aqui, todos eles. Vou listar apenas os 12 primeiros, mas, antes, quero fazer uma ressalva. Discordo da inclusão, entre os dez, de "Casablanca", ainda que goste muito desse filme, mas não ao ponto de colocá-lo nem entre os 50 ou 60 maiores filmes americanos já realizados, "E O Vento Levou" , "A Lista de Schindler" e "O Mágico de Oz". Eis os 12.
- Cidadão Kane
- O Poderoso Chefão 1
- Casablanca
- Touro Indomável
- Cantando na Chuva
- E O Vento Levou
- Lawrence da Arábia
- A Lista de Schindler
- Um Corpo Que Cai
- O Mágico de Oz
- Luzes da Cidade
- Rastros de Ódio.
EM TEMPO - Tinha me esquecido de "Lawrence da Arábia". Também não o incluiria, talvez nem entre os 100, em que pese a sua beleza visual/plástica, Enfim, lista é aquilo que todo mundo sabe. Questão de gosto y otras cositas más.

sábado, junho 23, 2007

E SE...

Este conto foi aqui publicado há mais de 2 anos. Sem alterações, sai de novo para avaliação daqueles que não o leram naquela ocasião e para reavaliação dos que já o conhecem.
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Há uns dez minutos ele está observando a mulher em seu sono intranquilo, a remexer-se, ora virando-se para o lado, ora voltando à posição de costas para a cama. A nudez da mulher é resguardada apenas pela calcinha branca, mas esta, transparente e bem ajustada ao corpo, deixa-lhe quase exposta a bunda, quando ela está de costas para ele. Enquanto a observa, ele procura precaver-se de qualquer sinal que o indique estar desperto, estático naquela posição, para que a mulher não acorde do sono inquieto e venha tirar-lhe a concentração nas palavras que ela disse há pouco, quando seus corpos estavam entrelaçados.
Pouco depois sentiu vontade de urinar. Levantou-se e, com cuidado para não fazer ruído, foi para o banheiro à sua esquerda, a três passos da cama. Ficou sentado no vaso, para continuar olhando para a mulher, cujo corpo conseguia distinguir graças a um pouco de iluminação vinda da rua através da porta aberta do pequeno terraço, à direita da cama. Quando terminou de urinar, decidiu deixar o quarto. Palmilhou-o silenciosamente, tendo a mesma cautela ao abrir a porta. Ao passar pela porta do quarto das crianças, ouviu o ressonar de uma delas. Na sala de visitas, dirigiu-se à janela e abriu-a. Uma aragem invadiu a sala, tocando-lhe o rosto, e ele sentiu um inesperado prazer, como se recebesse a carícia de uma mulher. Lá em baixo a rua estava silenciosa e deserta, tão diferente das horas do dia.
A pergunta da mulher voltou a assediá-lo. "E se eu gostasse de trepar com ele, o que é que você fazia?" Não entendia a razão de conferir um valor real àquelas palavras (ao ponto de lhe roubarem o sono), se fora ele que as criara para a mulher dizê-las. Como outras sem conta ao longo daquele casamento. (Desde os primeiros dias de casados, acostumara a mulher a falar certas coisas durante o ato sexual. Isso o deixava excitado.)
Mas, na verdade, fora o comportamento da mulher naquela noite que o perturbara. Ela fizera a pergunta, como ele ordenara, ele não disse nada, e foi aí que aconteceu o inesperado: ela repetiu a pergunta, com uma pequena variação: "Hem, e se eu gostasse da pinta dele, o que é que você fazia?" A pergunta era a mesma. Mas estranhou que ela a repetisse, parecendo-lhe demonstrar um interesse incomum, e ficou com a sensação de que o seu silêncio (também um fato inédito nos jogos entre eles) tenha-a levado à desconfiança de que ele não estava simulando naquele momento, e sendo assim, ela quisesse saber como ele reagiria a uma situação real e não apenas imaginada para tornar mais excitante o ato sexual. Pensou em perguntar, na hora e depois de terminarem, a razão daquela segunda pergunta, mas acabou desistindo.
E agora estava ali na madrugada insone, olhando a rua, pela qual passava um carro em marcha lenta, como se o motorista não quisesse ferir o silêncio. Quis consultar o relógio, esquecendo que o deixara no quarto. Sabia que não era muito tarde, mas que o sono já não viria sem a ação de um medicamento.
Ao ir pegar o remédio no armário do banheiro, encontrou a mulher saindo de lá. Tinha vestido uma blusa, talvez para se proteger do vento nas costas. "Perdeu o sono, bem?" Ele disse que sim e que ia tomar um sonífero e ver um pouco de televisão. Quando ainda estava no banheiro, ouviu-a soltar um longo bocejo.
Dia seguinte, como de praxe, ele saiu com a mulher e os dois filhos. Deixou primeiro os filhos na escola, depois a mulher no trabalho. Se beijaram, disseram tchau, a mulher saiu do carro, ele ficou observando-a retirar-se. Ao passar por um homem, este se virou e pôs-se a olhar para ela. Lá do carro ele não despregou os olhos do estranho, que só retomou a caminhada quando ela entrou num prédio. Ligou o carro e foi embora.

sexta-feira, junho 15, 2007

O PRIMEIRO FILME DE CADA UM


Na década de 1990 eu mantive por alguns meses uma coluna de cinema no "Diário de Natal". Era uma coluna semanal, que saía às sextas-feiras. Entre textos sobre filmes e diretores, realizei umas (poucas) entrevistas com amantes do cinema. Eram apenas sete perguntas feitas a cada pessoa, devido à limitaçao do espaço a mim reservado. Entre elas havia a curiosidade de saber se o entrevistado se lembrava do primeiro filme a que assistira - o seu primeiro contato com o cinema. Todos se lembravam, evidente que de uma maneira vaga, um fato normal na memória das pessoas, impossível de ser clara depois de tantos anos decorridos.
Fiquei surpreso, porque não me lembro do meu primeiro contato com esta arte que tanto amo. A minha memória, que é relativamente boa para fatos sucedidos na infância, não funciona nesse quesito - nem um tiquinho de idéia de qual tenha sido o primeiro filme que vi. A certeza que tenho é que foi no Cine Canindé. Isso está fora de questão. E deve ter sido um seriado, ou um faroeste daqueles que, nos Estados Unidos, são classificados de "Z" (estrelados por Charles Starrett, o Durango Kid, Roy Rogers, Johnny Mac Brown, entre outros) . Mas qual? Me socorre. memória. Confesso que senti uma certa inveja daqueles entrevistados. Como gostaria de me lembrar, uma cena que fosse, do meu primeiro filme.
Em seu livro "Escritos Sobre o Cinema", o diretor Jean Renoir relata o seu primeiro encontro com a arte da qual ele se tornou um dos nomes mais importantes. A arte que ele dignificou com filmes da estatura de "A Grande Ilusão" e "A Regra do Jogo". Ele era interno de uma escola e, num domingo remoto de sua infância, ali mesmo assistiu a um filme trazido por um desses exibidores ambulantes. Renoir nunca esqueceu a experiência que lhe foi maravilhosa. E, comovido, afirma que daria tudo pra rever aquele filme.
Eu me lembro, sim, do filme que vi no mesmo dia em que cheguei a Sobral, no interior do Ceará, para assumir o emprego no Banco do Brasil. Me lembro até do nome do cinema: Cine Alvorada, que ficava de frente para uma pracinha e tinha, ao lado, um bar chamado Crepúsculo. O filme? Ah, sim. Era "Os Caminhos Secretos", uma aventura de espionagem estrelada por Richard Widmark, ator ainda vivo com seus 92 anos. Como também me lembro do primeiro filme visto em Natal, quando aqui cheguei em 30 de julho de 1965. Não foi uma boa estréia, essa minha em Natal. O filme se intitulava "Pão de Açucar", com o canastrão Rossano Brazzi e Rhonda Fleming, uma bonita ruiva que teve um certo sucesso na década de 1950. O filme foi rodado no Rio e era falado em português. Brazzi e Fleming tiveram as suas vozes dubladas. E me lembro bem que, tal como o filme, a dublagem não era boa. Principalmente com a voz de Brazzi. Em certos momentos não havia uma sincronia entre a voz do ator com a do dublador. Sou obrigado a confessar que, mesmo sem nunca ter gostado de Brazzi, tive uma certa pena dele. Mas pouco depois de comer (sem gostar) esse pão, veio a compensação, quando vi "A Grande Ilusão". Foi num sábado, no Rex, numa sessão do Cinema de Arte promovida pelo Cineclube Tirol. E, mais ou menos, na mesma época, vi "O Professor Aloprado", de Jerry Lewis, que me impressionou muito, e "A Noite", de Antonioni.
E você, amigo (a) visitante deste blogue, se lembra do seu primeiro filme?

sábado, junho 09, 2007

CINEASTAS VERSUS CRÍTICOS


A relação entre cineastas e críticos foi sempre conflituosa. Não é impossível que um crítico e um cineasta se tornem amigos pela vida inteira, mas isso só pode se dar se o primeiro for um incondicional admirador do segundo e jamais deixe de regatear louvores aos seus filmes, até mesmo os menos bem realizados. E são casos isolados. A regra é que os dois convivam como cachorro e gato. E não só no cinema essa relação entre o criador de uma obra e o que a analisa é marcada por conflitos que chegam até à agressão física; nas demais artes o problema existe, principalmente na literatura.
Um programa a que assisti no EuroChannel nesta semana mostra perfeitamente a dificílima convivência entre diretores e críticos. O programa é bem realizado. Dividido em partes, cada uma apresentando um título, alterna depoimentos de integrantes das duas categorias. Entre os diretores, Almodóvar, Wim Wenders, Woody Allen, Ken Loach, Manoel de Oliveira, entre os mais conhecidos e prestigiados. Há opiniões e revelações muito interessantes de ambas as partes e vou reproduzir algumas.
Entre as alfinetadas de Almodóvar nos críticos, guardei especialmente esta: que quando se pergunta a uma criança o que ela deseja ser quando se tornar adulta, ela jamais responderá que deseja ser um crítico de cinema. O alemão Winders faz uma confissão de espantar. Ao dizer que o que mais lhe desagrada nas críticas desfavoráveis aos seus filmes é o fato de elas poderam atingir também os seus atores, revela que um ator de um filme dele quase chegou a cometer suicídio, tão deprimido ficou com os comentários do crítico. Já um cineasta da nova geração que não consegui identificar (o programa comete uma falha imperdoável: a a de não creditar o nome do depoente), menciona um comentário extremamente maldoso de um crítico sobre um filme de um colega. Escreveu o crítico que no tal filme a sequência inicial mostra um homem dormindo em uma cama: na sequência final aparece um casal dormindo também em uma cama. E arremata dizendo que, entre essas duas sequências, as cenas induzem ao sono...
Eu falei atrás em casos até de agressão física. Pois bem, dois críticos contam que foram vítimas de um diretor enfurecido. No caso de um crítico irlandês, a agressão não foi tão violenta. Num programa de televisão, provavelmente na Inglaterra, em pleno ar, a uma certa altura de uma discussão entre ele e o diretor Ken Russell, este o bateu em cada lado do rosto com um exemplar do jornal que continha o texto do crítico sobre um filme do realizador de "Mulheres Apaixonadas". Mas o crítico brasileiro Rubens Ewald Filho levou um tapa, em duas ocasiões, de um mesmo diretor, cujo nome não revelou. Seu compatriota, evidentemente.
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JEAN-CLAUDE BRIALY
Semana passada morreu o ator Jean-Claude Brialy. Nascido na Argélia, como Camus, em 1933, Brialy foi uma das presenças marcantes na Nouvelle Vague. Trabalhou com os principais diretores daquele Movimento, como Godard, Truffaut e Chabrol. De Chabrol atuou nos seus dois primeiros filmes, "Nas Garras do Vício" (1958) e "Os Primos" (1959), em ambos contracenando com Gérard Blain, já falecido.
Foi também diretor, tendo realizado 12 filmes, alguns para a tevê. Não conheço nenhum desses filmes, dos quais, salvo engano, apenas "Os Indiscretos Pingos da Chuva" (1974) foi exibido no Brasil, pelo menos no circuito comercial. Em seu "Dicionário de Cinema - Os Diretores", Jean Tulard elogia o realizador Brialy, chamando a atenção para a ênfase de um acentuado clima de nostalgia em sua obra. Em contrapartida, o já citado Rubens Ewald Filho, no seu "Dicionário de Cineastas", afirma que, a julgar pelo seu único filme visto no Brasil, Brialy não demonstrava um mínimo de talento para a direção. Sou tentado a pensar que se o crítico tivesse dito isso na França, talvez fosse estapeado pela terceira vez.

sábado, junho 02, 2007

UMA MÚSICA PARA DOIS

Este conto foi publicado aqui em 9.7.05. Sai de novo, especialmente para aqueles que não o leram naquela ocasião. Mas os que leram, não façam cerimônia (risos), podem fazer a sua reavaliação. Vamos lá.
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Ela imediatamente se virou para o piano, quando soaram os primeiros acordes da música. Por um minuoto, mais ou menos, permaneceu com o olhar enfocado no piano, depois voltou à posição inicial. Voltou também ao prato, que abandonara por aquele breve tempo. Ela também interrompera a conversa com o homem que a acompanhava. Parecia estar concentrada toda na música. E o homem, que devia ser o marido, pareceu respeitar o silêncio dela, pois não ousou lhe dizer uma só palavra até que a música parasse. E eu que não prestara atenção naquela mulher, que já começaa a comer quando eu me sentara à mesa, fui, de repente, tomado por uma junção de curiosidade e interesse por ela, a partir do momento em que a sua atenção foi despertada pelos primeiros acordes da música. E o meu olhar se deteve naquele rosto, na tentativa de nele descobrir, por trás dos óculos e em meio a algumas rugas, a jovem que conheci há anos sem conta.
E por que foi a música que, ao envolver a mulher daquela maneira, me fez sentir um interesse súbito por ela? Antes preciso fazer uma revelação. Frequentava diariamente aquele centenário restaurante, com exceção dos sábados e domingos, desde que retornara à minha cidade após uma prolongada ausência por força da minha profissão. Há uma explicação. Eu gostava daquela música e todos os dias ela era tocada, pouco tempo depois que me sentava à mesa, reservada para mim. Por um mês, talvez nem isso, solicitei-a ao pianista, mas, decorrido esse tempo, certamente percebendo que me tornara um cliente diário do restaurante, o pianista passou a executá-la com a dispensa do meu pedido.
E naquele dia, ao ouvi-la, e vendo aquela senhora partilhar da minha preferência pela música, me lembrei, de imediato, da jovem com quem tive um namoro mais ou menos duradouro. Ela, a garota, ela, a música, nunca saíram da minha mente em todos esses anos. Os dois ouvimos aquela música no mesmo dia em que iniciamos o namoro. Tínhamos ido ao Rex. na matinal de domingo, assistir "Suplício de Uma Saudade". Hoje não tenho mais saco pra encarar aquele melodrama, desde que o revi há uns dez anos, mas naquela tarde, ao lado de Loretta, emocionei-me com o romance entre William Holden e Jennifer Jones, tanto quanto a minha primeira namorada, embora, diferentemente dela, consegui resistir às lágrimas quando o filme terminou. Mas, talvez como uma lembrança do nosso amor, iniciado com o filme, se não tenho mais disposição para vê-lo, continuo a gostar da música.
Parece que agora estou ouvindo Loretta cantar, a boca chiusa, trechos de Love is a many splendored thing, quando ficávamos juntos num banco de uma pracinha, a mesma onde sempre nos encontrávamos, às vezes, assobiando-a. E depois cantando em português, quando foi lançada a versão em nosso idioma.
Mesmo depois de encerrada a execução de Love is a many splendored thing, ela permaneceu calada, só falando para responder a alguma pergunta do marido. Umas três ou quatro perguntas, que presumi que tinham a ver com a atitude da esposa. Eu começara a refeição e só desviava a atenção da mulher quando baixava os olhos para o prato. Em uma dada ocasião, uma só vez, ela, ao se virar, como que se deu conta da minha presença, mas o olhar que me endereçou teve a duração de um flash. Pouco depois o marido se levantou para ir ao banheiro. Passou bem perto de mim e pude verificar que era bem mais velho do que supunha ao vê-lo da minha mesa. Observei-o informar-se do garçom sobre o banheiro e me lembrei da primeira vez que precisei usá-lo. Em vez do usual "Homens" ou "Cavalheiros", o banheiro masculino daquele restauante exibe um retrato, numa pequena moldura oval, de um senhor de uma época antiga, vestido com um paletó e exibindo um grosso bigode. Já no das mulheres há um retrato de uma senhora também de outros tempos e com o mesmo tipo de moldura.
Continuei com os olhos atentos na mulher, à espera de que a qualquer momento ela virasse o rosto para mim e, dessa vez, me fitasse. E num breve momento acreditei nessa possibilidade. Foi quando um pequeno pássaro surgiu, de forma inesperada, sem ninguém atinar em como tinha entrado ali. A avezinha ficou passeando por aquele pequeno espaço do salão, chamando a atenção de todos que estavam ali por perto. Até que um garçom se dispôs a apanhá-la, só o conseguindo depois de algum tempo. Os movimentos do homem, a corridinha em perseguição ao pássaro, que fugia ao pressentir a proximidade do homem, provocaram risos nas pessoas. Inclusive nela. E o seu riso, a forma, me fizeram, de estalo, lembrar o de alguma pessoa. Não me era estranho aquele riso. Podia não ser o da jovem que namorei, mas de outra mulher que passara pela minha vida. Talvez até o de um amigo de um passado remoto. Impossível identificar. De todo modo, conhecera aquele riso. Foi quando acreditei que ela se virasse para mim, concedendo-me, além do olhar, um sorriso. Como alguns presentes o fizeram. Nada. A mulher não alterou a posição de todo o tempo enquanto permaneceu à mesa, com exceção da vez em que a música começou a tocar. Mas a esperança (não dizem?) é a última que morre, e me vali dela para que, ao se levantar, para ir embora, a mulher de novo me presenteasse com um olhar, ainda que rápido como uma piscadela. Nem isso. Ergueu-se e deixou a mesa pelo lado oposto ao que me encontrava. Ao se afastar, atrás do marido, pude notar que era um pouco corcunda.