sábado, abril 28, 2007

A RAINHA (The Queen/2006)


Pode-se dizer, sem cometer um exagero, ou falar uma impropriedade, que o personagem central do filme de Stephen Frears ("Ligações Perigosas", "Minha Adorável Lavanderia") é a Princesa Diana. Sua trágica morte causa, pela primeira vez no reinado de Elizabeth II (Helen Mirren) , um abalo nas relações entre a Família Real e os seus súditos ingleses, por causa da atitude assumida por aquela diante da vítuma do infausto acontecimento. À exceção do Príncipe Charles, (Alex Jenkins) já separado dela há alguns anos, os demais membros da Realeza dão as costas para o ocorrido, chegando a deixarem o Palácio de Buckingham, refugiando-se numa região afastada de Londres. Esse fato, principalmente, provoca uma onda de protestos da população. Aliás, o destaque de Diana no filme é mostrado um pouco antes de ela morrer, na visita que o recém-eleito Tony Blair (Michael Sheen) faz à à Rainha. Durante o curto encontro, a Rainha é interrompida pelo seu principal auxiliar para lhe falar sobre o comparecimento de Diana ao enterro de um famoso estilista. E logo quando ocorre o acidente fatal, em um dos bons momentos do filme, quando a perseguição dos "paparazzi" ao carro, onde elá está com o atual namorado, é alternada com imagens da Princesa veiculadas pela televisão, a "presença" dela é decisiva para o desenrolar da história.
"Presença" que serve até para provocar uma tensão nas relações entre Elizabeth II e Blair, que, espertamente, adere à comoção da população (ou parte dela), começando por fazer um pronunciamento em que lamenta a morte de Diana. Ele chega até a convencer a Rainha a voltar ao palácio, para ficar junto da multidão postada ali em frente. E quando ela sai do palácio, para se encontrar com os súditos, há uma cena que a comove. Há o contrangimento de Elizabeth em estar ali, para se unir às pessoas na homenagem a uma mulher de quem ela jamais gostou; e há da parte das pessoas, apesar do respeito à sua soberana, uma certa má vontade contra ela. Então uma garotinha lhe dá um buquê de flores.
Muito interessante é a crítica que o filme faz da persona política de Tony Blair. Aos poucos, ele começa a ficar do lado de Elizabeth. E, no final, quando ele vai visitá-la, dois meses depois da morte de Diana, é mostrado o clímax dessa transformação. A Rainha o submete a falar dos negócios políticos acompanhando-a numa caminhada pelo palácio. E vemos o Primeiro-Ministro seguindo a Rainha, expondo os assuntos, aos quais ela parece não dar a devida importância. É o Blair que, com o correr do tempo, traiu as esperanças dos que confiaram nele para fazer um governo diferente do de Tatcher, e tornou-se um aliado incondicional (e, de certa forma, até submisso) de Bush nas questões internacionais, como a invasão do Iraque.
"A Rainha", com fotografia do brasileiro Affonso Beato (que já trabalhou duas vezes com Almodóvar), se não possui o brilho de um "Ligações Perigosas", para citar um exemplo, é um ótimo filme, que revela que Stephen Frears é um diretor de quem ainda se pode esperar coisa boa.
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A ENFERMIDADE DE ANNIE GIRARDOT
Os da minha geração se lembram bem dessa atriz francesa, mas que trabalhou também no cinema italiano, inclusive com Visconti em "Rocco e Seus Irmãos". Neste filme atuava Renato Salvatori, que se tornou seu marido. Pois bem. A filha deles escreveu um livro sobre a convivência dela com os pais. E já para o final revela que Annie está sofrendo do Mal de Alzheimer. Apesar de doente, ela trabalhou em "A Pianista, convidada pelo diretor Mikael Haneke, cujo gesto deve ser elogiado. Foi com esse livro que os franceses ficaram sabendo que alguns problemas de memória da atriz não eram decorrentes do alcoolismo que a afetou durante um certo período de sua vida, conforme especulava a imprensa. Quem leu o livro diz que é de quase chorar o que confessa a filha: o medo de quando chegar o dia em que não será mais reconhecida pela mãe. Pobre Girardot! Mas assim é a vida.

domingo, abril 22, 2007

OS BEIRAIS SABEM. (UM TEXTO DE HORÁCIO PAIVA)

O meu amigo Jaime conheci-o numa reunião festiva do Centro Paraibano, dirigido, em Natal, na década de 80, pelo bancário e advogado Agamenon Marques. Sabendo de meu gosto pela literatura, teve o gesto amável de presentear-me com um volume dos "Cuentos de la Selva", edição mexicana de 1985, do célebre escritor uruguaio Horacio Quiroga. Selou, assim, a amizade que se iniciava.
Convidei-o a ir, no domingo, à minha casa na calma enseada da Praia de Búzios, proxima a Natal. Da varanda, víamos o mar. Mas neblinava, e a fina e tenra chuva que caía nos convidava ao recolhimento, à conversa serena e, por que não?, à degustação de uma acolhedora cachaça nordestina. Naquele momento, revelava, assim, o dia, a sua harmonia e a sua paz, assemelhando-se aquele instante paradisíaco, descrito por Nikos Kazanzakis, em "O Cristo Recrucificado", quando o personagem identifica o paraíso no dia calmo, a chuva fina, a conversa mole na varanda e o degustar do narguilé.
Puxando conversa, e introduzindo o visitante na atmosfera de Búzios, lembro de um comentário inicial que fiz sobre o nome do lugar, advindo, segundo Câmara Cascudo (in "História do Rio Grande do Norte"), da grande quantidade de búzios ali encontrada, objeto no século XVI, de um édito real disciplinando a sua exploração, já que o marisco era usado como moeda de troca, na África colonial portuguesa.
De história, a conversa girou, em contraponto tempestuoso à paz daquele dia, para as velhas e violentas práticas da política interiorana, na primeira metade do século XX.
Dos relatos de meu amigo, um deles, pela singularidade, ainda o guardo na memória. Jaime não lembrava os nomes dos figurantes e do lugar onde se deram os acontecimentos. Ou não os quis lembrar, provavelmente porque não havia ainda perdoado o tempo os fatos a seguir transcritos. Dessa forma, e não obstante a veracidade de sua história, utilizou nomes fictícios.
O Major Vicente Honório, através do grupo oligárquico que chefiava, exercia o controle político do município de Pedra Queimada há mais de vinte anos. Liderança que remontava à República Velha, mas que não vacilou em aderir ao novo poder que se consolidara no País, com a chamada Revolução de 30. Prática, aliás, comum aos velhos (e novos) "coronéis", que, useiros e vezeiros das benesses do poder, não suportavam ver questionados e contrariados os seus interesses pessoais e grupais.
Com o advento do Estado Novo, em 1937, obteve a sua nomeação como prefeito, permanecendo no cargo até 1 de janeiro de 1948, quando deu posse a um membro de sua própria família, um primo, eleito em fins de 1947.
Essa campanha eleitoral de 1947, a primeira, na esfera municipal, após a redemocratização, fora marcada pelo tumulto e pela violência, traduzindo-se, a expressão máxima dessa violência, na notícia do assassinato do insigne e corajoso líder oposicionista, o boticário Afrânio Lopes - o mais cotado, pela popularidade, a vencer o pleito.
Tarde da noite, quando as trevas venciam a rua mal iluminada, bateram à porta de sua farmácia, que funcionava no andar térreo da casa onde morava. Ao atender, foi atingido pelo tiro fatal. Morreu instantaneamente, sem conseguir pronunciar palavra, nada, nenhum sinal que levasse ao assassino.
Em tais casos, o silêncio é insuportável, sobretudo em meio a uma campanha política. Os detratores do Major atrubuíam-lhe o crime. Hipótese rechaçada, veementemente, pelos seus aliados. Estes propalavam outras motivações, vinculadas a negócio de dinheiro, a dívidas não quitadas pelo boticário, ou ao seu forte carisma, gerador de ciúmes em alguns.
O Major, também, dizia-se inocente e vítima política do crime. Chegava a emocionar-se nos palanques, e, certa vez, até a chorar ante o que chamava de injusta acusação, que não poderia admitir partisse do povo, que tanto amava e por quem se sacrificara ao longo dos anos, creditando-a, sim, à maldade e ao radicalismo de seus ferrenhos adversários e detratores.
A polícia local - por inoperância, despreparo, ou mesmo cumplicidade com os seus chefes políticos - jamais chegou a desvendar o crime. E o papel de grande vítima foi-se incorporando à personalidade política do Major, e explorado com êxito (embora repudiado pela oposição, que jamais se conformara com a perda do líder), nessa campanha e mesmo nas seguintes.
O mais enfático arauto dessa tese era o seu filho, propalando eternamente a inocência do pai, mesmo quando, com o passar do tempo, já não havia clamor ou questionamentos. Com efeito, o assunto arrefecera, e a insistência do filho tornara-se um banal lugar comum em seus discursos. Até uma impertinência, dizia-se, pois sempre voltava com aquela fala demagógica do pai injustiçado.
Aquilo já incomodava. A memória do fato funesto, insepulta, repetitiva, viva naqueles discuros febris de defesa sem limites, incomodava a todos, inclusive ao próprio pai, que chegava a pensar nos familiares da vítima e na segurança do filho.
Portanto, chamou-o , um dia, à sua fazenda Olho d'Água, nas cercanias da cidade, local apropriado a uma conversa a dois, franca e sincera. Chovia copiosamente, e a chuva escorria, em cântaros, pelos beirais do alpendre. Foi direto ao assunto: o filho devia parar, imediatamente, com aquela peroração extrema e desnecessária, cujas consequências poderiam ser imprevisíveis.
E acrescentava, apontando os beirais, tomados pela volúpia das águas: "Não seja ingênuo. até os beirais sabem mais do que você." Sem entender, o filho, atônito, ouviu, afinal, a drástica revelação: "Eu mandei matar Afrânio Lopes. E está acabado!"
Os tempos haviam mudado. Ainda não ocorrera a prescrição da pena atribuída ao crime. E havia o receio do caso vir a ser reaberto.

quarta-feira, abril 18, 2007

VALQUÍRIA E O MENINO


Este conto foi aqui publicado há mais de um ano. Sai outra vez, não só por falta de um assunto novo, mas para o caso de alguém não o ter lido naquela oportunidade e, para que os leram, poderem fazer uma reavaliação dele.
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Foi assim de uma hora para outra. Quando a via, olhava para ela de um modo diferente, e sentindo despertar-lhe uma coisa nova que a sua pouca idade não poderia discernir. Às vezes, ficava sem vontade de brincar com os amigos na pracinha, só querendo olhar para a moça que se sobressaía diante das amigas pelo jeito festivo, o timbre da voz, a conversa incessante. Aquela moça branca, branca como... Como o quê? Não sabia como comparar a cor da sua pele. Curioso: se não estava perto de Valquíria, não pensava nela. Era quando a encontrava (às vezes, durante o dia), que aquilo lhe ocorria. E se punha determinado a não perdê-la de vista quando ela volteava pela pracinha com as amigas.
Uma noite Valquíria não estava acompanhada das amigas. Ficou com uma sensação de perda, como se um amigo lhe tivesse levado o gibi que amava, a bola que o pai lhe presenteara no último aniversário, com a qual dormia abraçado. Qualquer coisa assim. Mas não arredou pé da pracinha. Foi apostar corrida com os amigos. Num dado momento descobriu-a num banco com um rapaz. Parou de correr, num instante. Os amigos o chamavam, o xingavam, e ele ali estático, como se alguém muito forte o prendesse pelos braços. Estava a uma pequena distância de Valquíria e pôde observar que as alvas mãos dela estavam entrelaçadas com as do namorado. Não sabe o que lhe deu, para, de repente, sair da posição estática e se dirigir para o banco. Foi numa reta em direção aos dois. Para que, meu Deus? Ele próprio não saberia explicar o ato impulsivo. Ao chegar bem próximo do casal, olhou para Valquíria, ela olhou para ele, e (jamais
poderia imaginar a reação dela) lhe sorriu. Os dentes imaculadamente brancos, tal a pele. Ele se voltou e saiu em disparada.
Deixou de frequentar a pracinha. Os amigos não atinavam com a causa da recusa e ele inventava desculpas que não os convenciam. Mas manteve a decisão. Chegou a ver Valquíria uma ou outra vez na rua (numa delas estava com o namorado, ele com a mão sobre o ombro dela), mas não quis olhar para o seu rosto. Ainda que fosse para ganhar um sorriso.
E não muito tempo depois, Valquíria foi embora, para nunca mais voltar. Um dia, à hora do almoço, o menino ouviu o pai dizer que o pai de Valquíria ia se transferir para outra cidade. Foi feito um soco na cara do menino. Terminou, às pressas, de comer, foi para o seu quarto, deitou-se na rede. E pensando em Valquíria, cantou, baixinho, uma música que tocava quase todas as noites na amplificadora, em cujos versos um homem revelava o seu amor por uma outra Valquíria.
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TANGOXOTE
Se eu fosse Manoel Bandeira,
dançava um tango argentino.
Um tango argentino
daqueles de sangrar lágrimas.
E com uma parceira de beleza etérea
que os meus desejos atiçasse.
Como não sou Manoel Bandeira,
vou dançar Pisa na Fulô
com Marinês.

domingo, abril 15, 2007

OUTRA CRÔNICA DE PEDRO RODRIGUES SALGUEIRO

Publico hoje a terceira das 3 crônicas que me enviou o contista cearense Pedro Rodrigues Salgueiro, conforme prometi ao divulgar aqui as duas primeiras. Ei-la.
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CARNAVALHA (1) OU A COITADA DA CACHORRA
Nossa loirinha desmiolada pelo sol está povoada de megalômanos. Facilmente se encontra um deles por aí, de peito estufado, o nariz em riste, nos quinhentos lançamentos de livros semanais, ras rodinhas de apostadores da Praça do Ferreira , e até ao pé do alambrado do simpaticíssimo PV. Eles sempre têm uma pérola pronta para qualquer situação. "Você viu? Fortaleza já é a quinta capital do País, acabou de ultrapassar Belo Horizonte!" , mas esquece de informar qual a vantagem de tal afirmativa, ou então se sai com essa: "Isso é que é o torcedor cearense, onde é que no Rio, ou em São Paulo, se enche um estádio assim em pleno meio de semana", no que eu acrescento, tentando ser irônico "Nem no exterior", e me divirto com a cara de satisfação do ufanista. Mas falando em alta estima, ainda estamos longe de paulistas, cariocas, pernambucanos ou gaúchos, enquanto eles já querem ser os melhores do mundo, nós nos contentamos em tentar ser apenas os melhores do Brasil.
Mesmo estando acostumado com o a elevadíssima estima alencarina, fiquei deveras preocupado ao ouvir de um empresário (como todos sabem, o empresário é aquele sujeito que está sempre preocupado com a quantidade de empregos, com o aumento do número de turistas, com a imagem da cidade, etc) a genial afirmativa: "Fortaleza já merece um carnaval de respeito, à altura de sua importância". Tremi na base, me benzi e quase bato com o nó dos dedos em sua tremenda cara de pau. Meu Deus!, lembrei o reveillon recente macaqueando Copacabana, com queima grande de fogos e cantor de fora. Como em nossa terrinha bodegueiro (ou megabodegueiro) acerta mais que meteorologista e pai-de-santo, fiquei preocupadíssimo.
Aproveitemos, então, gente, o nosso pobre e atrasadinho carnaval, nosso "Periquito da madame", nosso "Quem é de bem fica", nosso "Concentra mas não sai", nosso "Vai dar o Carlito", nosso preguiçoso maracatu na Domingos Olímpio, pois eles estão com os dias contados, em breve teremos mil blocos de axé-music na Beira-Mar, infinitas escolas de samba na Virgílio Távora, e não escapará nenhum de nossos bêbados blocos de sujos, nem a coitada da "Cachorra magra" da Marechal Deodoro.
(1) Carnavalha: título roubado de um romance inédito de Nilto Maciel
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"O MAIOR BRASILEIRO DE TODOS OS TEMPOS"
No início deste mês saiu o resultado de uma consulta da Folha de S. Paulo a 200 intelectuais, políticos, artistas, empresários, publicitários, jornalistas, esportistas e militares, sobre quem seria o maior brasileiro de todos os tempos. O escolhido foi Getúlio Vargas. Pois é, Getúlio Vargas. O homem que , entre 1932 e 1945, comandou este país com mão-de-ferro, sobretudo a partir de 1937, com a implantação do Estado Novo, suprimindo as liberdades do cidadão, torturando e matando gente na prisão, tendo à frente da Polícia o germanófilo, cruel e sanguinário Filinto Muller. Mais abaixo vou publicar a lista dos 15 mais votados, entre um número de 70. Se há muitos nomes de vulto, embora em uma colocação bem aquém da sua importância para o Brasil, há a presença de Sílvio Santos, Mãe Menininha de Gantois (uma das 4 mulheres votadas, ao lado da Princesa Isabel, Anita Malfati e Adélia Prado), entre outras do mesmo nível, inclusive um tal de Francisco Marco Salzano, de quem nunca ouvi falar. (Será empresário?) Além de omissões absurdas. Gente como Graciliano Ramos, Villa-Lobos, Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Noel Rosa, Chico, Caetano, Pixinguinha, Anísio Teixeira e tantos outros mais. Nenhum deles recebeu um mísero, solitário voto. Enquanto Vargas recebeu 15. Felizmente Machado de Assis ainda ficou em terceiro lugar. E bota felizmente nisso :não foi votado nenhum ditador do regime militar. Eis a lista dos 15 primeiros.
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- Getúlio Vargas, 16 votos
- Juscelino Kubitscheck, 15 votos
- Machado de Assis, 13 votos
- O povo, 9 votos
- Rui Barbosa, 9 votos
- Tiradentes, 8 votos
- Santos Dumont, 8 votos
- José Bonifácio, 7 votos
- Tom Jobim, 7 votos
- D. Pedro Segundo, 7 votos
- Oscar Niemeyer, 7 votos
- Pelé, 6 votos
- Oswaldo Cruz,6 votos
- Carlos Chagas, 4 votos
- Paulo Freire, 3 votos.
EM TEMPO (1) - Nosso Guia, como Lula é chamado pelo jornalista Elio Gaspari, ficou em décimo sexto, recebendo 3 votinhos.
EM TEMPO (2) - Mês passado foi feita idêntica consulta em Portugal e sabem quem foi "O MAIOR PORTUGUÊS DE TODOS OS TEMPOS?" SALAZAR. Sim, ele mesmo.

quarta-feira, abril 11, 2007

DOIS POEMAS


MEU PAI

Na minha memória
sigo pedalando a bicicleta que me deste.
(E fosse a surra,
o meu corpo continuava dolorido?)
Ainda te vejo cochilando na cadeira depois de almoçar.
E te ouço soprando o dorso da mão
e a contar as mesmas histórias.
Orgulho tenho do homem honesto,
devotado ao trabalho,
dos teus deveres de pai.
Mas lembrar não queria
do teu gênio de faca amolada.
E principalmente
não queria lembrar
dos bate-bocas com minha mãe.
ESTRELAS
Onde ela passava deixava um rastro de estrelas.

domingo, abril 08, 2007

NOITES CANINDEENSES


A noite em Canindé terminava às dez e meia. Era a hora em que a luz apagava. Às dez e quinze ocorria o que os canindeenses chamavam de "sinal": a luz sumia por uns poucos segundos, à guisa de aviso de que, com mais quinze minutos, a cidade mergulharia nas trevas. Quem estivesse na rua, tinha que ir correndo para casa, com exceção de uns poucos boêmios e seresteiros. E as famílias se preparavam para dormir.
Na praça da Basílica, moças e rapazes e meninos se reuniam todas as noites. Os meninos, quando não estavam apostando corrida, sentavam nos bancos para conversar sobre futebol, cinema e gibis. Aqueles já se abeirando da adolescência, dirigiam olhares para as moças. Estas, se não tinham um namorado, ficavam dando voltas, em grupos (às vezes, de duas em duas), recebendo galanteios dos rapazes mais afoitos, parados já perto das ruas que circundavam a larga praça. Era o lugar mais frequentado da cidade, até mais do que o Cine Canindé, que funcionava apenas três vezes por semana, às quartas (ou quintas, não estou bem certo), sábados e domingos. E quando a sessão terminava, muitos rapazes ficavam na praça.
Além da praça e do cinema, ocorria, não raro, um baile na casa de uma família. Moças e rapazes iam lá para dançar. Fui algumas vezes a essas festinhas familiares pajeando a minha irmã mais nova, Sônia, que era uma ótima dançarina. Ela tentou me ensinar a dançar, mas a minha falta de jeito superava o talento dela. Me lembro de uma vez em que me meti a besta num desses bailes e o que ganhei foi a mangofa de alguns presentes, inclusive da Zênia, outra irmã.
Quase me esquecia do serviço de alto-falante da Prefeitura que embalava as noites canindeenses. Ficava a poucos passos da praça. Funcionava por uma hora e meia, ou duas. Por aí. Tinha uma discoteca limitada e que não se renovava. Toda noite a gente ouvia as mesmas músicas. Músicas de todos os gêneros. E havia as mensagens musicais. Um rapaz, "um certo alguém", oferecia uma música a uma moça, cujo nome era por vezes mencionado, por vezes não. Quando o nome da moça não era citado, a sua identificação era feita pelo vestido que estava usando, ou pela inicial do seu nome, ou ainda por algum outro detalhe (cor do cabelo, cor dos olhos, cor da pele, e por aí ia). Cheguei a entrar muitas vezes naquela sala pequena, examinando os discos e vendo o locutor usar o microfone. Um deles, me vendo uma vez manusear os discos, me advertiu que tivesse cuidado para não quebrá-los. Apesar do seu jeito sério (para o qual contribuía o uso de óculos de lentes grossas), do ar carrancudo, não acreditei que aqueles discos eram feitos de cera de carnaúba e facilmente destruíveis. Até sorri. Algum tempo depois tive a confirmação das palavras daquele locutor. Um irmão me mandou pegar um disco na casa de alguém, fui na minha bicicleta, e, ao recebê-lo, acomodei-o na garupa da bicicleta. Ao retornar, o disco se partira ao meio.
O Cine Canindé a a praça da Basílica perdiam parte dos seus frequentadores quando chegava um circo na cidade. Circos mambembes, mas que divertiam os espectadores, principalmente o palhaço. Suas piadas continham sempre um bordão, que algumas pessoas usavam à exaustão, mesmo depois de o circo ir embora. Ou durante os dias de festa do padroeiro de Canindé, São Francisco de Assis (mais comumente chamado São Francisco das Chagas), quando, depois das bandeiras (as procissões noturnas) e da queima de fogos de artifício (um espetáculo deslumbrante), muita gente se deslocava para o largo, que viraria uma praça, em frente ao Mercado Público. Ali se instalavam a roda-gigante, os carrosséis e muitos outros atrativos.
Assim eram as noites canindeenses na minha infância e adolescência.

quarta-feira, abril 04, 2007

UMA CRÔNICA DE HORÁCIO PAIVA (RN)

MEMÓRIA MÍTICA DO JAGUNÇO CHICO DE BARROS

"Era sábado.
O amplo Quadro do Mercado,
onde ocorriam as feiras,
desde cedo estavam sob a ternura
do terral,
vindo das Imburanas,
cheirando a verde dos velames,
ou trescalando a sumo do amarelo
pexerril."

Assim começa o poeta Gilberto Avelino o seu poema "Balada às Feiras Antigas de Macau." Assim começavam as fartas e exuberantes feiras de Macau de angigamente, na primeira metade do século XX, registradas na memória lírica do poeta amado, e a que acorriam os povos vizinhos, do verde vale do Assu, do então distrito de Pendências, dos povoados de Bamburral, Alto do Rodrigues, Quixaba Maxixe, Mangue Seco, Tabatinga, Ponciana, Pedrinhas, Porto do Carão, Estreito, Canto Grande e mesmo de Carapebas e Epitácio Pessoa (hoje, Afonso Bezerra e Pedro Avelino).
De minha infância guardo os reflexos líricos dessas feiras, sobretudo nas lembranças, doces, dos alfenins, do mel dos capuxus, dos pequenos juás, ou na emoção dos acordes das velhas rabecas dos cantadores de cordel, que, como os antigos aedos gregos, percorriam as cidades dos sertões, cantando as sagas de heróis populares, fictícios ou não, de uma memória quase perdida no tempo. Empolgavam-me, dentre tantos, o "Romance do Pavão Misterioso", "A Prisão de Oliveiros", "A Morte dos Doze Pares de França", "A Vida do Cancão de Fogo e o seu Testamento", "A Chegada de Lampião no Inferno", "O Cachorro dos Mortos", "História da Donzela Teodora", "O Verdadeiro Romance do Herói João de Calais", "Roldão no Leão de Ouro", "A Força do Amor ou Alonso e Marina." Deste último título, o início é maravilhoso:
"Nestes versos eu descrevo
a força que o amor tem
que ninguém pode dizer
que não há de querer bem
o amor é como a morte
que não separa ninguém."
Certamente às feiras de Macau não aportavam apenas os feirantes e os cantadores de viola, mas outros inúmeros tipos inesquecíveis: sabidos prestidigitadores (Tiburtino foi um deles, e o mais famoso), bêbedos, vagabandos, valentões, e
"a polícia
ainda rondava
com seus fações rabo de galo."
Guardo a história de um desses valentões, que ouvi ainda criança, contada por meu avô, José Horácio de Goes. Trata-se de Chico de Barros (Francisco Bezerra de Barros), desregrado valentão, natural do Vale do Assu. Frequentava as feiras da região, onde bebia, brigava, fazia arruaças. Fomentador de pequenos e grandes "causos." A polícia de então, pequena e mal formada, tinha-lhe medo. E, aos enfrentamentos, à base dos facões "rabo de galo", não se saía muito bem. É que o jagunço, além de valente e hábil, nem sempre andava sozinho, mas, por vezes, acompanhado de "aprendizes" de cangaceiro.
Em certo dia de 1926, deu-se a virada final na vida de Chico de Barros. Numa das feiras de Macau, engraçara-se uma jovem de Tabatinga (hoje município de Alto do Rodrigues), onde também nascera. Tentou abordá-la, mas foi repudiado. Seguiu-se a ameaça violenta: iria vê-la em sua própria casa, e se lhe resistisse, apanharia de virola. Alguns circunstantes ainda tentaram dissuadi-lo, acalmando-o, dizendo-lhe que a jovem era moça direita, que morava com o avô, homem sério e correto. Qual o quê! A resposta do bandido foi pronta e grosseira: daria de rebenque, antes do final daquele mesmo dia, na neta e no avô. E, em seguida, como em comemoração antecipada do sucesso macabro da empreitada, entre galhofas e risos, foi tomar umas talagadas de cana com um de seus aprendizes que o acompanhavam.
O avô da moça, no entanto, logo fora avisado. E não fez outro coisa, naquele dia, que esperar o bandido em casa. Mas esperá-lo de arma na mão. Com o seu rifle "papo amarelo", como são conhecidos entre nós os Winchesters, ficou longo tempo postado, silencioso, pensativo, mas atento, atrás de uma das janelas de sua casa. À tardinha, antes do pôr-do-sol, ouviu o reboliço dos cavalos: eram o jagunço e seu acompanhante que chegavam. A vê-lo de arma em punho e já pronto a atirar, o aprendiz de cangaceiro, mesmo surpreso, querendo mostrar-se valente ao seu mestre, toma-lhe a frente. Tudo deu-se muito rápido. Não chegaram sequer a desmontar. O velho avisa-lhe, peremtório: "Saia do meio ou morre também." E o aprendiz de cangaceiro, abaixando-se na cela, foge em disparada. E o tiro mortal atinge Chico de Barros, derrubando-o do cavalo. Um único tiro fora suficiente para pôr termo à vida do valentão Chico de Barros!
Cheguei a ouvir uma outra versão da morte de Chico de Barros, sem a riqueza dramática da original. O velho apanhara do bandido, e o matara, posteriormente, em uma emboscada, no caminho de Tabatinga. Adoto, porém, a versão que ouvi, ainda criança, de meu avô. Pelo que há de encanto lendário. Assim, posso repetir, como aquele personagem do filme de Ford, em "O Homem que Matou o Facínora:" "Aqui no Oeste, quando a lenda for superior à realidade, imprima-se a lenda."