domingo, agosto 27, 2006

VELHO REALEJO


O caso é verídico, me foi contado por um amigo. Ocorreu, recentemente, no lançamento de um livro. Uma grande quantidade de pessoas ali presentes, o autor é muito conceituado em Natal pela competência profissional e a cultura literária. Até o Prefeito estava lá. O editor do livro contratara um violonista, para animar mais o evento. As músicas executadas eram de boa qualidade. Tudo ia correndo bem, o burburinho de vozes das pessoas estimuladas pelo vinho, aqui e ali umas risadas. É assim nos lançamentos de livros. Tudo, pois, corria bem. Até que a rotina desses eventos foi, de repente, alterada. Na longa fila de espera para receber o autógrafo do escritor, estava um casal aí pela casa dos sessenta. Eles estavam calados, como, em geral, ocorre com os casais que vivem há muitos anos, que quase não têm mais o que conversar. Nenhum amigo, ou conhecido, perto deles, para lhes fazer soltar a língua. E aí aconteceu. O violonista começa a tocar uma música antiga. Uma valsa. Então, de súbito, a senhora deixa o seu lugar e se dirige ao músico. Ao chegar a ele, lhe pede que pare de tocar a música. Como se não ouvisse o apelo da mulher, ou não lhe desse atenção (o meu amigo opta pela segunda alternativa) , o violonista segue tocando. A mulher insiste no pedido. Nada. Ela está muito alterada, parece que vai logo cair num pranto. Aí o marido, que acompanhava a cena, sai do seu posto e, chegando ao músico, lhe diz: "Por favor, moço, pare essa música. A minha senhora tem um trauma por causa dessa música". Só então o violonista atende o pedido e emenda outra música. O homem agradece e, pousando a mão no ombro da esposa, volta com ela para a fila. Sob os olhares curiosos e atentos dos presentes. E o lançamento voltla à normalidade. Suponho que alguém que me esteja lendo queira saber qual era a música. Pois bem. É a valsa "Velho Realejo", composta por Custódio Mesquita e Sady Cabral, lançada em 1940 na voz do grqnde Sílvio Caldas. E, para quem se interessar, publico a letra a seguir.
"Naquele bairro afastado
Onde em criança vivias
A remoer melodias
De uma ternura sem par
Passava todas as tardes
Um realejo risonho
Passava como num sonho
Um realejo a cantar.
Depois tu partiste
Ficou triste
A rua deserta.
Na tarde fria e calma
Ouço ainda o realejo a tocar;
Ficou a saudade
Comigo a morar.
Tu cantas alegre e o realejo
Parece que chora
Com pena de ti".
OS 70 ANOS DE "ANGÚSTIA"
Soube ontem, lendo o site da Folha, ou do Estadão, que este agosto assinala os 70 anos do lançamento de "Angústia". Para comemorar a data, a Editora Record está relançando esse terceiro romance de Graciliano Ramos. Nada mais justo. É um grande livro. Mas gosto menos dele do que de "São Bernardo" e de "Vidas Secas". Deste último me agrada, principalmente, o estilo, a linguagem, que se adequam perfeitamente à temática. ´Graciliano, aliás, não gostava de "Angústia", chegando a classificá-lo de "um livro infeliz" num trecho de "Memórias do Cárcere". Ele achava que o livro continha alguns defeitos que ele não teve tempo de eliminar, porque foi preso antes de os originais serem enviados à editora. Por sinal que o crítico Antônio Cândido" vê algumas gorduras em "Angústia", conforme diz no brilhante ensaio que faz na edição do livro pela extinta Livraria Martins Editora. Com alguns defeitos ou não, é um grande livro. Mas, repito, prefiro "São Bernardo" e "Vidas Secas".

quarta-feira, agosto 23, 2006

O NOVO MUNDO (The New World/2005)


Terrence Malick parece ter do cinema a mesma visão que tinha o seu colega Albert Lewin ("O Retrato de Dorian Gray", "Os Amores de Pandora") : das outras artes é o cinema a que mais se aproxima da pintura. Em "O Novo Mundo", lançado em DVD três meses após ser exibido nos cinemas, como já ocorrera em "Cinzas no Paraíso", há uma profusão de imagens de uma beleza plástica, as quais em alguns momentos nos dão a sensação de estarmos diante de uma tela de um pintor. (Aliás, essa ligação do cinema com a pintura pode ser observada até por este pequeno detalhe: o objeto através do qual a obra pictórica e a obra cinematográfica são veiculadas tem o mesmo nome de tela.) No entanto, com a lucidez de quem entende, antes de tudo , estar fazendo cinema, Malick não deixa que a beleza imagística (que pode ser admirada mesmo nas limitações da tela pequena) se sobreponha à narrativa e à "mensagem" que quer passar. E fica bem caracterizada, em "O Novo Mundo", a tensão entre o estrangeiro (representado pelos ingleses) e o nativo americano, na Virgínia dos primeiros anos do século XVII. Uma tensão da qual não escapa nem mesmo o amor entre o Capitão Smith (Colin Farrell) e a índia (Q'Oranka Kilchen). Embora Smith seja o único da expedição a ter consciência da diferença de princípios entre os exploradores e os nativos, ele próprio se recrimina por a índia, na sua pureza e no amor que lhe dedica, não suspeitar que ele é o mesmo homem que sempre foi. Esse contato de Smith com a índia e com aquela terra virgem o leva até a pensar que o que está vivendo não é uma realidade, mas um sonho.
A narrativa de "O Novo Mundo" privilegia o tratamento na primeira pessoa. Ora ela é feita por Smith, ora pela índia, e ainda por John Rolfe (Christian Bale) , com quem ela se casa quando é informada da morte (falsa) de Smith, que regressa à Inglaterra a chamado do Rei para comandar uma expedição às Índias. Já antes do casamento, a nativa se transforma (ou melhor, é transformada) numa "inglesa", sob a orientação de uma mulher da Corte. Até o seu nome é mudado para Rebeca. E nessa transformação fica explícito o poder do colonizador. Por sinal, num pequeno detalhe se vê como a nativa é também colonizada, não apenas na mudança do nome, do vestuário, da maneira de andar, do comportamento. É quando, já cortejada por Rolfe, baixa o vestido que deixa aparecer um pouco da coxa, o que não ocorria na sua relação com Smith, quando ela não se preocupava em esconder partes do corpo.
E se o filme tem parantesco com a pintura, também não lhe faltam momentos de poesia, captadas pelas próprias imagens. E nas brincadeiras entre os dois jovens enamorados, brincadeiras que Rebeca repete com o filme, infiltram-se momentos de ternura.
Belo, poético, delicado algumas vezes, "O Novo Mundo" é mais um triunfo desse diretor que filma tão pouco (quatro títulos em mais de 20 anos de carreira) . Uma pena, numa época em que não são muitos os cineastas com o seu talento. Para finalizar, por uma questão de justiça, não poderia omitir o nome do fotógrafo: Emmanuel Lubezki, que fez um trabalho tão bom quanto o de Nestor Almendros em "Cinzas no Paraíso".
UMA NOTA SOBRE "O LIBERTINO"
Sem um mínimo da beleza visual de "O Novo Mundo", "O Libertino" , ora em exibição no Praia Shopping, é um filme de um forte impacto em seu conteúdo. O primeiro filme de Laurence Dunmore provoca, instiga o espectador, não o deixa indiferente e desinteressado, com um bom roteiro e uma forte interpretação de Johnny Deep no papel do Conde de Rochester. Muito interessante a relação ambivalente entre ele e o Rei Charles II (vivido por um John Malkovich até certo ponto discreto) . O diretor demonstra familiaridade com o cinema, em duas cenas em que utiliza um alucinante travelling. Pela estréia, é um nome a ser observado nas próximas realizações.

domingo, agosto 20, 2006

AQUELE ENCONTRO NO SHOPPING


Naquela manhã de sábado não havia ainda muita gente na praça da alimentação, e quem ali chegasse podia escolher o lugar que melhor lhe conviesse. Ele preferiu uma mesa localizada no início da área, perto de uma coluna. Às suas costas estavam algumas lojas situadas já fora do espaço da praça da alimentação e os cinemas geminados. Somente depois de o garçom trazer o chope e ele sorver o geladíssimo gole que queimou a garganta e o fez estalar de prazer a língua, é que começou a observar os fregueses espalhados pelo centro da área. Na grande maioria, pessoas mais ou menos da geração dele, poucos os adolescentes, que gostavam mais de aparecer à tarde, que ocupavam, praticamente, o espaço da praça da alimentação. Foi então que notou aquela mulher. A mesa dela estava em uma posição um pouco enviesada em relação à dele. Ao seu lado um garoto de seus oito a dez anos, que devia ser seu filho. O menino usava um bonezinho e vestia uma dessas camisetas com inscrições em inglês. Os dois tomavam um refrigerante e comiam batatinhas fritas.
Na primeira vez que olhou para a mulher, ela estava com o rosto curvado para o prato de batatinhas. O homem não tirava os olhos da mesa, fitando a mulher com atenção e um interesse que não passariam despercebidos a qualquer um ali presente que se prestasse a observá-lo. Ele bem que podia ser um desses paqueradores que frequentam os lugares públicos, à caça dessas mulheres solitálrias, ou porque o casamento está arruinado, ou se dissolveu. E como um homem dessa espécie, não lhe passaria pela cabeça que aquela mulher não se incluísse em nenhuma dessas classificações, que ali estivesse com o filho aguardando o marido fazer umas compras. Não, ele jamais seria levado a admitir que ela não fosse mais um nome a ser escrito no caderninho de conquistas amorosas.
E como se fosse um indicativo de que não se enganara, a mulher levantou o rosto do pratinho e olhou para ele. Um olhar que não durou mais de um segundo, mas que significou muito para ele. Ele, o sedutor, tinha certeza de que a mulher repetiria, tantas vezes lhe recomendasse a arte da paquera, aquele gesto. De fato, não demorou muito e ela voltou a olhar para ele, ainda que tão rápido quanto da primeira vez, mas que o fez abrir um sorriso de contentamento.
Na terceira vez que a mulher o fitou, ele percebeu uma mudança no seu gesto, pois ela demorou um pouco mais para baixar a vista. Antes de isso acontecer, ele arriscou um sorriso, a que ela correspondeu. Ele ergueu o indicador e apontou-o para o copo vazio. O garçom não tardou em trazer outro chope e só depois de o homem beber o primeiro gole é que a mulher tornou a olhar para ele. Como da última vez, não desviou rapidamente o rosto, ele arriscou outro sorriso, ela sorriu também. Vitória!
Logo depois ele sentiu o braço ser tocado. Virou-se como se tivesse sofrido um choque elétrico e deu com um garoto franzino lhe mostrando um jornal seguro pela mão, sem dizer uma palavra. Em um segundo leu a manchete em destaque na primeira página e despediu o jornaleiro. Estava informado da notícia que ele quisera lhe vender. À noite passada, na tevê, ouvira um delegado de polícia revelar a suspeita de que dois homicídios, ocorridos em um intervalo de pouco mais de um mês, fossem obra de um serial killer. Segundo o policial, os crimes apresentavam algumas características coincidentes: a arma utilizada (uma faca), o local onde o assassino se livrara do corpo (o rio) e a apropriação de valores pertencentes ao morto. Mas para o paquerador não seria aquela para se ocupar do perigoso homicida e só fizera, assim mesmo num breve espaço de tempo, porque estava sugestionado, como parte da população, pelo destaque que a mídia vinha dando àqueles crimes. Com aquela mulher atraente, ainda jovem, e dando provas de estar também interessada nele, não tinha outra coisa a fazer, senão dirigir a ela toda a atenção. Observou que ela e o menino tinham terminado de comer e que ela chamava o garçom para tirar a conta. De repente ficou apreensivo, ela poderia ir embora sem propiciar a oportunidade de um contato entre eles. E quem podia garantir que a encontraria de novo. Por um momento ficou quase em desespero, imaginando a oportunidade não aparecer, e sem atinar no que estava fazendo, indagou a mulher, por meio de uma mímica, se podia ir até à sua mesa. Viu-a corar, sorrir sem graça e baixar os olhos. A negativa tácita da mulher deixou-o irado, além de tudo. De imediato lhe ocorreram duas alternativas de reação: ir ao encontro dela, ou pagar a conta e sair. Mas enquanto se debatia entre as alternativas, ela levantou o rosto e o fitou com uma intensidade de que até então não fora capaz. Um olhar aceso de desejo, anunciador de promessas, aquele olhar o desarmou. E ela fez mais: com um gesto de mão instruiu-o a seguila. Depressa ele chamou o garçom para tirar a despesa, a mulher se levantou, pegou a mão do menino e foi saindo devagarinho. Quando ele se levantou, a mulher mal tinha deixa a praça da alimentação, pois andava lentamente, e ele a foi seguindo, também sem pressa. Pela primeira vez notava que ela vestia uma calça jeans cinza um tanto justa, ao ponto de lhe fazer modelar as nádegas. Possuía um corpo bem-feito, nem gordo, nem magro, Preto, o cabelo no seu tamanho exibua também uma medianidade, nem longo nem curto. Em dado momento, percebeu-a parar, curvar-se e falar no ouvido do menino, e depois o garoto correr para as escadas rolantes. Ela se aproximou de uma coluna e nesta ficou recostada. Então, ele apressou o passo e ao chegar junto à mulher, disse olá, ela se virou e disse olá. Tudo bem, ele perguntou. Tudo bem, ela respondeu. E o garoto? Está subindo e descendo na escada rolante, ele adora fazer isso. Ela riu, ele também. Eu sou Adolfo. E eu sou Julieta. A do Romeu? ele brincou. Sem Romeu, ela disse rindo. Conversaram mais amenidades, até que ele sugeriu saírem para um lugar tranquilo. Ela acedeu, mas com a condição de que fossem se encontrar longe dali, que precisava deixar o menino na casa de uma amiga. Combinaram o local do encontro, ao qual ele devia chegar dentro de uns quarenta minutos. Despediram-se. Ele ficou olhando-a subir a escada com o menino, até ela desaparecer. Olhou o relógio. Teria que passar mais de vinte minutos ali, antes de ir ao encontro. Achou que aproveitaria melhor o tempo se fosse ouvir música no carro. Pela escada rolante subiu para o piso superior e de lá buscou a saída. Ao abrir a porta de saída, esbarrou em um palhaço, tomando um tremendo susto.
Encontrou-a na calçada, recostada a um poste. Era uma ruazinha desertas, embora distasse a poucos metros de uma avenida de muito movimento de veículos. Ela entrou no carro e trocou beijinhos com ele. Ele quis saber se ela preferia algum lugar, ela disse que era melhor irem para a casa dela. Ele foi tomado de surpresa: e o maridão? Não tem mais o maridão, ela respondeu sorrindo. Era separada. E acrescentou que estava. sozinha, dera folga à empregada. Ele já ria intimamente de satisfação, antegozando os momentos sublimes que ia passar na cama com ela.
Curioso, ou apenas talvez para passar o tempo, quis se informas por que ela tinha se separado, mas a mulher disse que preferia não tocar no assunto. Ele disse que a compreendia e buscou outros assuntos. Ao conversas, virava às vezes o rosto para ela, mas logo precisava desviá-lo para o volante. Que bom se pudesse passasr horas admirando aquele rosto de uma beleza serena, plácida, os olhos negros, um dos quais sofria de estrabismo, mas tão sutil que só seria percebodp com um exame atento. E era com atenção, mas também com desejo, e até com um certo deslumbramento, que olhava para a mulher. Com aquelas características do seu rosto e mais o jeito tranquilo, suave, uma certa candura, ela lhe transmitia uma sensação de paz, de serenidade, de bem-estar, que, aliada à atração física, fazia-o atingir quase a felicidade. Com esses atributos todos, eral-lhe difícil entender por que o casamento dela fracassara. Em dado momento ela avisou que estavam próximos de sua casa e não seria conveniente chegaarem juntos. Ela saltaria , e passado algum tempo, ele entraria na casa. Mas que não fosse com o carro. Não tem perigo de roubarem o carro, ele perguntou. Esta hora não. Eles foram penetrando em um terreno baldio, de onde se via um trecho do rio que atravessava a cidade. Antes de descer, a mulher ensinou a localização da casa e o instruiu a se fazer passar por um vendedor, quando ela o fosse atender no portão. Ele a chamou de bichinha esperta, ela sorriu com aquele jeito ruborizado e outra vez trocaram beijinhos. Ela desceu, ele olhou-a caminhar com aquela lentidão de quando deixava a praça da alimentação, admirando-lhe o corpo.
Ela entrou na casa e foi direto para um dos quartos. Um homem estava deitado na cama, lendo uma revista. Ela chegou perto dele, beijou-o e deitou-se ao seu lado. E aí, perguntou o homem. O babaca tá vindo, ela respondeu. Pegou ele onde? No shopping. É barão? Tem um carrão de luxo importado. O homem calou-se, quis retomar a leitura, ele tomou a revista da mão dele e a jogou no chão. Ele não protestou, mas ficou imóvel. Depois do que fiz, acho que mereço pelo menos um chamego. Toda vez você diz isso, o homem falou com uma voz neutra. Ela não se sentiu desestimulada, virou-se para o homem e começou a beijá-lo e a lhe fazer carícias. O homem, mesmo sem o ardor dela, retribuía aqueles carinhos. Nisso, ouviram bater palmas. É o cara, disse o homem. Vai fazer hora com ele, depois eu chego lá. Droga, esse babaca não demorou nada, ela explodiu. Levantou-se, fez um rápido exame na roupa, ensacou bem a camiseta, que tinha saído um pouco da calçpa, e foi ao espelho. Antes de deixar o quarto, atirou um beijo para o homem. Ele pegou de novo a revista e ficou lendo durante uns quinze minutos. Depois saltou da cama e foi para um birô. Abriu uma gaveta, de onde retirou uma faca.A mão esquerda segurando a faca, com a direita pôs-se a alisar um lado da lâmina, em toda a sua extensão. Em seguida, fez o mesmo com o outro lado da lâmina. Finalmente, tocou na ponta da faca. Ergueu-se ainda com a arma na mão e guardou-a num bolso da calça. Então, em passos lentos, mas decididos, saiu do quarto em direção à sala.
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Conto extraído do meu livro "Crônica do Amor e do Ódio" (1997)

quarta-feira, agosto 16, 2006

TRÊS ASSUNTOS


1) Depois de ser escolhida para a capa do Almanaque Pirelli de 2006, Sophia Loren foi eleita, na semana passada, "A Maior Beleza Natural". Foi numa pesquisa promoviva pelo site "Dare to Be Awards", contemplando homens e mulheres do "show business" , na qual votaram 1.578
internautas. O segundo lugar ficou com o ator George Clooney, seguido pela cantora britânica Charlotte Church, Catherine Zeta-Jones, Johnny Depp. Kate Winslet, Gwinett Paltrow, Jack Black (quem é?), Cameroz Diaz e Gail Porter (de novo, quem é?) . Como se vê, às vesperas de completar 72 anos, a grande Sophia continua em alta. Imagine se a enquete fosse feita há, pelo menos, 20 anos atrás. Ela costuma dizer, quando perguntada pela conservação da sua beleza, que o segredo é o amor à vida e ao espaguete. E ainda banhos com zzeite de oliva. Olhem aí, queridas amigas que frequentam esta página.
2) Faz poucos dias terminei a leitura de um livrinho (pelo tamanho) delicioso: "Cartas de Viagem e Outras Crônicas", de Campos de Carvalho (José Olímpio Editora/2006). São textos que Campos de Carvalho ("A Lua Vem da Ásia", "Vaca de Nariz Sutil", entre os 6 romances que publicou), escreveu para "O Pasquim". Você bola de rir das cartas que ele escreve de Londres (quase todas) e de Paris. Um fino humorista, Campos de Carvalho é um escritor singular, que me parece sem paralelo na literatura do nosso país, pela temática e pelo estilo. Mas eu queria falar, especificamente, de uma curiosa revelação que ele faz sobre Guimarães Rosa. Segundo diz CC numa crônica, o escritor mineiro foi enterrado com os seus óculos. Sem dizer o motivo, Campos de Carvalho escreve: "enterraram João Guimarães Rosa de óculos, sobre os argutos olhos para sempre fechados, como a significar a insignificância da visão humana diante da vida e diante da morte: um par de óculos tendo o mesmo efeito que os óculos de um cego ou um par de antolhos, na escuridão mais espessa que envolve o mundo". E já que falei em Sophia, numa carta Campos de Carvalho escreve que "um soutien de Sophia Loren também serve como um pára-quedas".
3) Outro dia escrevi um texto sobre Fritz Lang("M, o Vampiro de Dusseldorf", "Os Corruptos"), no ensejo dos 30 anos de sua morte. Volto a lalar desse grande cineasta para revelar um detalhe curioso em seus filmes. Trata-se do plano de uma mão, que não é de nenhum ator. Mas do próprio Lang. Ele confirmou isso numa entrevista dada aqui no Brasil, quando veio para uma edição do Festival de Cinema do Rio (se não estou enganado, para presidir o júri) , ao ser perguntado por um dos entrevistadores sobre essa curiosidade. Só que o jornalista não perguntou o motivo, nem Lang se prestou a revelá-lo. Provavelmente uma excentricidade dele, a exemplo do que fazia Hitchcock, este aparecendo nos seus filmes de corpo inteiro.
E ONTEM COMEÇOU A PROPAGANDA ELEITORAL NA TELEVISÃO. HAJA SACO!

domingo, agosto 13, 2006

A JANELA DA FRENTE (La Finestra di Fronte/2003)


Convalescendo de um acidente, um fotógrafo em "Janela Indiscreta" (Hitchcock/1954) preenche a ociosidade observando o que ocorre com os vizinhos de apartamento. E nesse voyeurismo forçado termina por descobrir um crime praticado por um locatário contra sua mulher. Em "A Janela da Frente" , a dona de casa Giovanna (Giovanna Mezzogiorno) gosta de observar o vizinho solteiro Lorenzo (Raoul Bova), quando este se torna visível através da janela que fica defronte ao seu apartamento. Mais do que curiosidade, existe um interesse por ele, talvez por consequência da situação do seu casamento com Filippo (Filippo Nigro), marcado por desentendimentos e discussões constantes. Ela não sente mais desejo pelo marido, como é demonstrado numa cena em que ele a procura, após vários dias sem fazerem sexo, e Giovanna alega estar cansada para atendê-lo. A aparição de um velho desmemoriado, que eles encontram na rua e Filippo leva para casa, irá agravar a crise conjugal, porque ela não concorda com a atitude do marido.
É o grande personagem de "A Janela da Frente" esse velho. Por ele, aliás, é que Giovanna e Lorenzo se encontram num café, quando ela vai levá-lo à delegacia de polícia, para tentar descobrir o endereço dele. A partir do encontro no café, Giovanna e Lorenzo travam contato, que culmina com um breve ato sexual no apartamento do rapaz. É depois do ato que ocorre o melhor momento do filme. Depois de ele revelar que também a observava do seu apartamento, Giovanna vai até à janela que ele lhe indicara e de lá olha o seu apartamento e vê o marido e os dois filhos. Em silêncio, pensativa, ela repete a experiência do vizinho, mas, evidentemente, com um outro significado. Significado que a expressão dessa boa atriz deixa no ar. Um sentimento de culpa? Ou a constatação dos obstáculos para levar adiante o envolvimento com o vizinho? E quando se descobre que o velho, na juventude, teve uma relação homossexual, fica a impressão de que o filme pretende estabelecer uma analogia entre o caso dele e o de Giovanna e Lorenzo. Dois amores proibidos e que não têm continuidade, porque um dos parceiros é obrigado a partir. Simone, o do velho (aliás, uma relação que ficou de tal modo gravada na memória do velho, que
este, não conseguindo se lembrar do próprio nome, apodera-se do nome do parceiro) para um campo de concentração nazista e Lorenzo para ir trabalhar em outra cidade. Essa impressão é reforçada na cena da dança, sem música, do velho com Giovanna. É outro bom momento de "A Janela da Frente": enquanto dança com Giovanna, o velho se recorda de uma festinha em que ele e Simone dançam cada um com uma moça, mas trocando olhares. As duas cenas se intercalam, o passado convivendo com o presente, num bem-sucedido trabalho de montagem.
Esse velho é interpretado por Massimo Girotti, um dos grandes atores italianos, que trabalhou com Visconti (em mais de um filme, inclusive em Ossessione, o primeiro do diretor), Antonioni, Pasolini, entre outros cineastas do segundo escalão. Já muito doente, ele faleceu antes de as filmagens de "A Janela da Frente" terminarem. O filme, por sinal, é a ele dedicado.
Dirigido por Ferzan Ozpetek, um turco radicado na Itália desde 1978, "A Janela da Frente" , se náo é excepcional (o roteiro, apesar de bom, dá uma ou outra escorregadela), é um filme a que se assiste com atenção e interesse que não se perdem depois do final, que é bem interessante, ao mostrar um grande close dos olhos de Giovanna. O que não é pouco no momento de pouca criatividade que o cinema italiano atravessa, tão diferente do que ocorria nas décadas de 1940 a 1970.
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"TÁ NA PEIA"
Havia um narrador esportivo em Fortaleza que se comunicava com o torcedor durante a partida, no momento de informar o placar. Vamos supor que o "!Fortaleza" estivesse vencendo o "Ceará" por 1X0. Ele, então dizia, "o Fortaleza tem 1 e o "Ceará"? Aí os torcedores do "Fortaleza' respondiam: "Tá na peia". Pois bem. Se me perguntassem como vai a programação de cinema em Natal, eu responderia "tá na peia". Depois de "O Novo Mundo", de Terrence Malick, aí pelo finalizinho de maio, não apareceu mais nenhum filme que valha a pena para o cinéfilo que não aprecie as bobagens que as duas redes de cinemas (Praia Shopping e Midway) vêm exibindo há mais de dois meses. A do segundo ainda não mostrou nada que prestasse. E vou repetir o que disse outro dia. O gerente, ou qualquer outro nome que se diga, dos cinemas do Midway prometeu, num dos jornais locais, promover numa das salas a exibição de filmes considerados artísticos. Isso foi dito há vários meses e até agora nada. Ele deve ser como um candidato em época de campanha política. Promete o céu para o eleitor e, quando eleito, lhe dá o inferno. Oremos, como dizia um colega meu, que, aliás, não era religioso. Oremos.

quarta-feira, agosto 09, 2006

AQUELE CASAL


Todos os dias, no finzinho da tarde, eu os via passar. Ele alto, musculoso, mas com um excesso de banhas na barriga e na bunda, que comprometia a perfeição do corpo. Ela miudinha, o biótipo do anão, em que se sobressaíam as pernas curtas, mais para magra do que para gorda. Ambos, morenos, tinham um rosto não só comum, mas também desprovido de beleza, o homem com uma venta enorme, cujas narinas viviam cheirando o lábio superior, enquanto a da mulher era curta e em forma de uma batata. Ninguém na minha rua resistia à atenção que aquele casal díspar despertava, e a passagem dos dois reunia um grande número de curiosos. Era inevitável que surgissem as brincadeiras. Alguém os apelidou (impropriamente, como se vê) de Tarzan e a macaca Chita. Outro disse uma vez que o homem podia tomar a companheira pelas mãos e, com ela, surrar os filhos, não precisando de relho para isso.
A descomunal diferença física daquele casal, por si só, já seria bastante para atiçar a curiosidade de todos nós. Mas além dela, existia um outro atrativo que tornava a passagem deles aguardada com ansiosa expectativa. Era o bate-boca entre os dois, uma coisa tão certa de acontecer como a noite suceder ao dia. Assim foi durante todo o tempo (uns poucos anos) que os vimos passar pela nossa rua. Era uma coisa divertida e ao mesmo tempo enigmática. Qual era o motivo da discussão? Ou haveria cada dia um motivo? Ouvíamos apenas umas poucas palavras, pois eles andavam ligeiros e numca paravam. Afastados um do outro, ele à frente, ela um pouco atrás, passavam por nós envolvidos numa altercação. Em mais de uma ocasião, eu vi a anãzinha soltar uma risada sarcástica, provocada por algo dito pelo grandalhão. Espantoso ver a coragem dela, enfrentando aquele gigante, de cabeça erguida e sem se calar um só instante.
Outro enigma que permaneceu indecifrado foi o de sempre aparecem juntos por nossa rua, àquela hora. Somente aos sábados e domingos não os víamos passar, daí termos deduzido que os dois vinham do trabalho. Mas será que trabalhavam na mesma empresa? Ou a mulher ia buscar o marido todos os dias? Não sei, ninguém jamais soube.
Via-os apontar entre cinco e quinze e cinco e meia da tarde, uma hora em que o bar estava vazio e eu podia ficar na calçada para observá-los. As calçadas vizinhas ficavam tomadas pelos curiosos habituais e aqueles que viam a cena pela primeira vez e passariam a integrar o grupo. Essa pontualidade do casal terminou por transmitir às pessoas do nosso meio uma referência temporal, que se revelou muito útil nas questões em que era necessário estabelecer uma verdade horária. Se alguém assegurava que a ocorrência se dera a determinada hora (ou antes, ou depois da passagem do casal), a discussão era imediatamente encerrada.
A rotina gruda-se na vida de todos nós de uma tal maneira, que não temos força para nos livrar dela. Ficamos tão acostumados à passagem daquele casal, que sentíamos a sua ausência nos sábados e domingos. Quando chegava a segunda-feira, ficávamos aguardando a hora de eles aparecerem, numa nervosa ansiedade. É, pois, compreensível a nossa preocupação quando, de repente, o casal deixou de aparecer. Foi numa quinta-feira (o fato de me lembrar, com exatidão do dia , revela a atenção que dedicávamos àquele casal) que notamos a ausência deles. Atribuímo-la a um desses acidentes que ocorrem no cotidiano das pessoas - uma doença sem gravidade, por exemplo - que obrigara o homem a faltar ao trabalho, e esperamos que no dia seguinte eles aparecessem. A sexta-feira chegou, expectantes nos postamos nas calçadas, e eles não passaram. Do mesmo modo nos dias úteis que se sucederam.
Às vezes ponho-me a pensar em como a vida da gente começa, de repente, sem a gente esperar, a sofrer influência de uma pessoa, ou de algo qualquer - até de um objeto. A ausência daquele casal começou a mexer-nos os nervos. Cada dia amanhecíamos na esperança de que naquela tarde, finalmente, eles reapareceriam, íamos para a calçada quando se aproximava a hora e só nos restava o desapontamento. Ao completarem três semanas, começamos a perder as esperanças e a temer que algo de muito sério acontecera. Só pensávamos em duas hipóteses: na morte de um deles, ou numa separação. No entanto, poucos dias depois estava atendendo no caixa, quando um papudinho habitual do bar surgiu na porta e gritou chega seu Ernani vem ver aqueles dois. Larguei o caixa e corri para a calçada, onde já encontrei muita gente. E lá vinham eles. O homem à frente, a mulher um pouco atrás, empenhando-se em acompanhá-lo, os dois discutindo. Em cada um de nós ressurgiu o riso de alegria, há muitos dias desaparecido.
A rotina voltou - mas era uma rotina que não nos pesava, porque a visão diária daquele par excêntrico, sempre em guerra, tornara-se necessária às nossas vidas. Todas as tardes, às cinco horas, corria para a calçada, à espera do casal. Via os vizinhos também em suas calçadas, presas da mesma expectativa. Era vermos os dois apontar, e os rostos de todos nós se iluminavam. Quase sempre nos comportávamos com discrição, mas, às vezes, alguém mais extrovertido soltava uma risada, que eu temia que enfurecesse o gigante, o que, felizmente, nunca aconteceu. Tenho para mim que o assunto em discussão prendia-lhes toda a atenção e nada mais importava para eles.
Muito tempo depois da reaparição do casal eu adoeci e precisei fechar o bar por alguns dias. Preso em casa, intermitentemente pensava nos dois. E era inelutável, quando chegava a hora de eles passarem, rever mentalmente a cena que se repetia todas as tardes. Quando voltei a trabalhar, a primeira coisa que fiz foi saber notícias dos dois. O papudinho me informou que eles não apareciam há varios dias, para ser preciso, desde o dia em que fora para casa doente. Levei na brincadeira: vá ver que eles souberam que eu estava doente e tiveram a gentileza de não me privar da presença deles. Mas os dias foram passando e nada do casal. A exemplo daquela vez em que eles tinham sumido, começamos a ficar preocupados. A preocupação evoluiu para quase desespero, quando vimos ser ultrapassado o prazo que tacitamente determinamos para o retorno do casal, ou seja, o mesmo tempo em que eles tinham desaparecido na primeira vez, e continuaram ausentes. Perguntei a inúmeras pessoas por notícias deles, mas ninguém sabia onde moravam ou trabalhavam - todos os que viviam ou trabalhavam naquela área só os conheciam de vista. Os dias foram passando e com eles instalou-se em nós a certeza de que nunca mais botaríamos os olhos naquele casal. Começamos a lutar por nos conformar àquela perda. Agora, aquele casal estranhíssimo passaria a viver na memória de todos nós, até chegar o dia em que se deixaria de falar nele.
Quando foi numa tarde de sábado levei um susto daqueles ao ver entrar no bar a mulher. Sentou-se e pediu ao garçom uma coca e um sanduíche. Lá do caixa fiquei observando a nanica.O tempo todo de cabeça curvada para a mesa, como se estivesse procedendo a um exame acurado da toalha. O garçom trouxe o dinheiro da despesa e lhe disse que eu mesmo entregaria o troco. Ao lhe passar o dinheiro, perguntei pelo companheiro. Sem me olhar, ela disse ele morreu. Morreu? repeti como um eco. Ela deve ter achado desnecessário acrescentar alguma informação e foi se erguendo rapidamente da cadeira. Estávamos frente a frente, a mulherzinha virou-se para ir embora, sem levantar os olhos. Notei que esquecera o troco na mesa e avisei-a. Ela voltou-se, apanhou o dinheiro e, antes de sair, fitou-me, como se fosse me agradecer, mas não disse uma palavra. E pude ver que seus olhos estavam úmidos.
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Conto extraído meu livro Clarita (1993)

domingo, agosto 06, 2006

FRITZ LANG

Há trinta anos, em Beverly Hills, California, morria Fritz Lang. Encerrara uma carreira de perto de 50 filmes em 1960 , com Os Mil Olhos do Doutor Mabuse. Lang saía de cena retomando um personagem que criara na década de 1920, no filme Doutor Mabuse, o Jogador - um ente diabólico que usa os seus talentos, inclusive hipnóticos, para semear o mal - que aparecia em mais dois filmes.
Com o nome de Friedrich Christian Anton Lang, ele nasceu em 1890 em Viena, onde também nasceram Josef Von Sternberg, Billy Wilder, Fred Zinnemann e Otto Preminger, todos os cinco terminando por fazer carreira no cinema americano. Mas bem antes de chegar aos Estados Unidos, Lang construiu uma sólida carreira no cinema alemão, tornando-se um dos mais expressivos nomes do Expressionismo, inaugurado em 1919 com O Gabinete do Doutor Caligari, de Robert Wiene, em cujo roteiro dizem que colaborou.
Quando fez M..., o Vampiro de Dusseldorf (1931), o prestígio de Lang atingira o topo. Sua destacada posição não passou despercebida ao governo alemão (já com Hitler afiando as garras), que, através de Goebbels, Ministro da Propaganda, convidou-o para dirigir o cinema do país. Este é um fato já contado um milhão de vezes. Lang finge-se honrado com o convite, aceita-o, mas, ao sair da audiência, arruma as malas e foge para a França e depois para os Estados Unidos, onde adquire a cidadania daquele país. Thea Von Harbou, sua mulher e colaboradora, adepta do governo de Hitler, não o quis acompanhar.
Embora tenha feito filmes importantes, inclusive em Hollywood, não resta dúvidas que "M"... é o maior de todos. E dos maiores do cinema. Na enquete que Moacy Cirne promoveu recentemente no seu Balaio Vermelho, consultando mais de 60 cinéfilos sobre os 20 maiores filmes de todos os tempos, o de Lang figurou entre eles, recebendo, inclusive, o voto do cineasta Luiz Rosemberg Filho (Assuntina das Américas). É o seu primeiro filme falado. Ele levou quatro anos para aderir ao som, e, nesse período, realizou dois filmes mudos. Esse fato, contudo, não indica uma atitude misoneísta de Lang em relação à inovação técnica; inclusive, não se sabe de nenhuma opinião dele desfavorável ao emprego do som. Ao contrário de René Clair e, principalmente, de Chaplin, Lang viu certamente no som mais um recurso à disposição para os fins pretendidos; e se não o experimentou na primeira hora é porque, talvez, tivesse preferido antes avaliar as suas potencialidades para, então, usá-lo como um elemento que servisse à linguagem. E de fato em "M"... o som foi utilizado de uma forma não apenas criativa, mas, para a época, revolucionária. Eis o que escreveu Luiz Nazário em seu livro De Caligari a Lili Marlene (Global Editora, 1983) a esse respeito: "Pela primeira vez no cinema uma frase dita no final de uma cena era prolongada no começo da outra, acelerando o ritmo da narrativa e reforçando dramaticamente as associações de idéias contidas nas cenas seguintes".
No cinema desse diplomado em Arquitetura, que, também, experimentou a pintura, combatente na Primeira Guerra Mundial (na qual perdeu a visão do olho direito), o indivíduo luta em vão contra forças aparentemente superiores e invencíveis (no caso do personagem de "M"..., a enfermidade, que o leva a estuprar e assassinar crianças). Ele próprio confessou em entrevista que o tema com esse indivíduo está presente em toda a sua obra. "É uma obsessão minha, mais do que um tema recorrente", acrescentou.
Depois de se aposentar, Lang apareceu como ator em O Desprezo (Godard), interpretando a si mesmo. Estreou no cinema em 1919, com Halbblut. E no cinema americano com Fúria (1936), um dos seus melhores trabalhos em Hollywood. Admirado por alguns dos seus pares, como Buñuel e Hitchcock, Fritz Lang, nas palavras do francês Jean Tulard, "nos deu uma grande aula de cinema".

quarta-feira, agosto 02, 2006

O PRIMEIRO LEITOR


Deve acontecer também com algumas pessoas. É quando adquiro um livro num sebo. Ao ler o livro, e se ele está me agradando, começo a pensar se o primeiro leitor também gostou daquela obra, se foi tocado pelo prazer enquanto a lia, se sentiu a mesma emoção que estou sentindo diante da história criada pelo autor, de algumas passagens do livro, da linguagem, formando palavras e frases de grande beleza, se tudo isso o encantou tanto quanto a mim. Ontem terminei de ler As Três Marias . Não conhecia esse livro de Rachel de Queiroz, lançado em 1939, o quarto de sua bibliografia. Gostei. Rachel foi uma escritora de peso, um dos nossos melhores autores (não faço distinção entre livros escritos por homens ou por mulheres). Não vou falar do romance, até porque penso que alguns dos meus fiéis visitantes o conhecem. Prefiro falar da pessoa que o leu antes de mim.
Me chamou a atenção, principalmente, a forma que ela utiliza ao demonstrar o gosto, ou a admiração , ou até a estranheza, por uma palavra. Em vez de sublinhar por inteiro a palavra, ela põe um tracinho sob ela. E, curiosamente, até a umas certas páginas , o traço é marcado pela cor verde, sendo depois substituído pelo marrom. E a marca nas palavras termina na página 127. Depois daí, até à pagina 200, que encerra o livro, não há mais um único tracinho. Por quê? Taí uma coisa que me encucou. Será que esse primeiro leitor de As Três Marias abandonou aí a leitura? Ou será que não encontrou mais nenhuma palavra que a interessasse? Pode-se escolher a primeira alternativa, pelo fato de o livro ter ido parar num sebo. Mas muitas vezes é um familiar do leitor, com a morte deste, que vende o livro. (Os sebistas costumam dizer que, mal o corpo do marido baixa à sepultura, a viúva aparece oferecendo a biblioteca do extinto.) E há ainda aquele tipo de leitor, não muito comum, que, depois de ler um livro, por mais que tenha gostado dele, não deseja conservá-lo.
Uma última coisinha. Fiquei com a sensação de que o primeiro leitor do livro de Rachel seja uma mulher. A história se passa, até perto da metade, num internato de freiras. E uma curiosidade. Numa hora em que, de passagem, é mencionado o nome da aluna Maria do Carmo Silva, há um traço vertical, um pouco grande, sob o qual está escrito "Carminha". Uma amiga da provável leitora? E terá esta frequentado o mesmo internato de Fortaleza? Quem sabe?
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O CENTENÁRIO DE MÁRIO QUINTANA
Em 30 de julho, se ainda estivesse entre nós, Mário Quintana teria chegado aos cem anos. Em Porto Alegre já começaram as comemorações pela data. Que devem se estender por outras capitais do país. Porque parece que, afinal, Quintana é hoje reconhecido como um grande poeta. Isso não ocorria há até alguns anos, até mesmo entre seus pares. Apesar da admiração de sua poesia por Carlos Driummond de Andrade e Manoel Bandeira, além do cronista (e poeta bissexto) Rubem Braga. Este, aliás, na época em que foi editor (Editora do Autor, junto com Fernando Sabino e não sei se mais algum outro escritor) foi o primeiro, de fora do Rio Grande do Sul, a publicar um livro de Quintana. Vi num site, no mesmo dia do seu centenário, que João Cabral também o admirava. Francamente, sou cético quanto a isso. Não existem dois poetas tão diferentes, na temática, no estilo, até no temperamento, quanto o gaúcho e o pernambucano. Não sei. Pode ser, mas sou cético. Bom, o que importa é que a poesia de Quintana está aí, viva, reconhecida. Uma poesia simples, mas daquela simplicidade profunda, não simplória. E muitas vezes perpassada pelo humor, quase sempre de natureza irônica, sarcástica. Outro dia vi (ouvi) num canal por assinatura um menino de oito anos declamar aquele conhecidíssimo "Poema do Contra": "Todos esses que aí estão/Atravancando o meu caminho/Eles passarão/Eu passarinho"! Há quem assegure que esse poema foi feito depois de ele perder, pela terceira vez, a eleição para o ingresso na Academia Brasileira de Letras. Pior para a Academia.
Mário Quintana foi também um grande tradutor, tendo traduzido, entre outros, Marcel Proust, Virginia Woolf e Maupassant. Faleceu em 5 de maio de 1994.