domingo, agosto 20, 2006

AQUELE ENCONTRO NO SHOPPING


Naquela manhã de sábado não havia ainda muita gente na praça da alimentação, e quem ali chegasse podia escolher o lugar que melhor lhe conviesse. Ele preferiu uma mesa localizada no início da área, perto de uma coluna. Às suas costas estavam algumas lojas situadas já fora do espaço da praça da alimentação e os cinemas geminados. Somente depois de o garçom trazer o chope e ele sorver o geladíssimo gole que queimou a garganta e o fez estalar de prazer a língua, é que começou a observar os fregueses espalhados pelo centro da área. Na grande maioria, pessoas mais ou menos da geração dele, poucos os adolescentes, que gostavam mais de aparecer à tarde, que ocupavam, praticamente, o espaço da praça da alimentação. Foi então que notou aquela mulher. A mesa dela estava em uma posição um pouco enviesada em relação à dele. Ao seu lado um garoto de seus oito a dez anos, que devia ser seu filho. O menino usava um bonezinho e vestia uma dessas camisetas com inscrições em inglês. Os dois tomavam um refrigerante e comiam batatinhas fritas.
Na primeira vez que olhou para a mulher, ela estava com o rosto curvado para o prato de batatinhas. O homem não tirava os olhos da mesa, fitando a mulher com atenção e um interesse que não passariam despercebidos a qualquer um ali presente que se prestasse a observá-lo. Ele bem que podia ser um desses paqueradores que frequentam os lugares públicos, à caça dessas mulheres solitálrias, ou porque o casamento está arruinado, ou se dissolveu. E como um homem dessa espécie, não lhe passaria pela cabeça que aquela mulher não se incluísse em nenhuma dessas classificações, que ali estivesse com o filho aguardando o marido fazer umas compras. Não, ele jamais seria levado a admitir que ela não fosse mais um nome a ser escrito no caderninho de conquistas amorosas.
E como se fosse um indicativo de que não se enganara, a mulher levantou o rosto do pratinho e olhou para ele. Um olhar que não durou mais de um segundo, mas que significou muito para ele. Ele, o sedutor, tinha certeza de que a mulher repetiria, tantas vezes lhe recomendasse a arte da paquera, aquele gesto. De fato, não demorou muito e ela voltou a olhar para ele, ainda que tão rápido quanto da primeira vez, mas que o fez abrir um sorriso de contentamento.
Na terceira vez que a mulher o fitou, ele percebeu uma mudança no seu gesto, pois ela demorou um pouco mais para baixar a vista. Antes de isso acontecer, ele arriscou um sorriso, a que ela correspondeu. Ele ergueu o indicador e apontou-o para o copo vazio. O garçom não tardou em trazer outro chope e só depois de o homem beber o primeiro gole é que a mulher tornou a olhar para ele. Como da última vez, não desviou rapidamente o rosto, ele arriscou outro sorriso, ela sorriu também. Vitória!
Logo depois ele sentiu o braço ser tocado. Virou-se como se tivesse sofrido um choque elétrico e deu com um garoto franzino lhe mostrando um jornal seguro pela mão, sem dizer uma palavra. Em um segundo leu a manchete em destaque na primeira página e despediu o jornaleiro. Estava informado da notícia que ele quisera lhe vender. À noite passada, na tevê, ouvira um delegado de polícia revelar a suspeita de que dois homicídios, ocorridos em um intervalo de pouco mais de um mês, fossem obra de um serial killer. Segundo o policial, os crimes apresentavam algumas características coincidentes: a arma utilizada (uma faca), o local onde o assassino se livrara do corpo (o rio) e a apropriação de valores pertencentes ao morto. Mas para o paquerador não seria aquela para se ocupar do perigoso homicida e só fizera, assim mesmo num breve espaço de tempo, porque estava sugestionado, como parte da população, pelo destaque que a mídia vinha dando àqueles crimes. Com aquela mulher atraente, ainda jovem, e dando provas de estar também interessada nele, não tinha outra coisa a fazer, senão dirigir a ela toda a atenção. Observou que ela e o menino tinham terminado de comer e que ela chamava o garçom para tirar a conta. De repente ficou apreensivo, ela poderia ir embora sem propiciar a oportunidade de um contato entre eles. E quem podia garantir que a encontraria de novo. Por um momento ficou quase em desespero, imaginando a oportunidade não aparecer, e sem atinar no que estava fazendo, indagou a mulher, por meio de uma mímica, se podia ir até à sua mesa. Viu-a corar, sorrir sem graça e baixar os olhos. A negativa tácita da mulher deixou-o irado, além de tudo. De imediato lhe ocorreram duas alternativas de reação: ir ao encontro dela, ou pagar a conta e sair. Mas enquanto se debatia entre as alternativas, ela levantou o rosto e o fitou com uma intensidade de que até então não fora capaz. Um olhar aceso de desejo, anunciador de promessas, aquele olhar o desarmou. E ela fez mais: com um gesto de mão instruiu-o a seguila. Depressa ele chamou o garçom para tirar a despesa, a mulher se levantou, pegou a mão do menino e foi saindo devagarinho. Quando ele se levantou, a mulher mal tinha deixa a praça da alimentação, pois andava lentamente, e ele a foi seguindo, também sem pressa. Pela primeira vez notava que ela vestia uma calça jeans cinza um tanto justa, ao ponto de lhe fazer modelar as nádegas. Possuía um corpo bem-feito, nem gordo, nem magro, Preto, o cabelo no seu tamanho exibua também uma medianidade, nem longo nem curto. Em dado momento, percebeu-a parar, curvar-se e falar no ouvido do menino, e depois o garoto correr para as escadas rolantes. Ela se aproximou de uma coluna e nesta ficou recostada. Então, ele apressou o passo e ao chegar junto à mulher, disse olá, ela se virou e disse olá. Tudo bem, ele perguntou. Tudo bem, ela respondeu. E o garoto? Está subindo e descendo na escada rolante, ele adora fazer isso. Ela riu, ele também. Eu sou Adolfo. E eu sou Julieta. A do Romeu? ele brincou. Sem Romeu, ela disse rindo. Conversaram mais amenidades, até que ele sugeriu saírem para um lugar tranquilo. Ela acedeu, mas com a condição de que fossem se encontrar longe dali, que precisava deixar o menino na casa de uma amiga. Combinaram o local do encontro, ao qual ele devia chegar dentro de uns quarenta minutos. Despediram-se. Ele ficou olhando-a subir a escada com o menino, até ela desaparecer. Olhou o relógio. Teria que passar mais de vinte minutos ali, antes de ir ao encontro. Achou que aproveitaria melhor o tempo se fosse ouvir música no carro. Pela escada rolante subiu para o piso superior e de lá buscou a saída. Ao abrir a porta de saída, esbarrou em um palhaço, tomando um tremendo susto.
Encontrou-a na calçada, recostada a um poste. Era uma ruazinha desertas, embora distasse a poucos metros de uma avenida de muito movimento de veículos. Ela entrou no carro e trocou beijinhos com ele. Ele quis saber se ela preferia algum lugar, ela disse que era melhor irem para a casa dela. Ele foi tomado de surpresa: e o maridão? Não tem mais o maridão, ela respondeu sorrindo. Era separada. E acrescentou que estava. sozinha, dera folga à empregada. Ele já ria intimamente de satisfação, antegozando os momentos sublimes que ia passar na cama com ela.
Curioso, ou apenas talvez para passar o tempo, quis se informas por que ela tinha se separado, mas a mulher disse que preferia não tocar no assunto. Ele disse que a compreendia e buscou outros assuntos. Ao conversas, virava às vezes o rosto para ela, mas logo precisava desviá-lo para o volante. Que bom se pudesse passasr horas admirando aquele rosto de uma beleza serena, plácida, os olhos negros, um dos quais sofria de estrabismo, mas tão sutil que só seria percebodp com um exame atento. E era com atenção, mas também com desejo, e até com um certo deslumbramento, que olhava para a mulher. Com aquelas características do seu rosto e mais o jeito tranquilo, suave, uma certa candura, ela lhe transmitia uma sensação de paz, de serenidade, de bem-estar, que, aliada à atração física, fazia-o atingir quase a felicidade. Com esses atributos todos, eral-lhe difícil entender por que o casamento dela fracassara. Em dado momento ela avisou que estavam próximos de sua casa e não seria conveniente chegaarem juntos. Ela saltaria , e passado algum tempo, ele entraria na casa. Mas que não fosse com o carro. Não tem perigo de roubarem o carro, ele perguntou. Esta hora não. Eles foram penetrando em um terreno baldio, de onde se via um trecho do rio que atravessava a cidade. Antes de descer, a mulher ensinou a localização da casa e o instruiu a se fazer passar por um vendedor, quando ela o fosse atender no portão. Ele a chamou de bichinha esperta, ela sorriu com aquele jeito ruborizado e outra vez trocaram beijinhos. Ela desceu, ele olhou-a caminhar com aquela lentidão de quando deixava a praça da alimentação, admirando-lhe o corpo.
Ela entrou na casa e foi direto para um dos quartos. Um homem estava deitado na cama, lendo uma revista. Ela chegou perto dele, beijou-o e deitou-se ao seu lado. E aí, perguntou o homem. O babaca tá vindo, ela respondeu. Pegou ele onde? No shopping. É barão? Tem um carrão de luxo importado. O homem calou-se, quis retomar a leitura, ele tomou a revista da mão dele e a jogou no chão. Ele não protestou, mas ficou imóvel. Depois do que fiz, acho que mereço pelo menos um chamego. Toda vez você diz isso, o homem falou com uma voz neutra. Ela não se sentiu desestimulada, virou-se para o homem e começou a beijá-lo e a lhe fazer carícias. O homem, mesmo sem o ardor dela, retribuía aqueles carinhos. Nisso, ouviram bater palmas. É o cara, disse o homem. Vai fazer hora com ele, depois eu chego lá. Droga, esse babaca não demorou nada, ela explodiu. Levantou-se, fez um rápido exame na roupa, ensacou bem a camiseta, que tinha saído um pouco da calçpa, e foi ao espelho. Antes de deixar o quarto, atirou um beijo para o homem. Ele pegou de novo a revista e ficou lendo durante uns quinze minutos. Depois saltou da cama e foi para um birô. Abriu uma gaveta, de onde retirou uma faca.A mão esquerda segurando a faca, com a direita pôs-se a alisar um lado da lâmina, em toda a sua extensão. Em seguida, fez o mesmo com o outro lado da lâmina. Finalmente, tocou na ponta da faca. Ergueu-se ainda com a arma na mão e guardou-a num bolso da calça. Então, em passos lentos, mas decididos, saiu do quarto em direção à sala.
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Conto extraído do meu livro "Crônica do Amor e do Ódio" (1997)

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