quarta-feira, novembro 30, 2005

O MASCARADO

Estava, com alguns amigos, no velório de uma pessoa de nossas relações. Num dado momento, percebemos que algo inusitado estava ocorrendo, por causa de uma certa agitação das pessoas mais afastadas de nós. Pude observar que alguns dos presentes não conseguiam manter a compostura exigida para a ocasião e riam. De nada valeram as minhas palavras de censura a curiosidade dos amigos era mais forte e logo e logo o nosso grupo estava desfeito. Acabei levado por eles. Qual não foi o meu espanto, quando descobri a razão de todo o alvoroço: perto do caixão, conversando com a viúva e outros parentes do morto, vi um homem vestido de preto e cujo rosto estava encoberto por uma máscara. Usava uma máscara preta, para combinar com o terno, imaginei, e que se adequava à lugubridade da ocasião. Pelo menos, a mim me pareceu, mas somente a mim, pois as demais pessoas ali presentes (inclusive as que formavam a roda em que estava e que há bem pouco tempo falavam compungidamente da morte do amigo) viam na presença do mascarado motivo para diversão. Os próprios familiares do morto devem ter mantido, à custa de muito esforço, a compostura da ocasião. Eu estava movido por uma indominável curiosidade a respeito daquele estranho, e, quando ele se retirou, alvejado por olhares e risos sarcásticos, andei perguntando por ele, mas ninguém o conhecia. Realmente eu fiquei muito impressionado com o homem. A visão de sua soturna máscara não me saía da cabeça. A todo momento ela surgia à minha frente, impedia-me de me concentrar no meu trabalho, na leitura, num programa de tevê. Falei do caso a diversas pessoas, na esperança de alguma delas conhecesse o homem e a razão de ele usar a máscara, em vão - de todas ouvi a mesma resposta de que nunca o viram, invariavelmente acompanhada de uma boa risada. Disse para mim mesmo que nunca mais o veria, mas a sua imagem ficaria retida na memória, do mesmo modo que, por uma impressão diversa, conservamos a imagem de uma bela mulher, a quem vemos uma única vez na vida.
Felizmente me enganava. Uma tarde o reencontreu num banco. Eu estava numa fila quilométrica, aguardando impacientemente a vez de ser atendido, quando percebi que, de repente, as pessoas das outras filas tinham desviado a atenção para o lado da minha fila. Devia estar ocorrendo algo muito engraçado, as pessoas não olhavam apenas com um vivo interesse, mas estampavam um sorriso zombeteiro nos lábios. Impelido por uma curiosidade natural, virei-me em direção ao final da fila, e quem estava lá? Ninguém menos do que o estranho homem que encontrara no velório. Apesar de olhar com discrição, pude observar que não usava a mesma máscara. Usava dessa vez uma colorida, de feição inspirada na forma do rosto de um palhaço. Cada vez mais impressionado pelo comportamento do homem, perguntei aos vizinhos próximos sobre ele, mas nenhum deles o conhecia. É um doido a mais nesta cidade já cheia de doidos, comentou o primeiro a quem consultei. Depois de ser atendido, saí por entre a minha fila e a vizinha, curioso para ver o mascarado de perto. É obvio que não podia ver-lhe o rosto, para fazer uma avaliação de sua idade, mas, não sei por quê, supus que não fosse mais jovem. Tinha um porte elegante, a cabeça ereta, o que, quando sentado, podia dar às pessoas a falsa impressão de ser alto. Essa sua postura conferia-lhe um ar de altivez, que o fazia ignorar os olhas zombeteiros.
Nosso terceiro encontro aconteceu numa festa de aniversário, à qual não queria ir, por não conhecer o aniversariante, mas um amigo tanto insistiu que acabei sendo levado por ele. Como das vezes anteriores, o mascarado apareceu bem depois de mim e, do mesmo modo, sua chegada provocou um alvoroço nos convidados.Por estar num ambiente festivo, estava bastante alegre. Passou a maior parte do tempo num pequeno grupo, do qual participava o anfitrião, conversando e rindo, empunhando um uísque, parecendo íntimo de todos. Estava usando uma máscara azul-celeste e me ocorreu que lera, não sabia onde, que o azul tem uma conotação de alegria e satisfação, indicando que, se alguém o escolhe, é por estar de bem com o mundo e os seus semelhantes. Contei ao amigo que já o encontrara num velório e num banco, cada vez com uma máscara diferente, como se a colocasse de acordo com o ambiente ou a natureza do evento. Revelei a minha curiosidade em saber a razão daquilo, mas ninguém, a quem perguntei, conhecia o homem. Se quiser, eu te levo ao Edmundo, quando ele estiver só, e você pergunta a ele, ofereceu-se o meu amigo. Eu falei tá legal e, logo depois, ele se afastou em direção a um outro grupo. Continuei no meu canto, a observar o mascarado.
Em dado momento, vi-o deixar o grupo e caminhar para o lado em que me encontrava. Passou perto de mim e me cumprimentou, tudo bem? Me virei e acompanhei-o até desaparecer da minha vista. Supus que ia ao banheiro e fiquei na mesma posição, aguardando que ele retornasse.Um pouco antes tinha decidido satisfazer a intensa curiosidade com o próprio mascarado. Ansioso, vi-o andar de novo na minha direção e, ao chegar perto de mim, perguntei-lhe se podia me dar a sua atenção por um minuto. Por uma hora, se for preciso, amigo, respondeu , afável, o que reforçou a minha disposição. Comecei me desculpando pela inconveniência de estar invadindo a sua intimidade, para satisfazer uma enorme curiosidade. (Estava tão perto dele que poderia tocá-lo, olhando fixamente nos olhos restringidos pela máscara, e pareceu-me ver neles um ar de gravidade que denunciaria a reprovação do homem à minha bisbilhotice.) É que desde a primeira vez que o vira num velório, não tinha deixado de pensar um só instante na sua figura. Tentara me valer dos amigos, mas nenhum o conhecia, desse modo, embora constrangido, me via obrigado a dirigir-me a ele. Ele se incomodaria em atender a minha curiosidade? A respeito de quê? Senti um tom animoso na voz, o que confirmava a censura que julgara ver-lhe nos olhos. Mas não podia mais recuar e disse que gostaria de saber por que usava máscara. E o sr por que não a usa? Foi com essa pergunta que respondeu à minha, e, com um pedido de licença, retirou-se e foi reunir-se com os amigos.
Fiquei meio estonteado com a reação do homem. Esperava até mesmo uma grosseria, depois que o percebi aborrecido com a minha intromissão - algo do gênero de por que o sr não se importa com a sua própria vida e deixa a dos outros em paz? Jamais aquelas palavras: e o sr por que não a usa? O curioso é que não fiquei aborrecido, e nem mesmo frustrado, por continuar ignorando a razão da conduta daquele excêntrico, tão inesperada fora a sua reação. Permaneci um pouco no mesmo lugar, a observá-lo. Ele recuperara a alegria e o humor perdidos durante o nosso breve encontro. Depois resolvi circular um pouco pela casa. Antes de sairmos, o amigo voltou a se oferecer para me levar ao anfitrião, a fim de me informar sobre o mascarado, mas disse-lhe que não estava mais interessado. E com o tempo foi me arrefecendo o interesse por ele e hoje, quando o encontro, a sua figura não me chama mais a atenção.
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Extraído do meu livro "Clarita" (1993) , este conto foi reduzido para se adequar às dimensões desta página. Acredito que a redução não tenha prejudicado o texto.

domingo, novembro 27, 2005

HISTÓRIA REAL


Este texto foi publicado há mais de um ano em um site sobre cinema (o nome não me ocorre, no momento), quando eu ainda não tinha blogue. E é apresentado do mesmo modo como saiu naquela página.
Nesse filme de 1999, disponível em DVD, David Lynch conta a história verídica de Alvin Straight, um homem velho e doente, que viaja centenas de quilômetros, dirigindo um carrinho cortador de grama, para visitar o irmão convalescente de um acidente vascular, com o qual está de relações cortadas há mais de dez anos. É uma história plena de calor humano, em que participam valores , como a amizade, a solidariedade, a bondade e uma certa ternura, mas tudo isso exposto de maneira comedida e sóbria, sem exageros. E aí vale perguntar o que fez Lynch se interessar por um assunto tão estranho ao seu universo temático e estilístico. Onde aqui o diretor de O Homem Elefante, Veludo Azul e Coração Selvagem, que levava o espectador ao mal-estar, ao incômodo, à perturbação, ao mostrar o grotesco, o horrendo, a crueldade e a violência em doses cavalares? Em nenhum momento. Ou, talvez, na cena em que uma mulher atropela mortalmente um veado. É uma cena dramaticamente muito forte, que expõe o descontrole emocianal da mulher. Seu desabafo à beira do histerismo chega a incomodar (fazendo lembrar um pouco o Lynch de outros carnavais), mas, ao encerrá-lo, ficamos sabendo do seu amor por aquela espécie de animal e acabamos sendo compassivos com ela.
O filme, repetimos, respira calor humano através de seus personagens, mas sem forçar a barra para conquistar a cumplicidade do espectador. Como acontece com as grandes obras, tudo é feito sem abuso de gestos e de expressões faciais, com exceção da cena acima citada, e com delicadeza e sensibilidade. Essa contenção, esse comedimento se espalham pelos diálogos, sobretudo quando intervém Alvin, que conta com a boa interpretação de Richard Farnsworth. Quando, por exemplo, ele retorna do exame médico a que se submeteu, a filha Rose (Sissy Spacek) lhe pergunta o que o médico achou dele. Alvin responde: "Ele achou que eu estou bem". Na verdade, ele não está bem, mas prefere não se estender sobre o assunto.
E que personagem esse Alvin Straight! Teimoso, obstinado, às vezes, rude, mas sensível, como o demonstra no diálogo com aquele outro velho, também combatente na Segunda Grande Guerra, e no encontro com a moça grávida que está fugindo de casa. Vive com a filha, a quem trata com a brandura e a tolerância de quem lida com uma pessoa que sofre de um certo retardo mental e que, ainda por cima, perdeu a guarda dos filhos para o Estado, por causa de um acidente doméstico, do qual, no entanto, não teve culpa. Sua obstinação em visitar o irmão doente e promover a reconciliação entre eles é comovente, sem que Lynch precise esfregar-nos isso na cara.
E o reencontro de Alvin com Lyle (Harry Dean Stanton) é mostrado sem arroubos, sem lágrimas, sem qualquer sombra de melodrama ou de sentimentalismo. Apenas se vê Alvin, do lado de fora da casa, gritar o nome do irmão, que lhe responde de dentro da casa. A imagem final mostra os dois sentados à varanda da casa, mudos, contemplando as estrelas, como tantas vezes o fizeram quando eram jovens.

quarta-feira, novembro 23, 2005

O DECLÍNIO DO IMPÉRIO AMERICANO - Uma revisão


O lançamento em DVD , já há alguns meses, de O Declínio do Império Americano (1986), seguindo-se ao de As Invasões Bárbaras (2003), dá ao espectador a oportunidade de ver, ou rever, os principais personagens dos dois filmes, a uma distância de quase vinte anos. E, é claro, de estabelecer um paralelo entre as duas obras. É possível perceber uma diferença entre ambas, baseada no comportamento de Rémy, Alain, Claude, Dominique e Diane, que, em As Invasões Bárbaras, mais velhos e diante do estado terminal de Rémy, deixam aflorar um travo de amargor em suas vidas atuais, apesar de continuarem cultivando a irreverência, o deboche e o cinismo. É que a vida passou para quatro deles e está terminando para Rémy.
O Declínio do Império Americano se inicia com um pequeno trecho de uma aula dada por Alain (Daniel Briére) e depois corta para um longo traveling que atravessa o saguão de uma estação até alcançar, no fundo, as personagens Diane (Louise Portal) e Dominique (Dominique Michel), a primeira entrevistando a segunda. A sequência seguinte mostra o mesmo Alain e mais Rémy (Rémy Gerard), Claude (Yves Jacques) e um jovem amigo deles, reunidos em uma casa à beira de um lago. A partir daí há uma alternância de cenas das conversas entre os homens e as mulheres, com Louise (Dorothée Berryne), mulher de Rémy, e a jovem amante de Alain juntando-se a Diane e Dominique numa academia de ginástica. (E, talvez, o propósito do diretor Denys Arcand, em mostrar as mulheres em atividade física e os homens bebendo e conversando, tenha sido o de estabelecer uma diferença entre os cuidados delas com o corpo e o relaxamento deles com o corpo.) Os homens falando de mulheres, as mulheres falando de homens. As confissões de relacionamentos sexuais (ilustradas por flashbacks ), dão um toque humorístico à narrativa.
Há, pois, um clima de descontração na reunião dos dois grupos, que é alterado por duas ocorrências, quando as mulheres vão se juntar aos homens. A primeira é de pouca importância, apenas o mal-estar durante o jantar, causado pela chegada de Mário, o intratável e arrogante amante de Diane, que, felizmente, pouco se demora. Já a segunda é de suma gravidade. A confissão de Dominique, em meio a uma conversa normal, de que já dormira com Rémy (e também Alain), provoca um atrito na relação do primeiro com sua mulher, que, sem conseguir explicações do marido, quando vão se deitar, busca consolo no homossexual Claude.
Os derradeiros minutos do filme não têm diálogos. Os personagens dispersos pela casa, na mahã seguinte, com Louise e a amante de Alain tocando piano, observados por Rémy e Alain da sacada, enquanto Dominique e o jovem se acariciam na cozinha. As marcas do incidente da noite anterior ainda estão estampadas nos rostos de Louise (de óculos escuros) e de Rémy, mas não permanecerão por muito tempo. Será? Em As Invasões Bárbaras eles aparecem separados.
O Declínio do Império Americano e As Invasões Bárbaras são dois grandes filmes, sem que se possa dizer que um seja a continuação do outro, apesar de apresentarem os mesmos principais personagens, desse canadense Denys Arcand, um cineasta importante, entre os poucos que se destacam no cinema atual. Dele ainda conheço Jesus de Montreal, outro grande filme.

sábado, novembro 19, 2005

MEUS DOIS AVÔS




Cícero era o nome do meu avô paterno. Os netos não o chamavam de vovô, mas de Pai Cícero. Estive com ele apenas duas vezes, já que morávamos em cidades muito distantes uma da outra. (Meu outro avô também morava noutra cidade longínqua, aliás, vizinha à de Pai Cícero.) Mas nunca me saiu da lembrança a visão de Pai Cícero trabalhando, com paciência e habilidade, na feitura de palitos. Fazia aquilo como hobby, não como ofício, que este era exercido num cartório. Os palitos eram usados na sua própria casa e eram dados aos parentes. Quando voltávamos para a nossa cidade, os levávamos em quantidade razoável. Gostava de ler. Não tenho idéia dos autores que lia, mas tenho quase certeza, por sua pouca instrução, que não eram dos maiores da literatura. E gostava de que os netos lessem para ele. Fazia-o, disso tenho certeza, para avaliar a capacidade do neto. Fui "testado" uma vez. Eu tinha uns nove para dez anos. Um tanto amedrontado diante daquele homem mirrado, mas que impunha autoridade, mesmo involuntariamente, que, na cabeça daquele menino, devia ter uns duzentos anos, peguei o livro e comecei a ler o trecho que ele indicou. Não me lembro se o trecho era longo, mas não devo ter lido menos do que dez minutos. A uma certa altura ele me mandou parar, pediu o livro e disse que me retirasse. Me afastei sem saber o que o Pai Cícero tinha achado da minha leitura. Só quando já estávamos de novo em casa é que ouvi do papai como tinha me saído no "teste". Pai Cícero tinha gostado, sim. Segundo ele, de todos os seus netos, da minha idade, eu era o que lia melhor. Foi o primeiro elogio que recebi na minha vida. E dos mais sinceros, creio.
Já no físico - alto, magro, mas não muito, espigado - o meu avô materno era muito diferente de Pai Cícero. Um traço marcante de vovô Pirajá era a sua extremada religiosidade. Ao rezar o terço de todas as noites, o fazia ajoelhado sobre caroços de milho (ou feijão, não me lembro com precisão). Se ouvisse alguém dizer, por exemplo, "ô vento danado", a advertência vinha em cima da bucha: "não diga isso, que o vento é de Deus". Já o conheci muito pobre, vivendo de uma modestíssima venda de gêneros alimentícios, mas possuíra bens imóveis, que foram se acabando por uma falta de tino para os negócios e, também diziam, pela doação de parte deles à Igreja. Um homem bom, honesto, às vezes, doce, mas que, fácil, perdia as estribeiras. E, zangado, era outro homem, embora mantivesse o controle do uso de palavrões. Em uma de suas visitas à nossa casa, ele soube que uma das minhas irmãs, que fizera um casamento desastroso, levara uma surra do cafajeste do marido. Ah, pra que foram dizer a ele! Indignado ao último grau, vovô Pirajá queria, por fina força, ir à casa da neta tomar satisfação com o marido dela. Foi um custo para o papai demovê-lo da idéia. E, na época, já estava aí pelos setenta.
Mas se o papai conseguiu dissuadi-lo daquela vez, de outra vez foi por ele dissuadido, numa ocorrência em que o envolvido era eu. Foi no mesmo dia da chegada do vovô. Eu tinha feito uma traquinagem qualquer e o papai ia me bater e foi aí que o vovô se meteu. Primeiro, ele pediu que o papai não me surrasse. Depois, como o genro se mostrasse inflexível, ele mudou de atitude e disse ao meu pai que não o deixaria fazer aquilo comigo. O papai recuou, atendeu ao sogro, e, se bem me lembro, me disse que agradecesse ao meu avô por não levar uma pisa. À noite, no meu quarto, antes de dormirmos, vovô me aconselhou a não contrariar mais o meu pai, para não ser punido. Quando ele foi embora, fiquei com medo de que a surra tivesse sido apenas adiada. Mas a raiva do meu pai já tinha passado e a travessura ficou por isso mesmo. Obrigado, vovô Pirajá.

domingo, novembro 13, 2005

CURIOSIDADES CINEMATOGRÁFICAS




1) Não, não foi em A Aventura (1959) que começou a parceria de Michelangelo Antonioni com a atriz Monica Vitti, mas em O Grito (1957). Só que neste Monica Vitti não trabalhou como atriz. Ela dublou Dorian Gray, que fez o papel de Virginia, a proprietária da bomba de gasolina. Antonioni não gostou da voz da intérprete escolhida e pediu a um de seus auxiliares que procurasse alguém com uma voz que ele achasse adequada para a da personagem. Descoberta trabalhando numa peça teatral, Monica Vitti foi testada´pelo diretor e aprovada. Daí teve início uma parceria que resultou em cinco filmes, quatro deles dos maiores realizados pelo grande mestre italiano. A colaboração no cinema estendeu-se à ligação amorosa, que durou alguns anos. Outra curiosidade: Monica Vitti é um nome artístico. O verdadeiro nome da atriz é Maria Luisa Ceciarelli.
2) Há uma muito extensa relação de pessoas de uma mesma família trabalhando no cinema. Vamos a alguns exemplos. Maurice e Jacques Tourneur, Luís Buñuel e Jean-Louis Buñuel, Francis e Sofia Coppola Ingmar e Daniel Bergman (pais e filhos diretores). Luchino Visconti tem um sobrinho também diretor, chamado Eriprando Visconti. No caso de atores, a lista é enorme. Continuemos com uns poucos exemplos. John, Leonel e Etlhel Barrynore (irmãos). John Barrymore Junior e Drew Barrymore (pai e filha). Henry, Jane e Peter Fonda (pai e filhos). Peter e Bridget Fonda (pai e filha). Charles, Geraldine e Sidney Chaplin (pai e filhos). Catherine Deneuve e Francoise Dorleac (irmãs, a segunda, falecida prematuramente num acidente de carro). John e Patrick Wayne (pai e filho). Alec, Daniel, William e Stephen Baldwin (irmãos). Ingrid Bergman e Isabella Rosselinni (mãe e filha, esta, fruto da união de Ingrid com o diretor Roberto Rosselinni). Brigitte e Mijanou Bardot (irmãs). Marlon e Jocelyn Brando (irmãos). Marcello e Chiara Mastroianni (pai e filha, esta , nascida do casamento de Marcello com Catherine Deneuve). Douglas Fairbanks e Douglas Fairbanks Juioir. Michael, Vanessa e Lynn Redgrave (pai e filhas). Por fim, quatro casos de irmãos diretores: Bernardo e Giuseppe Bertolucci, Henry e Louis King, Vittorio e Paolo Taviani , Joel e Ethan Coen.

segunda-feira, novembro 07, 2005

UMA MULHER CHORANDO

Três vezes perguntara por que ela estava tão calada. E ela sempre a responder que não era nada. Na terceira vez, quando perguntou se estava ressentida com algo que ele lhe fizera, Helena denotou, no tom ríspido de voz, um começo de irritação com a inquirição dele. Sentindo a reação dela, Ramiro achou prudente parar com aquelas perguntas. O certo seria buscar algum assunto, por mais trivial que fosse, para tirá-la daquele mutismo que o desconfortava. Como tinha sido o dia dela no trabalho? Bem, ela respondeu, lacônica. Afinal convencido de que não podia arrancar mais nenhuma palavra de Helena, ele resolveu também se calar. Assim mudos passaram o restante do jantar, um só abrindo a boca para pedir um prato que estivesse mais ao alcance do outro.
Ao deixarem a mesa, Helena foi escovar os dentes, enquanto ele foi ligar a televisão. Depois ela iria para junto dele. Era assim todas as noites, até mesmo quando iam sair. Mas naquela noite, quando voltou do banheiro, ela disse que tinha "um horror" de provas para corrigir e não podia perder tempo. "Mas não dá pra você ficar nem um pouco"? "Não dá. Eu tenho que devolver as provas amanhã". A atitude dela deixou-o ainda mais preocupado. Ela nunca procedera daquela maneira. Algum problema a estava perturbando, mas ela não queria revelá-lo. E enquanto as imagens do telejornal iam passando à sua frente, ele não se dava conta do que elas mostravam, nem ouvia direito as falas, pois o pensamento se concentrara na busca de um ato seu, um gesto, uma palavra àspera, que a tivessem magoado. Vasculhou a mente, tentando rememorar fatos do dia, da noite anterior, até mesmo quando estavam na cama nos momentos de amor. Em vão. Nada. O melhor é esperar até amanhã, talvez ela me diga o que está acontecendo. E continuou vendo, sem ver, o que se passava na televisão.
Ao entrar no quarto, Helena trancou a porta, mas não foi para o birô. Dirigiu-se para a janela. Mas, como o marido diante da tevê, ela não "via" a profusão de luzes iluminando aquela pequena parte da cidade. Meditava sobre a sua vida. A bem dizer, continuava uma meditação que começara já já algum tempo. E a cada dia que passava, mais tomava consciência da falta de sentido em que a sua vida se transformou com a irrealização de sonhos por tantos anos acalentados, a morte das ilusões, a perda da esperança. E o pior: sem vislumbrar um aceno sequer de mudança. E o casamento? Todos os conhecidos, amigas, familiares colocavam Ramiro num altar, ela tirara a sorte grande ao encontrar um homem de tantas qualidades: trabalhador, bem-educado, excelente profissional e, por cima, sempre apaixonado pela esposa. Sim, Ramiro podia ser tudo isso, mas havia algo nele que Helena não sabia discernir (e nem eram os pequenos defeitos que toda pessoa, mesmo as melhores, tem)., que a fazia não se sentir a mulher tão invejada. Quem sabe se a culpa não seria dela? E das outras coisas era também culpada? Da profissão que já não a satisfazia, da falta de estímulo para continuar lecionando? Do convívio com a maioria dos colegas e das amigas? Teria ela toda a culpa por não encontrar mais naquelas pessoas o que buscava para uma existência mais fácil de ser levada?
Tudo isso tinha se incrustado à vida de Helena, como uma dor persistente, e nesses últimos dias ela vinha se sentindo cada vez mais infeliz, embora procurasse disfarçar, sobretudo de Ramiro, todo o sofrimento. Mas naquela noite nem a ele conseguira enganar. Que assim seja, disse para si mesma. E, de repente, enquanto olhava a parte da cidade inundada de luz, voltou-lhe à lembrança um fato que presenciara na sua adolescência Um fato ocorrido há tantos anos na vida de uma pessoa, que nunca saíra da sua mente. Vez por outra se via a recordá-lo e não foram poucas as pessoas, através dos anos, às quais contou o sucedido. Até a Ramiro ela contou.
Era uma mulher da sua cidade. Uma fina doceira. Seus doces, das mais variadas espécies, eram motivo de comentários não só naquela cidade, mas nas cidades vizinhas. Até à capital do Estado a sua fama havia chegado. Solteira, devia ter, na época, quarenta e poucos anos. A família de Helena era, como as demais da mesma classe social, freguesa de Amália. E uma tarde a mãe de Helena mandou-a à casa de Amália, para comprar o doce de leite de que o marido tanto gostava. Lá chegando, Helena bateu palmas três vezes, ninguém apareceu. Nem Amália, nem uma sobrinha que morava com ela, tampouco a empregada. A porta da frente estava só encostada. Helena, acostumada a frequentar a casa, para visitar a sobrinha de Amália, foi entrando, enquanto dizia sou eu, Amália. Tão logo pôs os pés dentro da casa, deparou-se com uma cena que a deixou entre chocada e penalizada. À mesa das refeições estava Amália. A cabeça curvada, as mãos tapando quase todo o rosto (só os olhos descobertos), a doceira chorava. E o choro não era silencioso - a mulher chorava como uma criança quando apanha. De tão intenso o choro, os braços tremiam. "Amália, o que foi que houve"? Helena chegou para perto dela e repetiu a pergunta, mas Amália parecia não dar pela presença dela e continuava no choro. "Aconteceu alguma coisa com Eliane"? E Amália sem responder, continuando a chorar. Helena pôs a mão sobre a cabeça dela e fez um afago. Durante um minuto ou mais manteve a mão sobre a cabeça de Amália, como se a leve pressão da mão pudesse aliviar a dor da mulher. Depois foi saindo devagarinho, olhando para a pobre mulher, a quem sempre vira alegre e tão disposta.
E ao recordar, mais uma vez, a cena lastimável, Helena pôde compreender, depois de tantos anos, o sofrimento daquela mulher numa tarde longínqua. E sentiu-se na pele de Amália, a fina doceira, a mulher tão elogiada e respeitada pela sua arte na culinária. Então, de repente, veio-lhe, incontrolável, a vontade de repetir o ato de Amália. E lágrimas lhe vieram aos olhos. Helena chorava. Mas, ao contrário do choro de Amália, o seu era silencioso. E assim ficou por muito tempo deixando as lágrimas banharem-lhe o rosto.

quarta-feira, novembro 02, 2005

BREVE ANTOLOGIA DE VERSOS DA MPB



- "Tu pisavas nos astros, distraída". - Chão de Estrelas (Sílvio Caldas/Orestes Barbosa)- "Eu era feliz e não sabia". Meus Tempos de Criança (Ataulfo Alves)
- ""As rosas não falam/Simplesmente as rosas exalam/o perfume que roubam de ti". - As Rosas Não Falam (Cartola)
- "Quem acha, vive se perdendo". - Feitio de Oração (Noel Rosa/Vadico)
- "Tire o seu sorriso do caminho/que eu quero passar com a minha dor". - A Flor e o Espinho (Nelson Cavaquinho/Guilherme de Brito)
- "A feia fumaça que sobe, apagando as estrelas" - Sampa (Caetano Veloso)
- "Na boiada já fui boi, mas um dia me montei". - Disparada (Geraldo Vandré/Théo de Barros))
- "Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel". - Boas Festas (Assis Valente)
- "Maria, o teu nome principia na palma da minha mão". Maria (Ari Barroso/Luiz Peixoto)
- "A felicidade procurada, corre". - Coração (Synval Silva)
- "Quando o verde dos teus oio se espraiá na prantação". - Asa Branca (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira)
- "Que a vida dura só um dia, Luzia/E não se leva nada deste mundo". - Anda Luzia (João de Barro, o Braguinha)
- "Cuidado, que a morte abriu a janela/Ainda hoje eu passei por ela/E vim depressa te dizer" - Maresia (Ednardo)
- "Que a noite é criança/Que o samba é menino/E a dor é tão velha que pode morrer". - Olê, Olá (Chico Buarque)
- "Eu não sou água pra me tratares assim/Só na hora da sede é que procuras por mim". - A Fonte Secou (Monsueto Menezes/Tufi Lauar/Marcléo)
- "A felicidade é como a gota de orvalho numa pétala de flor/Brilha tranquila/Depois de leve oscila/E cai como uma lágrima de amor". A Felicidade (Tom Jobim/Vinicius de Morais)