Este texto foi publicado há mais de um ano em um site sobre cinema (o nome não me ocorre, no momento), quando eu ainda não tinha blogue. E é apresentado do mesmo modo como saiu naquela página.
Nesse filme de 1999, disponível em DVD, David Lynch conta a história verídica de Alvin Straight, um homem velho e doente, que viaja centenas de quilômetros, dirigindo um carrinho cortador de grama, para visitar o irmão convalescente de um acidente vascular, com o qual está de relações cortadas há mais de dez anos. É uma história plena de calor humano, em que participam valores , como a amizade, a solidariedade, a bondade e uma certa ternura, mas tudo isso exposto de maneira comedida e sóbria, sem exageros. E aí vale perguntar o que fez Lynch se interessar por um assunto tão estranho ao seu universo temático e estilístico. Onde aqui o diretor de O Homem Elefante, Veludo Azul e Coração Selvagem, que levava o espectador ao mal-estar, ao incômodo, à perturbação, ao mostrar o grotesco, o horrendo, a crueldade e a violência em doses cavalares? Em nenhum momento. Ou, talvez, na cena em que uma mulher atropela mortalmente um veado. É uma cena dramaticamente muito forte, que expõe o descontrole emocianal da mulher. Seu desabafo à beira do histerismo chega a incomodar (fazendo lembrar um pouco o Lynch de outros carnavais), mas, ao encerrá-lo, ficamos sabendo do seu amor por aquela espécie de animal e acabamos sendo compassivos com ela.
O filme, repetimos, respira calor humano através de seus personagens, mas sem forçar a barra para conquistar a cumplicidade do espectador. Como acontece com as grandes obras, tudo é feito sem abuso de gestos e de expressões faciais, com exceção da cena acima citada, e com delicadeza e sensibilidade. Essa contenção, esse comedimento se espalham pelos diálogos, sobretudo quando intervém Alvin, que conta com a boa interpretação de Richard Farnsworth. Quando, por exemplo, ele retorna do exame médico a que se submeteu, a filha Rose (Sissy Spacek) lhe pergunta o que o médico achou dele. Alvin responde: "Ele achou que eu estou bem". Na verdade, ele não está bem, mas prefere não se estender sobre o assunto.
E que personagem esse Alvin Straight! Teimoso, obstinado, às vezes, rude, mas sensível, como o demonstra no diálogo com aquele outro velho, também combatente na Segunda Grande Guerra, e no encontro com a moça grávida que está fugindo de casa. Vive com a filha, a quem trata com a brandura e a tolerância de quem lida com uma pessoa que sofre de um certo retardo mental e que, ainda por cima, perdeu a guarda dos filhos para o Estado, por causa de um acidente doméstico, do qual, no entanto, não teve culpa. Sua obstinação em visitar o irmão doente e promover a reconciliação entre eles é comovente, sem que Lynch precise esfregar-nos isso na cara.
E o reencontro de Alvin com Lyle (Harry Dean Stanton) é mostrado sem arroubos, sem lágrimas, sem qualquer sombra de melodrama ou de sentimentalismo. Apenas se vê Alvin, do lado de fora da casa, gritar o nome do irmão, que lhe responde de dentro da casa. A imagem final mostra os dois sentados à varanda da casa, mudos, contemplando as estrelas, como tantas vezes o fizeram quando eram jovens.
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