terça-feira, dezembro 30, 2008

POEMA DE FIM DE ANO DE MÁRIO QUINTANA

Quadro Esperança, do pintor inglês George
Frederick Watts (1817-1904)
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Esperança
Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
- Ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
- Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
- O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...
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Extraído de "Literatura Comentada - Mário Quintana
Abril Educação, 1982.

terça-feira, dezembro 23, 2008

OS MELHORES FILMES DE 2008

Cena de "Contos de Tóquio".

A exemplo dos anos anteriores, estou divulgando aqueles que considero os melhores filmes do ano que está se findando, segundo os princípios que regem uma lista individual, sujeita, portanto, a questionamentos naturais. Na verdade, são duas listas: uma para filmes inéditos, outra para filmes revistos, num total de 16 títulos. E, ao contrário dos anos anteriores, os filmes de ambas as listas estão relacionados em ordem preferencial. Ei-los.

INÉDITOS

1 - Contos de Tóquio (Yasujiro Ozu/1953)

2 - Arca Russa (Alexandr Sokurov/2002)

3 - Pai e Filha (Ozu/1949)

4 - A Carruagem de Ouro (Jean Renoir/1952)

5 - Amor à Flor da Pele (Wong Kar-Wai/2000)

6 - Medos Privados em Lugares Públicos (Alain Resnais/2006)

7 - A Comédia do Poder (Claude Chabrol/2006)

8 - Homem Mau Dorme Bem (Akira Kurosawa/1960)

9 - Consciências Mortas (William Wellman/1944)

10 - Estranha Compulsão (Richard Fleischer/1959)

REVISTOS

1 - A Dupla Vida de Véronique (Kieslowski/1991)

2 - Laura (Otto Preminger/1944)

3 - Contos da Lua Vaga (Kenji Mizoguchi/1953)

4 - Os Duelistas (Rydley Scott/1977)

5 - Minha Vontade È Lei (Edward Dmytryk/1959)

6 - Uma Rua Chamada Pecado (Elia Kazan/1951)

terça-feira, dezembro 16, 2008

A MALDADE HUMANA

Cena de "A Queda - As Últimas Horas de Hitler" (Oliver Hirschbiegel/2004)




Segundo o teólogo francês João Calvino, que rompeu com a Igreja Católica e criou a seita protestante que leva o seu nome, "o homem é de todo incapaz de salvar a si mesmo, pois ele é totalmente mau." Não concordo que uma pessoa seja totalmente má, assim como não existe alguém totalmente bom. É impossível penetrar nos escaninhos da natureza humana, onde se guarda o incognoscível de um homem, e, por isso, é comum nos surpreendermos com um ato indigno de uma pessoa por todos reputada como boa, e com um exemplo de bondade de alguém tido e havido como mau.

Há alguns anos li no caderno "Idéias" do Jornal do Brasil uma matéria sobre Hitler, melhor dizendo, um ato de Hitler que surpreenderia qualquer um que sabe do ódio que ele tinha aos judeus, ódio esse que custou a vida de milhões deles. Pois, conforme essa matéria, uma determinada família judia foi poupada por Hitler dessa sua insana perseguição. Tanto tempo já que li o texto que não me lembro mais nada sobre ele, a não ser que a família nunca foi molestada pelos nazistas. Não me lembro, por exemplo, se foi revelado o motivo que levou Hitler a preservá-la da perseguição (é possível que sim, ou, se não, pelo menos a proposição de hipóteses para o ato).

Ainda sobre Hitler. O filme alemão "A Queda - As Últimas Horas de Hitler" promove uma certa humanização da sua figura. Embora em nenhuma ocasião o filme nos induza a esquecer, um tantinho que seja, as inomináveis atrocidades por ele cometidas, há momentos em que chegamos até a sentir um pouco de pena daquele homem (admiravelmente interpretado por Bruno Ganz), tão cheio de poder até pouco tempo antes, sentindo a derrocada do seu império e afetado gravemente pelo Mal de Parkinson.

Em seu livro de memórias "Infância", Graciliano Ramos fala de um homem de sua cidade chamado Fernando. Um tipo que, já no aspecto físico, dava medo nas pessoas, com o "olho duro", a "voz áspera", grosseirão, "o ar de insuficiência e impostura", os modos, e tantas outras coisas negativas que deixaram uma das recordações mais desagradáveis em Graciliano. Sim, não sorria. Mas além do aspecto físico, Fernando era um homem mau. Valendo-se do parentesco com o manda-chuva do lugar, fazia as piores maldades, entre elas a de desvirginar moças humildes que depois se prostituíam. Na percepção do menino Graciliano, não havia mais ninguém tão mau no mundo. E quando leu em um "dicionário encarnado" que Nero tinha sido o maior dos monstros, duvidou: maior do que Fernando? Mas Nero nunca lhe havia feito mal, ao contrário de Fernando, que o atormentava. E a leitura o deixou embaraçado. O seu conterrâneo "talvez não fosse o pior monstro da terra, mas era safadíssimo."

Pois um dia Graciliano assistia na loja do pai ao trabalho dos dois empregados abrindo caixões de mercadorias. Fernando também estava presente, cochilando num banco. Depois de concluída a tarefa, com as mercadorias distribuídas, uma tábua com pregos fora esquecida no chão. Já desperto, Fernando viu a tábua, apanhou-a, pegou dum martelo e pôs-se a entortar os bicos dos pregos. Enquanto isso reclamava do desleixo dos empregados. "Se uma criança descalça pisasse naquilo?" Diz Graciliano que não acreditava no que via e ouvia, chegando a pensar que um milagre acontecera. E julgou-se injusto por considerar um monstro quem se preocupava com que as crianças pudessem cortar os pés. E conclui o capítulo" "Talvez Nero, o pior dos seres, envergasse os pregos que poderiam furar os pés das crianças."








terça-feira, dezembro 09, 2008

UM EMBLEMA DA MINHA INFÂNCIA


Não havia trem em Canindé. Fui conhecer o trem em Itapiúna, cidade próxima. Ele saía de lá com destino a Juazeiro do Norte, terra da minha mãe. Eu viajava na companhia dos meus pais. Era um dia ou pouco mais de viagem, pois tínhamos que pernoitar em Senador Pompeu. Aí chegávamos no começo da noite, dormíamos e tomávamos de novo o trem perto do amanhecer.
Uma viagem longa, mas que ainda hoje lembro com saudade. E a memória guardou algumas lembranças daquelas viagens. O vagão lotado, o ruído de pessoas conversando, o condutor uniformizado, de boné, que pedia ao papai as passagens para marcá-las com um objeto parecido com um alicate - o mesmo homem, acho, que atravessava os vagões anunciando o nome da próxima estação. Alguns daqueles nomes ficaram para sempre nos meus ouvidos: Acopiara (o de que mais gostava), Missão Velha, Cedro, Iguatu. Quando o trem parava em uma estação, apareciam os vendedores de guloseimas, anunciando-as em vozes altas que se misturavam, causando uma enorme zoada.
Em Juazeiro nos hospedávamos na casa dos meus avós maternos. Eles moravam longe do centro, em um lugar pouco habitado. À frente da casa passava um trem mais de uma vez por dia. Era ouvir aquele apito e correr para assistir, os olhos atentos e brilhantes, à passagem do trem.
Acho que foram somente duas viagens. Vamos botar três. De uma delas me recordo especialmente de um fato engraçado. O meu irmão abaixo de mim, nos seus quatro/cinco anos, às vezes ao avistar uma casinha solitária, dizia pro meu pai, fazendo-nos rir: "papai, a gente podia ir morar naquela casa."
Já adolescente fiz uma viagem, sozinho, de trem. Estava de férias escolares e fui passar uns dias com um irmão solteiro que trabalhava, por coincidência, em Senador Pompeu, a cidade onde o trem da minha infância parava para o pernoite. Não sei por que, não me lembro nada dessa viagem.
Foi a penúltima vez que andei de trem. A última aconteceu quando já morava em Natal. Dessa vez peguei o trem em Fortaleza, acompanhando minha mãe que ia visitar Juazeiro. Achei longo e cansativo o percurso. E, no entanto, era-o muito menos do que quando saíamos de Itapiúna para o mesmo destino. Devo isso, creio, à conta dos meus vinte e tantos anos, quando já tinham ficado para trás a infância e tudo aquilo que fazia parte dela e me dava uma sensação de felicidade que nunca mais pude experimentar. Por isso sempre que vejo um trem, hoje apenas e de raro em raro na televisão, ou num filme, remeto-me à infância. Foi ele um dos emblemas daqueles tempos. Assim como o circo, a praça da Basílica, o Cine Canindé, os gibis, as peladas.

terça-feira, dezembro 02, 2008

MISCELÂNEA





- A FM Universitária é uma exceção entre as rádios de Natal. Tem uma programação musical de qualidade (embora a repetição das músicas), divulga a poesia, apresentando trechos de poemas de poetas do RN e de outros estados, dá dicas sobre o comportamento dos motoristas no trânsito, informa os eventos culturais na cidade, tem um noticiário curto de hora em hora, além de outros atrativos. Mas há uma coisa que me irrita sempre que o locutor fala de um compositor ou cantor da terra (em geral, os dois são o mesmo), ou é posta no ar a composição. É aquilo de dizer "música potiguar brasileira". Por que acrescentar "brasileira" a "potiguar"? Existirá uma música potiguar queniana? Finlandesa? Ou hondurenha? Gostaria de conversar um dia com alguém ligado à rádio, para que ele me explique a razão dessa redundância.


- Desde que me entendo por gente, conheço a expressão "correr risco de vida" em referência a alguém que sofreu algum tipo de acidente. De uns tempos para cá os telejornais estão substituindo-a por "correr risco de morte". É incorreto o novo uso? Acho que sim se atentarmos para o detalhe de que na expressão podem estar ocultas as palavras "perder" e "a". Fulano corre (ou não corre) risco de perder a vida. Assim, risco de morte não terá sentido, pois não é possível perder a morte. Se os telejornais não mais empregam a expressão, por a entenderem errada, ou caduca, nada mais simples que usarem o verbo "morrer". "Fulano corre (ou não corre) risco de morrer". É o que penso.
- Luís da Câmara Cascudo e Graciliano Ramos trocaram cartas e livros durante um certo tempo. Na primeira oportunidade em que foi ao Rio, Cascudo conheceu o escritor. Ficaram amigos. Em um dos encontros dos dois, com aquele azedume característico, Graciliano desceu a lenha na falta de hábito de leitura do brasileiro. "Ninguém lê nessa terra. Gente rica não compra livro. Você encontra numa casa de luxo vinte penicos de porcelana, mas nem um volume. Se os encontrar, estão encadernados e arrumados como enfeites de salão". (Mestre Graça, o panorama não mudou, ou mudou muito pouco, quase nada.) De outra feita, ao ouvir do potiguar o antigo desejo de escrever um romance, mas da "impossibilidade mental" de pôr mãos à obra, Graciliano disse com o mesmo mau humor e aquela franqueza desconcertante: "Pois não escreva! Fique no seu natural até o fim. Esse Rio de Janeiro está fervilhando de romancistas que nasceram para outra coisa". E disse "coisa" numa linguagem que Cascudo preferiu omitir no livro que relata esse contato entre o potiguar e o alagoano, dois dos maiores intelectuais que o Brasil produziu ("O Tempo e Eu", há pouco reeditado pela EDUFRN).
- Há uns três meses estava em uma clínica para marcar uns exames solicitados pelo meu cardiologista. Enquanto aguardava ser atendido, reparei em uma moça sentada a meu lado. Com uma pasta grande e demonstrando intimidade com as atendentes, deduzi que trabalhava em um laboratório. Tive a confirmação ao perguntar a ela e disse que já havia visto mulheres ocupando diversas funções, antes restritas aos homens, mas era a primeira vez que me deparava com uma representante de laboratório. Foi então que uma das atendentes, sorrindo, e puxando brasa para a sua sardinha (ou o seu sexo), afirmou: "As mulheres estão bombando". Já ouvira antes essa palavra, mas dita por um homem, e achei que o significado tinha uma conotação maliciosa. Dita, porém, pela mocinha, entendi que "bombar" é, como se dizia há muitas décadas, estar com tudo e não estar prosa. Não me agrada essa palavra. Acho-a vulgar, de mau gosto. Desconfio que foi veiculada por uma novela da Globo. Tomara que ela dure o tempo em que durar a novela.