terça-feira, dezembro 09, 2008

UM EMBLEMA DA MINHA INFÂNCIA


Não havia trem em Canindé. Fui conhecer o trem em Itapiúna, cidade próxima. Ele saía de lá com destino a Juazeiro do Norte, terra da minha mãe. Eu viajava na companhia dos meus pais. Era um dia ou pouco mais de viagem, pois tínhamos que pernoitar em Senador Pompeu. Aí chegávamos no começo da noite, dormíamos e tomávamos de novo o trem perto do amanhecer.
Uma viagem longa, mas que ainda hoje lembro com saudade. E a memória guardou algumas lembranças daquelas viagens. O vagão lotado, o ruído de pessoas conversando, o condutor uniformizado, de boné, que pedia ao papai as passagens para marcá-las com um objeto parecido com um alicate - o mesmo homem, acho, que atravessava os vagões anunciando o nome da próxima estação. Alguns daqueles nomes ficaram para sempre nos meus ouvidos: Acopiara (o de que mais gostava), Missão Velha, Cedro, Iguatu. Quando o trem parava em uma estação, apareciam os vendedores de guloseimas, anunciando-as em vozes altas que se misturavam, causando uma enorme zoada.
Em Juazeiro nos hospedávamos na casa dos meus avós maternos. Eles moravam longe do centro, em um lugar pouco habitado. À frente da casa passava um trem mais de uma vez por dia. Era ouvir aquele apito e correr para assistir, os olhos atentos e brilhantes, à passagem do trem.
Acho que foram somente duas viagens. Vamos botar três. De uma delas me recordo especialmente de um fato engraçado. O meu irmão abaixo de mim, nos seus quatro/cinco anos, às vezes ao avistar uma casinha solitária, dizia pro meu pai, fazendo-nos rir: "papai, a gente podia ir morar naquela casa."
Já adolescente fiz uma viagem, sozinho, de trem. Estava de férias escolares e fui passar uns dias com um irmão solteiro que trabalhava, por coincidência, em Senador Pompeu, a cidade onde o trem da minha infância parava para o pernoite. Não sei por que, não me lembro nada dessa viagem.
Foi a penúltima vez que andei de trem. A última aconteceu quando já morava em Natal. Dessa vez peguei o trem em Fortaleza, acompanhando minha mãe que ia visitar Juazeiro. Achei longo e cansativo o percurso. E, no entanto, era-o muito menos do que quando saíamos de Itapiúna para o mesmo destino. Devo isso, creio, à conta dos meus vinte e tantos anos, quando já tinham ficado para trás a infância e tudo aquilo que fazia parte dela e me dava uma sensação de felicidade que nunca mais pude experimentar. Por isso sempre que vejo um trem, hoje apenas e de raro em raro na televisão, ou num filme, remeto-me à infância. Foi ele um dos emblemas daqueles tempos. Assim como o circo, a praça da Basílica, o Cine Canindé, os gibis, as peladas.

5 comentários:

Jacinta Dantas disse...

Voltei,
se não for abusar da sua gentileza,
gostaria que você lesse o post que está abaixo das rosas.
Um abraço

Mariazita disse...

Querido amigo Francisco
Que recordações deliciosas, não?
Há muitos anos que não ando de comboio - trem português :) - e a últimoa vez que isso aconteceu (há meia dúzia de anos) não teve nada a ver com as recordações da infância e juventude.

Lembro-me bem dos pregões de vendedores de comida (geralmente doces) que apareciam nas estações à paragem do comboio.
Por exemplo, em Coimbra, lá estavam, sempre, as mulheres apregoando:
- Arrufadas de Coimbra e barricas de ovos moles!
E que deliciosos, tanto as arrufadas como os ovos moles!

Agora...com paragens de 2 ou 3minutos (comboios de alta velocidade) tudo isso se perdeu. Assim como o encanto dessas viagens.

O progresso tem os seus custos...

Obrigada por ter-me ajudado a recordar.

Beijinhos
Mariazita

Zeca disse...

Amigo Sobreira,

a inha infância foi marcada pelos trens. Morei numa casa que ficava em frente à estação. À noite, um trem ficava estacionado bem em frente e íamos, meu irmão, eu e os filhos do chefe da estação, brincar dentro dos vagões vazios. Foram várias experiências e algumas viagens. Lembro com saudade daqueles tempos e daqueles trens.

Um abraço.

[ rod ] ® disse...

Lembrar da infância é lembrar da ingenuidade cada vez mais ausente no mundo infantil. Tb tive uma infância perto de ferrovias... onde eu e meu primo esperávamos a chegada tão anunciada das 18:00hs... era um acontecimento diário, comum... mas fascinante.

Disso já se passou uns 25 anos...

Vim te conhecer de outros blogs.

Abçs meu caro,





Novo Dogma:
saCro...


dogMas...
dos atos, fatos e mitos...

http://do-gmas.blogspot.com/

Unknown disse...

"Chiquinho do Zé Gerardo"... Era assim que nós chamávamos o nosso center-for (centro avante) do time do Magalhães Neto. O Quincas. Rápido,lépido, com a bola a frente ninguém o acompanhava. É claro que teria que ganhar do Tirso Viera nos 100 metros rasos.
Daquele time, já se foram: Os dois Borocas, o Quincas e o goleiro negrinho Iran. EU ESTOU VIVO... ABRAÇO DO PONTA ESQUERDA: TONICO MARREIRO.