Isabel era o seu nome e nunca entendi por que não era chamada de Belinha, ao invés de Bilinha. Como também não entendia por que os parentes de minha mãe eram chamados por apelidos. As tias de mamãe eram Dona, Lô, Loló, Mocinha (a mãe da minha esposa e a mais nova), As exceções eram Tia Cecília e Tia Messias. Um tio meu era chamado de Ioiô. Os meus bisavós , Pai Né e Mãe Outa (que seria Mãe Outra).
Vovó Bilinha. Me lembro dela usando um xale azul, quando ia à missa cedinho da manhã, na época do frio. Alegre, bem-humorada, espirituosa Quando lhe chegou a viuvez, foi morar com a filha, em Canindé. Eu já tinha saído de casa, mas quando aparecia por lá, presenciava minha irmã Teresinha rindo das coisas que ela dizia. A minha mulher conta uma história que revela esse lado hmorístico de Vovó Bilinha. Num encontro com uma afilhada, esta lhe comunicou que tinha se casado. Vovó lhe deu os parabéns e quis saber como era o marido. A afilhada, mostrando-se muito feliz em seu novo estado, falou muito bem do marido. Ele só tinha um defeito. "Qual é o defeito?" perguntou minha avó. "E que ele é pobre, madrinha." E a vovõ em cima da bucha: "Pois, minha filha, esse é o pior defeito." Aquelas duas ingênuas considerando a pobreza como um defeito.
Em todo caso, Vovó Bilinha sabia bem dos efeitos de uma vida pobre. Ela e vovô, quando os conheci, passavam por sérias dificuldades financeiras. Vovô, dizem, fora rico, mas desperdiçou os bens, em parte doando-os à Igreja, extremamente religioso que era (fanáticamente religioso, pode-se dizer) , em parte como consequência de uma falta de vocação para os negócios. Foi o que ouvi dizer, não sei o quanto de verdade havia nisso. Quando o conheci, vovô Pirajá (Zé Agostinho, ou Seu Pirajá, como a esposa, alternadamente, o chamava) tirava o magro sustento de uma modestíssima venda de produtos alimentícios. Mas era um homem conformado com a sorte, nunca o ouvi se lamentar da pobreza em que vivia.
Vovó Bilinha não morou muito tempo com minha mãe. Dois anos, talvez. Um pouco mais, um pouco menos. Por aí. Saiu de lá para morar com o filho mais novo, em Brasília. E uma vez, indo a Canindé, mamãe me contou que o filho não a tratava bem, era agressivo, grosseiro com ela. Acredito porque esse meu tio não era nenhuma flor: autoritário, metido a valente e muito mulherengo. Mas vovó Bilinha foi ficando por lá, até a sua morte, na década de 1970. Devia estar com mais de oitenta anos.
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BORGES & VINICIUS
Remexendo em velhos papéis, encontrei este poema de Jorge Luís Borges, publicado no caderno literário do "Jornal do Brasil", com tradução de Vinícius de Moraes.
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A ROSA E MILTON
Das geraçóes das rosas
que no fundo do tempo se perderam
quero que uma se salve do esquecimento.
Uma sem marca ou signo entre as coisas
que foram. O destino me concede
este dom de denominar, pela vez primeira,
essa flor silenciosa, a derradeira
rosa que Milton aproximou de seu rosto,
sem vê-la. Oh! tu vermelha ou amarela
ou branca rosa de um jardim abandonado,
deixa magicamente teu passado
memorial e neste verso brilha,
ouro, sangue ou marfim ou tenebrosa,
como em suas mãos, invisível rosa.
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