quarta-feira, novembro 29, 2006

A POESIA DE POLÍBIO ALVES (PB)


Para Bertolt Brecht Ler

Que lugar é esse,
onde no ar,
o medo rumoreja?

Que silêncio é esse
entre a máquina
e o homem?

Que tempo é esse,
Bertolt Brecht,
em que as palavras
são amputadas,
a razão- de- ser,
inusitada,
os homens, um eco
no fundo do poço?
******************
Última carta

Estou tãp alegre
que o sono me escapa
e me lacra
sobre o azul das paredes.
É o mesmo continente
sala e quarto, aquele azul
descascado pelo tempo.
Estou tão só e contente
que amanhã de manhã
vou abrir a janela,
me lançar
do décimo segundo andar
e decuplar
um soco no mundo.
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Habitat

Nesse habitat
ofegante,
co-existe
arquitetônico
gesto, pespegante
de um lume
camaleônico.

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O paraibano Políbio Alves (1941) é poeta e contista. Publicou os livros "O Que Resta dos Mortos" *1983),
"Varadouro" (1989), "Exercício Lúdico - Invenções de Armadilhas" (1991) e "Passagem Branca" (2006), o primeiro, de contos, e os outros três de poesia. Os poemas aqui publicados fazem parte de "Passagem Branca", o qual recebeu o Prêmio Nacional de Poesia Augusto Motta/1977. Todos os poemas, portanto, foram escritos na década de 1970, mas só agora, 29 anos depois, foram apresentados em forma de livro.


sábado, novembro 25, 2006

SARABAND


Em 2003, em filme feito para a TV, agora lançado em DVD, Bergman retomou o casal Marianne (Liv Ulmann) e Johan (Erland Josephson) de Cenas de um Casamento, realizado há trinta anos. Mas Saraband não se concentra nos dois, agora separados, embora eles tenham ativa participação no desenrolar da história. Principalmente Marianne, cuja visita ao ex-marido irá por à mostra o relacionamento conflituoso com o filho Henrik (Borj Ahlstedt) e o deste com sua jovem filha Karin (Julia Dufverius). A história de Saraband se aparenta com a de um pequeno romance, constando de um prólogo, 10 capítulos e um epílogo. O genial cineasta sueco lida com os seus temas habituais (a morte, os conflitos amorosos e familiares, a velhice, entre outros) e o faz com uma força e um brilho que, talvez, não se esperasse mais de um homem já perto dos noventa anos. Confina-os em ambientes internos, pois o filme é todo passado nas casas de Johan e de Henrik. Há um "capítulo" numa igreja, onde Marianne entra para orar e ouve alguém tocando Bach no órgão da igreja (o título, por sinal, tem o nome do compositor.) O executor é Henrik, que, ao acabar, tem um diálogo, a princípio sereno e normall com Marianne, mas que depois se torna ácido. É , aliás um dos melhores momentos de Saraband.
Talvez o personagem mais "presente" seja Anne, a falecida esposa de Henrik. Ela é muito mencionada, seja por Júlia, seja por Henrik, que não consegue se conformar com a sua morte e procura transferir para a filha o amor pela esposa. Ele pretende substituir o amor de uma pela outra. Dormem juntos, embora não transpareça o menor indício de um incesto. (No entanto, quando ele descobre que a filha irá partir com uma amiga, para seguirem a carreira musical, o beijo que ele lhe dá, como despedida, não é o de um pai. E tenta o suicidio, após a separação da filha) Até o velho Iohann fala dela com carinho a Marianne e conserva uma foto dela no seu escritório. levando-nos a aventar a hipótese de ter sentido uma atração amorosa por ela.
Como sempre nos filmes de Bergman, ele extrai toda a potencialidade de que os atores são capazes. De Liv Ulmann e Erland Josephson, não é de surpreender as suas interpretações , já mostradas em tantos outros filmes do cineasta. A expressão da atriz. no último "capítulo", quando, no quarto em pé, de frente para Iohann, os dois despidos, é dessas que deixam uma marca inesquecível. Mas os outros dois, estão muito bem, mais ainda Borj Ahlstedt, que mostra o seu potencial interpretativo no encontro com o pai.
É um Bergman ainda em forma. O que nos deixa animados a ver o filme que ele anunciou que irá fazer (ou já está fazendo), quebrando a promessa, feita após Fanny e Alexander , de que se despedira de vez da tela grande.
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PHILIPPE NOIRET
Tem morrido muita gente do cinema nesses últimos meses. Só nesta semana se foram o diretor Robert Altman ("Nashville", "Cerimônia de Casamento") e o ator Philippe Noiret. Nascido em 1930, Noiret fez grandes filmes e trabalhou com grandes diretores (até com Hitchcock, embora num dos filmes mais fracos do mestre, "Topázio") , mas ficará para sempre lembrado pelo papel do projecionista Alfredo no encantador "Cinema Paradiso", de Giupesse Tornatore/1988. Fez um outro filme bem popular, "O Carteiro e o Poeta", de Michael Radford/1994, no qual interpretava o poeta chileno Pablo Neruda. Trabalhou ainda em "A Comilança", de Marco Ferreri. Fez naus de 125 filmes, o último dos quais no ano passado, ainda não exibido por aqui. Trabalhou também no teatro. Que a terra lhe seja leve.

quarta-feira, novembro 22, 2006

ISA

Ele a viu aparecer em uma das duas entradas que dão acesso ao bar, de repente estacar, movendo os olhos na direção dos poucos fregueses ali presentes naquele começo de noite. Ele estava em uma mesa perto da entrada de onde ela surgira, na parte do bar que não é coberta, e o rosto voltado para o mesmo local, de maneira a ser facilmente reconhecido. Ainda assim, achou necessário acenar-lhe com a mão, e o gesto, ele não deixou de perceber, apesar de atento à chegada dela, chamou a atenção dos outros fregueses. Ela acenou também, talvez mais para demonstrar que o vira, e apressou o passo na direção dele, que se levantou para recebê-la. Trocaram beijinhos, ela sentou-se e ele perguntou se o acompanhava na cerveja. Ela preferiu um refrigerante diet.
"Pensei que não viesse".
"Quase que eu não vinha. Relutei muito, antes de me decidir a vir".
"É, já pelo telefone você resistiu muito à minha proposta de nos encontrarmos. Por que, Isa"?
Ela, que estava com as mãos juntas, afastou-as com um gesto largo, como a sublinhar a resposta.
"Mas eu lhe disse por quê. Achava e continuo achando inútil este encontro".
"Tudo bem. Mas o que quero ouvir de você é uma razão plausível para não continuarmos. Por que você diz que não dá certo continuarmos"?
Ela ia começar a responder, mas reteve a fala quando notou o garçom se aproximar, trazendo um refrigerante e um copo. Puxou a argola da latinha, despejou parte do conteúdo no copo, quase o enchendo, sorveu um longo gole, depois do que pôde responder a pergunta.
"Você diisse que queria que lhe desse uma razão plausível, não foi? Pois muito bem. O caso é que não sou livre".
"Não é livre? Como assim"?
Ele alteou a voz, outra vez atraindo a atenção das pessoas sentadas nas mesas próximas. Ela encostou o indicador nos lábios e moveu os olhos para os lados.
"Desculpe, Isa (ele baixou sensivelmente a voz). É que fui surpreendido pelo que você acabou de dizer. Explique-se melhor".
"Eu não sou livre. Já lhe disse".
Ele bebeu um longo gole, depois tirou um cigarro da carteira sobre a mesa e o acendeu. Parecia buscar na bebida e no fumo o apoio necessário para não perder a calma.
"Mas, Isa, você não me garantiu que era sozinha? Não foi você que quis que ficássemos na sua própria casa, com aquele papo de que não se sentiria à vontade num motel. Não foi"?
Ela não respondeu, ele repetiu não foi? ela disse foi.
"E então? Que história é essa de que não é livre"?
"Eu menti pra você. Mas agora vou dizer a verdade: eu vivo com um homem há muitos anos. E eu amo esse homem".
Ele soltou uma risada curta, sem ligar para a curiosidade dos fregueses, nem para a censura gestual que ela podia fazer, mas que não fez. Em seguida, ele disse:
"Você tá querendo gozar com a minha cara".
"Bom, se você não acredita, não posso fazer nada. Acho que não tenho mais nada a fazer aqui".
Ela fez menção de se levantar, mas ele a reteve com um gesto de mão".
"Queria que você me respondesse com toda a sinceridade de que for capaz. Eu não signifiquei nada pra você"?
A mirada de Isa teve a duração de um piscar de olho. Logo em seguida, ela baixou o rosto e não disse uma palavra.
"Não é mais preciso responder. Está muito claro pra mim. Só não está claro é você ter aberto a sua casa para alguém que não representou nada pra você, já que você ama o homem com quem habita nessa mesma casa. Seria pedir demais, Isa, que esclarecesse pra mim essa parte osbscura do nosso relacionamento".
"Você quer mesmo saber"? (Ela tinha levantado o rosto e de novo o encarou.)
"É tudo o que quero saber".
"Será que vai suportar ouvir a verdade"?
"Vá em frente, Isa".
Ela esfregou uma mão na outra, como se as mãos estivessem úmidas e precisassem ser aquecidas.
"Não sei como dizer isso".
"Vá em frente, Isa", ele repetiu, já com uma certa impaciência.
"Bom. Você foi um... uma... digamos... uma espécie de instrumento"...
"Instrumento"?
"Como os outros"...
"Outros? Houve outros homens"?
Ela estava de novo curvada, insistindo em atritar as mãos.
"É ele, sabe? Precisa que eu faça... O caso é que ele... Eu tenho... tá entendendo... que ter contato com outros homens"...
Calou-se de repente, como se aquelas palavras lhe tivessem exigido um esforço sobre-humano, deixando-a sem fôlego para prosseguir. Também calado, ele olhava aquela mulher, com a cabeça quase derreada sobre a mesa, indeciso entre a compaixão e o desprezo. Por fim, disse:
"Você já pode ir".
Ela se ergueu, sem olhar para ele, e, sem um mínimo gesto ou uma palavra de despedida, afastou-se em passos rápidos. Jã ele não tirou os olhos de Isa, até vê-la desaparecer.

sábado, novembro 18, 2006

OUTRA CRÔNICA SOBRE MARLENE


Domingo passado comentei aqui uma crônica de Vinicius de Moraes sobre Marlene Dietrich. Falando da postagem, Moacy Cirne me sugeriu que publicasse uma crônica do potiguar Berilo Wanderley (1934-1979) , também crítico de cinema, sobre a atriz de O Anjo Azul, o que faço agora. Num texto delicioso (que integra o livro Cine Lembrança, Sebo Vermelho, 2004) , que deixa a sensação de ser inspirado em um sonho, BW mostra o poder de sedução da vampe Marlene. E também a paixão que ela lhe despertava e em milhões de cinéfilos espalhados pelo mundo. (Aliás, como uma homenagem a ela, vou ver daqui a pouco. aí pela décima vez, O Expresso de Shangai (Josef Von Sternberg/1932) . Ei-lo.
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QUE, MARLENE...
E NÃO É QUE MARLENE...
E não é que MARLENE DIETRICH acaba de entrar, sem bater, e cheia de provocação, ainda segurando o trinco da porta, me grita: "Quero um uísque"! Mas, a esta hora, MARLENE, é quase meia-noite, que dirão os vizinhos? E, além do mais, você assim... nesse vestido aberto... essas pernas de fora... me deixa em paz, MARLENE...
A mulher está impassível, mão no trinco da porta, um olhar de onça no cio, cigarro no canto da boca. Só falta cantar "LOLA LOLA". Que fazer? Largo o livro e saio, como um louco, em busca de um uísque. Grito pelos corredores da casa: "Um uísque para MARLENE DIETRICH"! Pareço Ricardo I querendo trocar seu reino por um cavalo.
Afinal, volto, copo de uísque na mão. Puro em um copo pequeno, sem gelo, como ela gosta. Quando chego, a terrível mulher já não está com a mão no trinco da porta. Está deitada no sofá, olhando para o teto, jeito muito debochado, uma perna na parede, outra atirada para o chão, cigarro ainda no canto da boca. Passo-lhe o uísque. Não vou dizer que ela segurou o copo, porque é pouco. Ela agarrou o copo. Com garras, com unhas, que unhas terríveis as de MARLENE DIETRICH, com dentes. E tomou a dose de uma só vez. Cinco minutos depois, pulava do sofá e cantava exatamente "Lola Lola". No meio da sala, lânguida. Cigarro entre os dedos, corpo em chama, pernões para o ar.
MARLENE, MARLENE..
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REVISITANDO BILAC
Vem ver querida as estrelas
Mas os teus ouvidos afina
Pois elas estão falando de nós.
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A QUEM POSSA INTERESSAR
A L & PM acaba de lançar uma nova edição de Os Cães Ladram, de Truman Capote, em cujas páginas aparece a entrevista do escritor com Marlon Brando, em 1956, a qual foi tema de uma postagem neste blogue semanas atrás.

quarta-feira, novembro 15, 2006

POR QUE GOSTAR OU NÃO DE UM ATOR (OU ATRIZ)?


A morte recente de Jack Palance me fez lembrar de um colega dos meus tempos de estudante em Fortaleza. Ali estava um fã de carteirinha do ator de Shane. Enquanto gostávamos dos atores que faziam o papel de mocinhos, ele gostava de Jack Palance. De todos os cinéfilos que conheci, foi o único a admirar Jack Palance. Uns gostavam, mas pela sua qualidade como ator e jamais sem o fervor do meu colega. Quando viu "Átila, Rei dos Hunos", ficou revoltadp com a armadilha que os inimigos de Átila prepararam contra ele, para capturá-lo. Achara uma "sacanagem". Ouvindo-o, parecia que tinha sido Palance em pessoa que sofrera o golpe, pois, em vez de falar o nome de Átila, falava o nome do ator. Os colegas o gozavam por essa idolatria a um ator que a maioria abominava. Pensando nele, imaginei, se ainda estiver entre nós, como recebeu a notícia da morte do seu ídolo. Mas talvez ele já não goste de Palance, como naqueles anos distantes.
Um amigo aqui de Natal é tiete de Richard Widmark, ator ainda vivo e perto dos 92 anos. Ísso desde os tempos de solteiro. Das atrizes, a belezinha Natalie Wood era a sua preferida. Mas ele gosta ainda mais de Widmark. Ele demonstrou essa preferência em um de nossos inumeráveis encontros num bar, na companhia de mais dois amigos. Quatro cinéfilos juntos, era mais do que natural que o cinema fosse o assunto predominante. Pois numa vez um de nós lhe fez a segunte pergunta: "Galego, se você tivesse a oportunidade de conhecer ou Natalie Wood, ou Richard Widmark, qual dos dois você escolheria"? Ele não pensou um segundo para responder que preferiria o ator de "A Última Carroça". Não sei se foi nessa noite que ele, num momento em que ia levar o copo à boca, fez-nos um brinde, imitando o mesmo gesto do ídolo num filme dele exibido naqueles dias em Natal.
Curioso isso. Deve haver uma explicação para alguém gostar tanto de uma pessoa, ao grau de uma adoração, a qual ele jamais verá em pessoa. Não é apenas a admiração pelo talento do ator. No caso desse meu colega de Fortaleza, já é um caso de empatia por um ator que ele idolatrava. Ele sentiu a "sacanagem" , não contra o personagem, mas contra o ator, e como se estivesse no lugar de Palance. Alguma coisa a gente vê num ator, que nos faz desejar que ela tenha sido o nosso pai, ou um tio, ou o irmão mais velho, até mesmo um amigo. E sentir tanto a sua morte.
Por outro lado, existem aqueles atores e atrizes que são detestados por algum espectador. Em sua fase de crítico de cinema, Vinicius de Moraes antipatizava pra valer com uma atriz, tanto quanto adorava Marlene Dietrich. Era Jane Powell, que trabalhou em musicais da Metro, que teve um certo prestígio nas décadas de 40 e 50 (entre seus filmes, destaca-se "Núpcias Reais", com o extraordinário Fred Astaire). Ele chegou a escrever-lhe um poema , manifestando a ojeriza que tinha por ela, poema que lhe rendeu algumas cartas desaforadas de fãs da atriz. Uma vez li um artigo de um jornalista em que ele dizia que Sérgio Porto (o Stanislaw Ponte Preta) não ia com a cara de Marlon Brando. Mas não ia mesmo, ao ponto de questionar o talento de Marlon. Um canastrão, na opinião de Sérgio Porto. Conta o articulis ta que ele costumava dizer, quando era contestado pela sua opinião, "vocês, um dia, ainda vão me dar razão". Grande Stanislaw, nessa você errou redondamente.
Já eu tenho o "meu" ator. Isso desde jovem. É o James Mason. Gosto de outros, mas ele é o meu preferido. Por, outro lado, para citar só um exemplo, e de um ator vivo, não simpatizo com Gerard Depardieu, ainda que reconheça o seu valor como intérprete. Já vi muitos filmes dele, mais pelo diretor ou por um outro ator ou atriz do elenco dos quais goste. É isso. Talvez os estudiosos da mente, como o meu irmão Bosco, possam ter uma explicação para isso.

domingo, novembro 12, 2006

2 POETAS E SUAS IDOLATRADAS ATRIZES


Marlene Dietrich veio ao Brasil na década de 1950. Duas crônicas foram escritas sobre ela, antes de sua chegada, uma contra, outra a favor. A primeira, de Carlos Drummond de Andrade, publicada no Correio da Manhã. Com o título de "Provocação"?, o poeta de José subestimava a visita de Marlene ao nosso país, considerando-a como uma provocação aos fãs de Greta Garbo, entre os quais ele se incluía. Pra que, meu Deus do Céu, ele foi fazer isso? Vinicius de Moraes, marlenófilo ardoroso, escreveu uma crõnicia dirigida a Drummond com o extenso título de "PROVOCAÇãO? NÃO, POETA CARLOS. É que outro valor maior se alevanta". Demonstrando revolta e indignação, mas respeitando Drummond, chegando a chamá-lo de "querido" e reconhecendo a sua grande estatura de poeta, Vinicius faz uma defesa apaixonada da grande Marlene. Trata-a por a Ùnica, a Maravilhosa, Anjo Azul , Divina Alemâ, enquanto chama Greta de "Fugidia Sueca". E tendo conhecido Marlene e Greta, Vinicius faz uma comparação entre as duas. Começa dizendo que Greta é uma ulher fascinante, mas na tela. E relata o contato que teve com ela na casa de uma socialite francesa. A uma certa altura, ele diz a Greta que admirou a sua atuação em vários filmes, os quais cita. Em vez de retribuir o elogio, a sueca o fita com um "olhar de salmão defumado", em seguida vira-se para o garçom que lhe trazia numa bandeja uma "estranha beberagem, sobre a qual flutuava uma pétala de rosa". sacudiu a cabeça e exiigiu um drinque de vodca. O fato causou um mal-estar geral, pois a bebida oferecida era uma especialidade da anfitriã, que teve de se virar para satisfazer a exigência da convidada.
Já de sua adorada Marlene, Vinicius narra um episódio ocorrido num bar de Paris, onde ele e um amigo "enxugavam" um uisquinho, na ocasião os únicos presentes no bar. De repente, não mais que de repente (como naquele seu poema), eis que entra Marlene, acompanhada da gerente do estabelecimento. A atriz senta-se e (Vinicius não o diz, mas, suponho, que a pedido da amiga) começa a cantar uma série de canções. Percebe-se claramente que ele não consegue conter o júbilo e o orgulho de ser um dos cinco espectadores (além do amigo, da gerente do bar, do garçom e do barman) a ouvir Marlene cantar ali pertinho dele, naquele ambiente fechado num certo dia em Paris. E provoca Drummond, mandando-o perguntar a Garbo se ela faria isso. "Mande, poeta Carlos". Um pouco adiante ele confessa que ficou de "joelho bambo" ao ver a alemã pela primeira vez em Hollywood. E pede o aval de Heminguay, "que não é qualquer toco de vela", para quem Marlene foi a mais extraordinária mulher que conheceu.
No parágrafo final da crônica, Vinicius adverte Drummond que não venha de Mallarmé, que ele pegará o seu Rimbaud. É que na crõnica do mineiro, ele, para exaltar Greta, cita este verso de Mallarmé' "si chère de loin et proche et blanche". E Vinicius responde, citando dois versos de Rimbaud: "O Femme, morceau d'entrailles, pitié douce" e "c'est toi que pends à nous, porteuse de mamelles nous te berçons, charmante e grave Passion".
Ñão sei. Posso estar enganado. Mas depois de ler o texto de Vinicius (que está no livro Para Viver Um Grande Amor, Companhia das Letras/1991) fiquei com a suspeita de que essa "briga" entre os dois poetas envolvendo suas adoradas atrizes foi combinada. Pode ser que a minha suspeita seja infundada, mas que me deu a impressão de algo combinado, isso deu. Infelizmente, não conheço a crônica de Drummond. Nem sei se ele respondeu a Vinicius. Poetas...

quarta-feira, novembro 08, 2006

A PANTERA


Bonita. Muito bonita. Os olhos bem abertos, agateados, que davam ao rosto um ar de pantera, a boca parecendo ter o tamanho certo - nem grande, nem pequena. Os braços - e aí um pequeno senão na sua beleza - eram um pouco musculosos, assim formados, certamente, por exercícios em uma academia. Quando a viu pela primeira vez, ela surgindo de repente, com o olhar provocador, foi tomado por uma sensação estranha. Um impacto. Ou, antes, um susto pelo inesperado da presença da moça, como algo ameaçador, embora revestido de beleza. Ela estava colada à vitrine da parte lateral de uma perfumaria, localizada num centro comercial. O que sentiu, de tão forte, quase como se percebesse uma ameaça de agressão (e a beleza dela tinha um quê de agressivo), o fez olhar rapidamente para a moça e continuar a caminhada de todo final de tarde, dando várias voltas pelos dois longos quarteirões, no primeiro dos quais se situava aquele centro comercial. Seguiu com a imagem da moça na cabeça. Atingiu o fim do segundo quarteirão, dobrou à direita, passou em frente a um antigo colégio, depois pegou outra vez a direita e foi percorrendo os dois quarteirões do lado oposto, até alcançar outra vez o centro comercial. Era assim todas as tardes, quando começava a escurecer. Ao se aproximar da perfumaria, já se sentia preparado para não sofrer o mesmo efeito de minutos antes e foi até à vitrine para examinar a moça. E, embora tocado pela agressividade de sua beleza, permaneceu uns dois ou três minutos observando detalhadamente o rosto e a mão que segurava um frasco de perfume de nome inglês.
Ao voltar para o apartamento vazio, desfez-se da bermuda, do tênis, da camiseta, enxugou o suor do corpo, escolheu um cd, deitou-se na cama para ouvi-lo. Como fazia todas as tardes, antes de tomar banho e depois comer o jantar frugal. Mas daquela vez ocorreu uma quebra na rotina. Ele ouvia as músicas, mas sem a mesma concentração. Em algumas músicas até que a concentração era inteira (talvez porque fosse as de que gostasse mais), já em outras a imagem da moça se sobrepunha e ele não tinha força para rejeitá-la. Quando mais tarde foi ler,em muitos momentos parecia "ver" a moça presente no relato. Houve uma vez que ao ler a descrição dos olhos de um personagem feminino, imaginou que eles fossem iguais aos dela. Interrompeu a leitura, e, com o livro seguro na mão, pôs-se a pensar na moça. E pelo resto da noite não conseguiu livrar-se da sua imagem e teve a certeza, ao deitar-se, de que ela apareceria num sonho, mas isso não ocorreu.
No dia seguinte, ao despertar, o primeiro pensamento foi para ela. Rápida, veio a resolução de tomar a providência de evitá-la, alterando o itinerário da caminhada. Ficou cada vez mais distante da perfumaria, na certeza de que, não vendo a moça, ela lhe sairia da cabeça. A providência deu resultado, mas não imediato, por alguns dias a imagem da moça, o ar de pantera, o rosto de uma beleza perfeita surgiam, de repente, por entre as páginas de um livro, no meio de uma música, na tela da televisão. Até que um dia ela desapareceu afinal. Experimentou uma grande satisfação, como se tivesse ganho um prêmio. Com o passar do tempo, livre dela, chegou a pensar em vê-la outra vez, pois acreditava que não iria lhe acontecer mais nada, a não ser a indiferença. Saiu uma tarde, disposto a retomar o antigo itinerário, mas, ao chegar a poucos metros da perfumaria, algo estranho o dominou, impedindo-o de seguir. Voltou, então, pelo caminho que o levara até ali, continuando a caminhada no sentido das outras tardes. Enquanto andava, percebeu, num misto de decepção e raiva, que não estava de todo livre dela.
Um dia foi ao centro da cidade. Fazia anos que não ia lá, para não ser incomodado pelo barulho dos carros de propaganda e do número excessivo de pedintes e de pessoas oferecendo cartões de crédito, empréstimos, entregando papeizinhos de serviços diversos. Mas um amigo lhe dissera que tinha visto numa grande loja o cd que ele procurara, sem sucesso, em outros locais da cidade. Encontrou o cd, após uma busca que levou uns dez minutos, uma única unidadade, escondido por outros discos, como se estivesse à sua espera. Pagou-o e, em vez de sair pela porta de entrada, preferiu a porta dos fundos. Ao passar pela seção de perfumaria, sem uma razão que justificasse o ato, como impelido por alguma coisa da qual não pudesse escapar, desviou a vista para a parede ao lado. E viu. No alto da parede, ela, os olhos parecendo mais agateados, a expressão no rosto parecendo ainda mais agressiva, olhando desafiadora para ele, dando-lhe a impressão de querer saltar do pôster para cima dele. Virou-se com tanta rapidez que o corpo perdeu um pouco o equilíbrio e precisou apoiar-se numa prateleira para não cair. Logo em seguida, retomou a caminhada, apressado, esbarrando nas pessoas, sem se desculpar, ansioso para encontrar a saída. E mesmo depois de sair da loja, continuou a andar veloz, quase correndo, como se achasse que a moça, de fato, tinha saltado do pôster e, tão rápida quanto ele, estivesse em seu encalço. Nem quando entrou no carro sentiu-se salvo. Em disparada voltou para o apartamento. E, à noite, sonhou com ela.

domingo, novembro 05, 2006

UM ENCONTRO DE CAPOTE COM BRANDO


Há poucos dias reli "Os Cães Ladram", de Truman Capote, edição da Civilização Brasileira, 1977.
É uma coletânea de vários assuntos abordados pelo escritor e jornalista americano. O ponto mais alto do livro é uma entrevista que Capote fez com Marlon Brando em 1956, no Japão, onde o ator filmava "Sayonara". Não é uma entrevista no padrão comum, em pingue-pongue, com o entrevistador perguntando e o entrevistado respondendo. Sendo acima de tudo um escritor,Capote descreve o ambiente onde a entrevista é realizada (o quarto de um hotel), faz observações sobre as empregadas que servem Marlon e, mesmo quando a conversa é estabelecida, fala do comportamento do ator com elas e até de detalhes sobre este, como um início de calvície e a presença incômoda de alguns quilos a mais no seu peso. É uma matéria longa, de quase 40 páginas, intitulada "O Duque em seus domínios", em que Capote consegue desnudar um tanto da personalidade de Brando, socorrendo-se do entrevistado e de pessoas que com este conviveram, relembrando revelações delas. Uma dessas revelações diz respeito à conduta do ator nas filmagens de "Sayonara", quando Capote afirma que ele está "sempre disposto a cooperar com os seus companheiros de trabalho, mas, de um modo geral, socialmente alheio, preferindo, nos intervalos de filmagem, ficar sozinho lendo livros de filosofia, ou rabiscando num caderno escolar".
O desnudamento do ator aparece, entre outras vezes, quando ele fala do sofrimento das pessoas sensíveis, como ele, e da importância do amor. "Uma pessoa sensível (diz) recebe cinquenta impressões onde alguém mais pode receber sete. É vulnerável demais, facilmente brutalizada e ferida. Quanto mais sensível, mais será violentada, criará escaras". E sobre o amor: "Que outra razão pode existir para viver, se não o amor? Este tem sido o meu maior problema. A minha incapacidade de amar alguém".
Uma surpreendente revelação que Capote faz de Marlon é o seu trato com as crianças, aludindo ao seu amor pelos pequeninos, mostrando-se à vontade na companhia deles, fazendo brincadeiras com eles, "parecendo um coetâneo emocional, um conspirador". Ao ler esse testemunho do escritor, pude, então, compreender a indignação do ator contra Chaplin, quando presenciou este passar uma severa descompostura num filho pequeno, durante um intervalo nas filmagens de "A Condessa de Hong Kong".
E os atores preferidos de Brando? Ao ser indagado, Brando fica um instante calado, como se pensasse, ou não quisesse responder. Capote insiste, citando alguns atores: Lawrence Olivier, John Gielgud, Gerard Philippe, Jean-Louis Barrault e mais uns dois de que não me lembro. Brando diz que Philippe é um bom ator (ele morreria três anos depois, aos 38 anos), assim como Barrault, e, ao mencionar o segundo, faz referência ao filme "Les Enfants du Paradise" ("O Boulevard do Crime", Marcel Carné/1945) como aquele que mais o impressionou, talvez o maior filme já feito, na sua opinião. E acrescenta que a única vez em que se apaixonou por uma atriz na tela foi ao ver Arletty, principal atriz desse obra-prima do cinema. Mas os seus preferidos são Spencer Tracy, Paul Muni ("Scarface", Hawks/1932) e Cary Grant. Eis o que ele diz: (Spencer Tracy) "É o tipo do ator que eu gosto de ver trabalhar. A maneira como ele se contém, se recolhe - depois salta para marcar o seu ponto e se recolhe outra vez. Tracy, Muni, Cary Grant. Eles sabem o que fazer. Pode-se aprender alguma coisa com eles".
Se não tivesse muitos outros atrativos, só por esse encontro entre Brando e Capote "Os Cães Ladram", cujo título é inspirado no conhecido provérbio árabe "Os cães ladram, mas a caravana passa, já seria um livro de valer a pena ser lido.

quarta-feira, novembro 01, 2006

A POESIA DE LETÍCIA TORRES


Este espaço é hoje ocupado por Letícia Torres, uma nova poeta que surge no Rio Grande do Norte, que logrou a segunda colocação no Segundo Concurso de Poesia Zila Mamede. Ela nasceu em Caicó, mas mora em Natal desde criança e trabalha em publicidade. Os 2 poemas aqui publicados fazem parte do livro que apresentou os poemas dos 3 primeiros colocados e de outros candidatos que receberam uma Menção Honrosa. A edição, deste ano, é da Potiguar Notícias Gráfica e Editora. Eis os poemas.
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O BARULHO DO TEMPO
Começa a chover em cada cor dos sonhos que não consegui ter.
As tintas escorrem lavando meus cabelos curtos como se fossem roupas.
Sinto uma pressa que só se acalma na advertência
Nada pode ser afirmado sem que uma questão surja como toda solução.
Os dias não pedem licença.
O tempo vai passando com a impressão de que se indispõe aos pensamentos.
A consequência mora no antes?
Percebida em seu erro, se mostra no depois de nossas vidas?
Quero a confusão de tudo o que de tão perto finalmente faz silêncio.
Conhecer o vazio é criá-lo desabitado?
O barulho dos passos se solta dos pés
Para em nós carregarmos o relento do mundo.
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A CRÍTICA DO DESESPERO
A palavra "desespero" fala dos que cansaram?
Ou dos que inconformados com a falta que sentimos
Não conseguem desistir?
Talvez esse começo seja resposta para uma resposta que demora.
O que assumimos no instante em que a vida nos alcança?
Fundamentada em equivocados avisos
A proteção se mostra frágil se nos chamam pelo nome.
Para o disfarce usamos como biombo as idéias dos outros.
Absorvemos na ânsia do vazio que nunca pára de doer.
Transformados em repetição como desmascarados pelos sentidos
Assim nenhum instinto é aceiyo como revelação.