O mérito maior desse filme é não se posicionar a respeito do relacionamento entre o padre Brendan Flynn (Philip Seymour Hoffman) e o garoto negro Donald Miller (Joseph Foster), tendo por cenário uma escola católica no bairro Bronx, em Nova York, em 1964, pertencente a uma paróquia pela qual o padre é o responsável. Houve mesmo uma relação anormal entre eles, como suspeita a Jovem Irmã James (Amy Adams), professora do garoto, que transmite a suspeita à Irmã Aloysius (Meryl Streep), a diretora? Ou se tratou apenas de uma afeição natural do padre pelo garoto, originada pela intenção do padre de protegê-lo da discriminação dos seus colegas de cor branca? Fica a suspeita, que, no caso da despótica Irmã Aloysius, evolui para a quase certeza de que o padre Flynn seduziu o aluno, e se empenha, com sucesso, em fazer com que ele se transfira para outra paróquia.
Estamos diante de um filme em que ao espectador é dada a incumbência de decidir pela anormalidade, ou não, daquela relação. O que o filme faz é fornecer alguns elementos que deem ou não a certeza de que a conduta do pároco é a que ele defende, com veemência, no confronto com a diretora. Exemplos. Ele se mostra orgulhoso de ter as mãos sempre limpas, mostrando-as para os alunos e exigindo de um deles que lhe siga o exemplo - e nessa atitude não estaria simbolizada a intenção do padre de se limpar de uma "sujeira", que seria a relação com Donald? Sujeira que se encontra numa peça de vestuário de Donald, que o padre Flynn deposita no armário destinado ao garoto, cena testemunhada pela Irmã James. E na conversa que têm a diretora e a Senhora Miller, esta revela a homossexualidade do filho, que, por isso, é maltratado pelo pai.
Por outro lado, na única vez em que os dois são vistos sozinhos é num momento de brincadeira do padre. Ele faz funcionar um brinquedo que mostra uma dançarina seminua em frente a um espelho e que executa a dança ao se mexer o brinquedo, o qual é dado ao menino. Na outra vez em que eles aparecem é quando Donald leva um esbarrão proposital de um garoto, desaba no chão, juntamente com o material escolar que conduzia e o brinquedo. O padre é o único presente a prestar-lhe ajuda, que é rematada com um abraço comovido no garoto.
A questão da dúvida é o tema do filme. Ainda que a dúvida se concentre na natureza daquela relação, há a intenção de torná-la mais abrangente. É sobre a dúvida o sermão do padre Flynn nos primeiros minutos do filme. E a Irmã Aloysius, como qualquer outra pessoa, não se torna imune a ela. Não apenas em relação à culpa do padre, mas outras dúvidas que, no final, diz ter à Irmã James, mas sem revelá-las. E ao não conseguir conter as lágrimas, opera-se uma humanização naquela mulher autoritária, ríspida, sarcástica. Uma cena que me fez lembrar o final de "La Strada", de Fellini, quando aquele bruto Zampanó chora ao ficar sabendo da morte de Gelsomina, a quem tanto maltratara e humilhara.
"A Dúvida" é adaptado da peça homônima de John Patrick Shanley, que é quem dirige o filme e também escreveu o roteiro. É apenas seu segundo filmes como diretor, num intervalo de 18 anos entre um e outro (sua estreia foi em "Joe Contra o Vulcão"/1990, com Tom Hanks). Direção eficiente, hábil (veja-se como ele evita que a referida cena final descambe para o sentimentalismo) ,delicada em certos momentos, em outros, intensa, como , por exemplo, no confronto entre a diretora e o padre, no qual é exibido um duelo de interpretação entre essa extraordinária Meryl Streep (um detalhe na sua composição do personagem é o tique que aparece no lábio superior da boca) e esse ótimo Philip Seymour Hoffman, que já provara o seu talento em "Capote".
Finalizando, um filme americano de qualidade, algo não comum de se ver hoje em dia no cinema produzido nos Estados Unidos.
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