terça-feira, agosto 25, 2009

A SAMARITANA

"O Bom Samaritano" (1904), do pintor
inglês George Frederic Watts.
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Era uma mulher de vinte e poucos anos, de boa altura, morena clara, um rosto que, se não muito bonito, tinha os seus atrativos. O vestido era longo. Não sei se casada, não olhei para as mãos. Eu estava num supermercado mamando uma cervejinha, ela chegou, olhei pra ela, ela me olhou furtiva e rapidamente e não me cumprimentou. Sentou à mesa ao lado esquerdo da minha e pediu ao garçom um pastel e uma coca. Eu fiquei bebendo devagarinho, vez por outra lançava um olhar rápido para a mulher. Em todas as vezes encontrei-a com o olhar pousado a sua frente, mas como se nada visse a que prestar atenção. Como se olhasse sem ver.
Foi então que chegou o amigo com quem geralmente me encontro naquele supermercado, num determinado dia da semana. É um senhor que está se aproximando dos noventa, mas bem conservado e ainda muito lúcido. Uma amizade mais ou menos recente. Ele é escritor e um grande leitor, e as nossas conversas são mais centradas na literatura, especialmente em obras de autores já falecidos. Em uma pausa que sempre ocorre na conversa entre duas pessoas, olhei para a nossa vizinha, que já estava comendo um pastel grande. Antes dessa pausa observei que o amigo, sentado de frente pra mim e para a mulher, também, aqui, acolá, a olhava.
Retomamos o diálogo e com pouco ela terminou o lanche, pagou ao garçom e foi embora. Tão logo ela se afastou, ele interrompeu bruscamente o assunto que abordávamos e me surpreendeu com a afirmação de que a mulher estava com algum problema. Por que você acha isso, perguntei. Porque ela estava com uma expressão de tristeza. Eu disse, então, que ela chegara, nos olháramos rapidamente e ela virara o rosto sem um cumprimento formal, e da maneira como se comportara enquanto esperava pelo pastel e a coca. Ela está com algum problema, ele repetiu. Fez um pequenina pausa e acrescentou, se (disse o nome, que não guardei, de uma mulher) estivesse aqui, iria falar com aquela moça.
É uma conhecida sua de longa data. Quando ela está num local e vê alguém, homem, ou mulher, solitário e o percebe com uma expressão de preocupação, ou de tristeza, aproxima-se dele e pergunta se pode sentar à mesa. Se a pessoa lhe der a permissão, a mulher lhe esclarece que quis se juntar a ela, porque acha que ela está passando por algum problema e gostaria de ajudá-la. Dependendo da reação da pessoa, ela, ou volta para a sua mesa, ou fica ali conversando com a estranha, à busca de uma maneira de resolver, ou, pelo menos, minimizar, o problema que ela está vivendo.
O curioso é que essa mulher não é psicóloga, psiquiatra, psicanalista, nem pertence a nenhuma seita religiosa que tem como missão auxiliar as pessoas com problemas da alma. Ela é... uma musicista.

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