terça-feira, novembro 11, 2008

CAMINHADAS


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Quando o meu joelho esquerdo não está muito dolorido, por conta de uma artrose que convive comigo há mais de vinte anos, faço minhas caminhadas diárias. Hoje caminho à tarde, com o sol já perto de ir embora, amenizando um pouco a temperatura que começa a subir nesta época do ano. De uns tempos para cá escolhi a Praça das Flores para andar, que fica a um quarteirão e meio do meu edifício. É um nome bonito o da praça, porém inadequado. Fico sem entender a escolha do seu nome, pois não existe uma única e escassa flor por lá. Mas quem é que vai entender o que se passa na cabeça dos nossos governantes? Apropriado seria Praça das Árvores, pois estas existem em bom número no local.
A praça está sempre povoada. Pessoas aglomeradas na parada de ônibus, pessoas que moram ali perto e a atravessam, indo ou vindo de suas residências, umas poucas, em certos momentos, formando fila em frente a um terminal de caixas eletrônicos. E há os alunos de ambos os sexos que, àquela hora, estão saindo da escola pública em frente à praça. Alguns deles não vão direto para casa e ficam nos bancos, barulhentos nas suas conversas e nas risadas que soltam, muitas vezes sem uma razão plausível. Mas isso é próprio da idade. Aqueles que um dia foram jovens, já riram assim. Já encontrei em certos dias três ou quatro meninos apostando corrida em suas bicicletas, que me fizeram voltar a noites remotas, quando, na idade deles, apostava corrida, a pé, na Praça da Basílica da minha cidade.
Entre todos que estão ali àquela hora, sou o solitário que caminha para se exercitar. Um ou outro aparece, mas apenas passa por um recanto da praça, já vindo de outros lugares e, certamente, retornando para sua residência. Havia um senhor que escolhera a praça para o mesmo fim, logo que comecei a freqüentá-la. Já velho, com os seus oitenta anos, um pouco mais, um pouco menos, mas a com o andar ainda firme. Sempre que cruzávamos pela primeira vez, nos cumprimentávamos de cabeça. Mas há muito tempo ele não aparece. Terá morrido? Ou escolheu outro local para suas caminhadas?
Há poucos dias apareceu uma senhora em uma cadeira de rodas. O seu exercício já devia estar quase no fim quando cheguei à praça, pois passei por ela apenas duas vezes. Mais velha, creio, que aquele senhor, parecia não se dar conta do que fazia ali, nem onde estava. E apoiada a um ombro uma boneca. Fiquei pensando, então: nos primeiros meses de vida, em seus primeiros contatos com o mundo, aquela velha e enferma senhora devia levar também uma boneca no carrinho empurrado pela mãe, ou a babá, sem igualmente se dar conta de nada. Não a vi mais depois desse dia.
Ao sairmos de casa nos deparamos com pessoas de toda espécie. E acontecem coisas também de toda espécie. Algumas engraçadas, como a que vou relatar. Quando ainda caminhava de manhã, geralmente aí pelas nove horas (nunca gostei de caminhar cedinho), encontrei uma jovem de uns quinze, dezesseis anos. No máximo, dezoito. Eu andava pela calçada de onde se vê o mar, ela estava recostada a um poste. A qualidade do vestido denunciava a sua classe social. Devia estar ali para alugar o corpo a algum homem. Mas, coitada, não era uma tarefa fácil consegui-lo - a seu favor só a idade, pois, além da falta de atrativos, aparentava um ar de desasseio. Ao passar pela jovem, ela me fez a proposta. Era bastante ficar calado, como uma resposta negativa, mas eu estava de bom humor e, olhando o relógio, lhe disse que estava muito cedo... Disse isso sem parar, para não perder o ritmo da caminhada. E aquela jovem, que provavelmente àquela hora estivesse de estômago vazio, replicou às minhas costas: "E tem hora pra essas coisas, danado"? Não pude deixar de rir. E enquanto continuava andando, pensei em quanta sabedoria havia nas palavras da mocinha analfabeta, ou quase . Não tem mesmo hora pra "essas coisas".

2 comentários:

Mariazita disse...

Meu caro Francisco
É sempre um prazer enorme vir aqui "beber" as suas palavras!
Esta crónica está espectacular.
Uma descrição perfeita das pessoas já não muito novas, fazendo as suas caminhadas, observando, como só elas sabem fazer, o mundo em seu redor.
Parabéns, e obrigada por me proporcionar um momento tão boito.
Beijinhos
Mariazita

Jacinta Dantas disse...

Ei Francisco,
fico contente com seus comentários tão certeiros lá no florescer. De fato, nas duas últimas postagens, transcrevo os sentimentos que tenho diante da sujeira que jogam nas águas que correm por perto de onde moro. E, quanto a dieta, também é uma questão que precisa ser enfrentada.
Abração