Se Depois do Vendaval, evidentemente, não é o maior filme de John Ford, mesmo, talvez, entre os não-"westerns", é, sem dúvida, o mais encantador de todos os que realizou. E me arrisco a considerar que foi o que lhe proporcionou a maior satisfação, o que lhe deu mais alegria ao dirigi-lo. Se penso assim é porque esse filme, cuja fonte é o romance homônimo do irlandês Maurice Walsh, que Ford sonhou por muitos anos em transportá-lo para a tela, ensejava ao cineasta um encontro nostálgico e sentimental com a Irlanda dos seus pais; não a Irlanda convulsionada pela luta política de O Delator ("The Informer"/1935) e Horas Amargas ("The Plough and the Stars"/1936), mas a dos costumes arraigados, das belas paisagens, das canções românticas e humorísticas, da humanidade dos seus nativos. Esse o aspecto da terra dos seus ancestrais que Ford queria abordar, e, para que esse contato fosse o mais estreito e genuíno possível, ele foi filmar no próprio local. E o regresso de Sean Thornton (John Wayne) à sua terra, de onde emigrara para a América ainda criança, é como se também fosse o regresso do diretor. (Aliás, como chamaram a atenção os críticos Moniz Vianna e Francisco Luiz de Almeida Salles, o prenome do personagem e do diretor é o mesmo, pois o nome de batismo de Ford é Sean O'Fienne.)
O encanto, a graça, o humor não são obscurecidos mesmo nos momentos de hostilidade entre Sean e o cunhado Will Danaher (Victor McLaglen). Nem na divergência entre Sean e Mary Kate Danaher (Maureen O'Hara), por causa do dote que é negado a ela pelo irmão, ao se casar. Enquanto não receber tudo a que tem direito, ela será uma esposa dedicada apenas à administração da casa e aos cuidados com o marido. Essa obstinação de Mary Kate é um componente da personalidade do herói fordiano - a forte determinação em lutar para alcançar algum objetivo. Por outro lado, a atitude do marido em não dar importância à posição da sua mulher configura outra divergência (talvez fosse melhor dizer um choque), essa de natureza cultural, entre a terra onde ele nasceu e a em que morou durante muitos anos.
Na verdade, só há um momento dramático em todo o filme: quando Sean, derrubado por um soco de Will, na recepção após o casamento, relembra, num rápido "flashback", a morte do adversário na luta de boxe. A diferença entre essa curta cena e as demais é pontuada pelo realce do vermelho. Até na longa briga entre os dois homens, uma das seqüências antológicas do cinema, a violência é quase obscurecida pelo humor que aparece em certos detalhes, como quando o velho Tobin (Francis Ford, irmão de John), já moribundo, de repente, ao ouvir o rumor da briga, salta da cama e deixa a casa para não perder o "espetáculo".
Entre tantos personagens marcantes de Depois do Vendaval, Michaleen Oge Flynn (Barry Fitzgerald em soberba atuação) é o mais atraente. Casamenteiro por profissão, grande apreciador de um trago, a sua presença torna-se o elemento principal na deflagração do humor no filme por suas tiradas engraçadíssimas.
O final concentra praticamente todo o elenco ao ar livre, em seguida à passagem da carroça de Michaleen conduzindo o casal de namorados Will e a viúva Sarah Tillane (Mildred Natwich). Ao aplaudirem o casal, alguns fazem acenos com a mão e uma atriz faz uma curvatura, erguendo de leve o vestido. O gesto deles passa a impressão de que também estejam saudando o espectador, ao término de uma representação teatral. È quando Mary Kate diz algo ao ouvido de Sean, que faz um aceno positivo com a cabeça e solta uma vara que tinha na mão, ela se afasta em direção à casa, seguida pelo marido. (Não é preciso ser muito arguto para se entender o significado da cena.) Logo em seguida aparece o THE END, encerrando um filme, em que a direção, o roteiro, o enredo, o elenco, a fotografia e a música se aliam perfeitamente para deixar o espectador muito próximo do êxtase depois de vê-lo.
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