Em 1970, quando vivia em Londres, ao abrigo da perseguição da ditadura militar, Caetano compôs a música "Como Dois e Dois" e a enviou para Roberto Carlos. Lançada no ano seguinte, a composição fez muito sucesso, como também o elepê do qual fazia parte. Além da sua qualidade, como quase tudo que Caetano fez, da boa interpretação de Roberto Carlos, suspeito que o sucesso de "Como Dois e Dois" se deveu também a uma frase da letra que dizia "tudo certo, como dois e dois são cinco". Os mais intelectualmente dotados perceberam na frase (não só nela, como em toda a letra, mas especialmente nela)) uma crítica à situação do país naquele momento, cujo ditador era Médici, o mais sanguinário entre os seus pares que estiveram no poder. Já os menos dotados não compreenderam aquela frase, ou não a levando a sério, ou se indignando pelo fato de que ela que subvertia uma verdade matemática.
Mal sabiam eles, inclusive creio que os que compreenderam o seu significado, que Machado de Assis já usara a frase em uma crônica de 15 de março de 1896 (W. M. Jackson Inc. EDITORES/1962). Setenta e quatro anos antes, portanto, do compositor baiano. Em suas crônicas, Machado falava de mais de um assunto, às vezes até quatro assuntos. Nessa, justamente, ele dizia que o fato de não terminar um texto com o tema que o iniciara levava os "inábeis" a pensar "que falta ao escritor lógica ou convicção, quando o que unicamente não há é tempo de fazer outro artigo". E acrescenta: "No meio ou no fim, percebe ele que começou por um dado errado, mas o tempo exige trabalho, o editor também, e não há senão concluir que dous e dous são cinco".
Quase caio das nuvens ao ler isso há poucos dias, o que, para Machado, é melhor do que cair de um terceiro andar. E me veio a suspeita de que Caetano fora buscar no nosso maior escritor a frase de sua composição. Ele devia conhecer a crônica. Ou ter ouvido de alguém que a lera. Penso assim porque é Machado o seu escritor preferido da literatura brasileira. Bom, pelo menos o era na década de 1990, quando revelou isso em uma entrevista à Folha de São Paulo. Revelação que me deixou surpreso, porque supunha que o seu eleito fosse Guimarães Rosa, ou, quem sabe, Oswald de Andrade.
Quando surgiu "Como Dois e Dois", de imediato me veio à lembrança uma aula de Física nos meus tempos de estudante em Fortaleza. O professor já havia terminado de expor a matéria, e ficou conversando com os alunos, aguardando o soar da sirene para deixar a classe. Ele era muito alvo, pequenininho quase como um anão de Velazquez (assim se referia Nelson Rodrigues nos seus escritos a alguém de estatura muito baixa), meio gaiato, sempre fazendo suas piadinhas. Boa gente e competente. Se não tiver morrido, está aí beirando os noventa.Foi quando um colega lhe perguntou se era verdade que dois mais dois não eram quatro, como ele lera ou ouvira alguém dizer, não me lembro com precisão. O professor respondeu afirmativamente e disse que iria prová-lo. Foi para o quadro-negro, pegou do giz e começou a sua "aula". Devem ter se passado uns dez minutos, o quadro-negro foi se atulhando de números e fórmulas. Enquanto isso, todos nós o acompanhávamos com atenção e já ansiosos na expectativa de saber o resultado de dois mais dois. Não deixara um só instante de falar, dando explicação para cada detalhe do seu trabalho. Quando concluiu, o que vimos ali no quadro-negro quase cheio foi que dois e dois são... são.... são... TRÊS. Pois é.
Um comentário:
Eu, como uma grande parte dos portugueses, conheço muito bem a música de Caetano Veloso, e, logicamente...Robeto Carlos.
Mas não mais do que isso; não faço a mínima ideia de quais as suas preferências literárias...
É também conhecida a frase "dois e dois são cinco".
Ignorava é que o autor fosse o grande Machado de Assis, de quem tanto gosto.
Conta esta (2+2=5) 1que o teu professor desmentiu, provando que, afinal...são 3!
Grande professor!!!
Beijinhos
Mariazita
Postar um comentário