terça-feira, outubro 07, 2008

HOMENAGEANDO MANUEL BANDEIRA


Foto do sítio www.overmundo.com.br/
Neste ano dos centenários de morte e de nascimento de Machado de Assis e Guimarães Rosa, completam-se ainda, no próximo dia 13, os 40 anos do falecimento de Manuel Bandeira (1886-1968) . Pernambuco de Recife, Bandeira, além de poeta (um dos maiores da língua portuguesa), foi também cronista, crítico de arte e literatura e tradutor. Como uma homenagem à data, este espaço é hoje ocupado por um texto dele. Não um poema, mas uma crônica, uma saborosa crônica em que ele exercita o humor, uma das facetas do seu temperamento, como atestam os que o conheceram. Ei-la.
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FRASES
Dos vendedores ambulantes que freqüentavam a Rua da União, dois me interessavam particularmente: a preta das bananas, com o seu vistoso xale de pano da Costa, e o homem dos sapatos. Este chegava com o seu grande baú de folha-de-flandres, abria-o na saleta de entrada e ficava esperando pela freguesia, que eram as senhoras de casa e da vizinhança. Eu gostava de olhar aquela confusão de borzeguins, chinelas e sapatos rasos. Mas, um dia o sujeito, que era robusto e falava grosso, me interpelou: Já vai ao colégio? Estuda Geografia? Qual é a Capital do Espírito Santo?
Embatuquei, e o sapateiro tripudiou: - Ignora?
O que eu esperava, o que eu ouvia dizer em tais ocasiões era - "Não sabe?" Aquele "ignora", que eu jamais ouvira, soou-me duro. Senti-me insultado, afastei-me do baú, nunca mais me aproximei do homem. E até hoje implico com esse inocente verbo "ignorar", sobretudo no singular do presente do indicativo.
Outro dia foi meu tio Antonico que me surpreendeu, dizendo ao amigo Fiúza:
- Quando você ia colher os cajus, eu já voltava com as castanhas!
Surpresa maior, porém, foi o que disse à minha avó uma sua amiga, ouvindo-lhe queixas de achaques que não cediam aos remédios.
- Minha Dona França, deixe a natureza obrar!
Essas foram frases ouvidas na infância e então me soaram insólitas e inexplicáveis. Adulto, ouvi outras, sem nenhum mistério, mas igualmente surpreendentes. Assim, a de uma dessas pretinhas de Copacabana, cabelizadas e maquiladas, que tratava emprego com a senhora:
- A que horas a senhora janta?
- Às oito horas.
- Não pode ser às sete?
- Quem marca o horário das refeições em minha casa sou eu, não a cozinheira.
A pretinha então, muito gentil:
- Claro, não leve a mal que eu pergunte: não vê que eu sou mulher da vida e tenho de noite o meu trabalho lá fora?
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- Crônica extraída do livro "Colóquio Unilateralmente Sentimental" (Distribuidora Record/1968).


2 comentários:

Mariazita disse...

Deliciosa, esta crónica de Manuel Bandeira.
Conheço alguma coisa (não tanta como gostaria) da obra desses grandes escritores/poetas Machadao de Assis e Guimarães Rosa, e também Manuel Bandeira. Textos e poemas que me mandam amigas e amigos brasileiros.
Gostei muito.
E, como não conhecia...obrigada!
Beijinhos
Mariazita

tb disse...

Meu caro Sobreira: como é delicioso vir aqui à sua casota colher o perfume das boas escolhas que faz sejam suas, sejam de grandes artistas.
Agradeço por isso, deixando um grande abraço afectuoso