Com a eclosão da Segunda Guerra, Jean Renoir mudou-se para os Estados Unidos. Ao contrário de seus compatriotas René Clair e Julien Duvivier, sua experiência americana não foi bem-sucedida. Talvez por ser o mais francês dos diretores, na afirmação de Georges Sadoul, ele não tenha conseguido se adaptar à cultura daquele país, nem ao processo de produção de filmes em Hollywood. Ele só voltaria ao cinema europeu, não na França, mas na Itália, com "A Carruagem de Ouro", e entre este e seu último filme americano, realizou, na Índia, "The River", que Andrè Bazin alçou à altura de obra-prima.
Pelo que se depreende do depoimento de Renoir nos Extras do DVD, a peça "Le Carrose de Saint Sacrement", de Prosper Mérimée, serviu, digamos, apenas como um ponto de partida para a concepção de "A Carruagem de Ouro". Na verdade, um amante do teatro, Renoir foi movido pelo propósito de prestar uma homenagem à "Commedia dell' Arte", um popularíssimo gênero teatral originário da Itália. Ele pretendeu fazer um filme que absorvesse o espírito do gênero, isto é, que a trama tivesse que se despojar de qualquer resquício de realismo, ou naturalismo. E além disso, eliminasse a fronteira entre o que se passa no palco e na realidade - realidade aqui no sentido da trama do filme. Quer dizer: que as apresentações realizadas pela trupe italiana que vai parar numa colônia espanhola (não identificada) na América do Sul se confundissem com a história (realidade) do filme. É o que ocorre com Colombina (Anna Magnani) no palco e, fora deste, Camila, cortejada por três homens: o Vice-Rei (Duncan Lamont), que lhe presenteia a carruagem de ouro que mandara buscar na Itália e transportada no mesmo navio em que Camila viera; o oficial espanhol Felipe (Paul Campbell), que a acompanhara na excursão, e o toureiro Ramon (Riccardo Rioli). No envolvimento com este, aliás, há um momento em que Camila passa de atriz para espectadora. Uma cena de belo efeito cinematográfico, iniciada com um "close" do rosto dela, seguida por um "traveling" que vai até à arena.
Por falar em Anna Magnani, não se pode deixar de relevar o desafio de Renoir ao escolhê-la para viver um personagem tão diverso, até mesmo antagônico, dos que ela interpretara até então. E devido à natureza do seu personagem, La Magnani contém certos excessos que marcaram os seus desempenhos, a despeito do seu inquestionável talento interpretativo. Ela, inclusive, teve que aprender inglês (o filme tem uma versão nesse idioma, que é a deste disco, com vistas a atingir o mercado anglo-americano), porque Renoir pretendia que o inglês falado pela atriz, impurificado pelo forte acento italiano, tivesse um efeito expressivo, confrontado com o dos intérpretes nativos da Inglaterra, que compõem a maioria do elenco.
Com uma carreira iniciada ainda no cinema mudo, apenas pela segunda vez Renoir fazia uso da cor, sendo a primeira no já mencionado "The River". E ela constitui-se em um elemento fundamental no resultado do filme. Contando com a colaboração valiosa do fotógrafo e seu sobrinho Claude (com quem trabalhou em tantos filmes), o diretor empenhou-se em que a cor casasse perfeitamente com o cenário, os figurinos e a iluminação. Há outro importante colaborador, e, como diz Renoir em tom de "blague", é do tipo que não dá problema, que concorda com o realizador em tudo, pois já não está neste mundo. Trata-se de Vivaldi, que com seu peculiar estilo musical contribui para que o filme tenha a leveza de outros tantos do diretor.
Pelas qualidades artísticas e pela atração do enredo, "A Carruagem de Ouro" talvez seja o filme em que Renoir tenha conseguido promover a união dessas duas categorias geralmente inconciliáveis, ou seja, a crítica e o público.
Um comentário:
Amigo, já tenho três textos seus aqui, por ler. Hoje não tenho cabeça. Acabei a empreitada e postei os 25 textos que foram enviados em resposta ao desafio do Jogo das 12 Palavras. Quando o amigo quiser e puder tem lá muito que ler. Eu voltarei para ler, hoje necessito descansar os olhos.
Que tudo esteja bem com o amigo.
Fraterno abraço
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