quarta-feira, abril 02, 2008

UM EPISÓDIO NA DITADURA MILITAR

Este artigo foi aqui publicado em 13.06.06. Sai pela segunda vez, na ocasião em que, há 44 anos, estava se iniciando a implantação da ditadura militar no Brasil, um terrível pesadelo que durou mais de 20 anos.
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Há poucos dias Moacy Cirne comentou, no seu Balaio Vermelho, que chegou a ser caçado pelas forças da repressão da ditadura militar, um dos períodos que mais mancharam a história do Brasil no decurso de mais de vinte anos. Felizmente, o nosso amigo não chegou a ser preso e torturado, pelo menos não tenho informação disso. Já outros amigos e conhecidos meus não tiveram a mesma sorte, e um ou outro pagou com o sacrifício da própria vida o fato de contestar o regime militar. Comigo não houve problemas, até porque não dei motivos para tal, o que não quer dizer que fosse favorável à presença daqueles milicos no poder. Evidente que não concordava com toda aquela situação pela qual o país estava passando, discutia-a com os amigos, mas tive o cuidado de não me expor demais, principalmente quando escrevia nos jornais. Sobre cinema. Apesar dos meus cuidados, houve uma vez em que, por um triz, não fui preso. É um episódio que jamais me saiu da cabeça.
Foi assim. Num certo dia, em 1972 (no governo de Médici, o mais sanguinário de todos), precisei ir a Fortaleza, para tratar de um negócio. O ônibus saía à meia-noite. A viagem seguia tranqüila, mas aí pela metade do percurso, de repente o ônibus parou. Era no meio da estrada escura, o que já causou estranheza nos passageiros. O ônibus, pois, pára, as luzes se acendem e, então, surgem dois homens, com toda a pinta de agentes policiais. Ficam por alguns segundos em pé, à frente da porta que dá acesso ao posto do motorista, e, com os olhos, examinaram os viajantes. Logo em seguida um deles se afasta e vem diretamente para o lugar onde eu estava. Devia ser na terceira ou quarta fileira. Me pede a carteira de identidade e examina-a atentamente. Ao ver a fotografia, certamente, olha meu rosto com atenção. Por fim me devolve o documento, com um obrigado. Sem um pedido de desculpas. A mim e aos demais viajantes. Quando o ônibus se pôs de novo em movimento, as pessoas não tiravam os olhos de mim. Se não me falha a memória, alguém chegou a me perguntar o que eu fizera para ser submetido àquele incômodo exame. Mas se eu próprio não saberia dizer o motivo! Sem nenhuma dúvida, aqueles homens estavam à caça de alguém e me acharam parecido com ele.
No início eu disse que, por um triz, escapei de ser preso. O caso é que eu quase viajava sem a minha carteira de identidade. Durante o dia, no meu trabalho, tive que entregá-la à Seção de Pessoal, para uma atualização de dados na minha ficha funcional. Cheguei a alertar o colega que ia precisar do documento, pois iria viajar naquele mesmo dia. Ele prometeu devolvê-lo dentro de pouco tempo, mas o certo é que o expediente se encerrou e não o recebi de volta. Como a minha viagem era inadiável, mesmo preocupado, tinha que ir a Fortaleza. Mas aí por volta de umas oito horas da noite, eis que chega o colega à minha residência com a carteira de identidade.
Pelo que relatei, se estivesse sem ele, teria sido arrastado do ônibus, talvez tivesse ficado preso e até sido torturado. Talvez nem estivesse contando aqui esse episódio de uma época que, só os que a viveram, sabem dos seus inúmeros e enormes malefícios.

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