Horácio Paiva ( Brasil, Rio Grande do Norte, 1945 - )
Mãe
devo-te este poema
que sempre
seguirei querendo escrever
esperei fazê-lo
em toda a minha vida
esperei o sol
e a lua
e ambos passaram
e voltaram
com palavras mudas
douradas e
pálidas
versos
trouxeram-me as estrelas
o mar
e os rios
versos que devolvi
aos livros
e ao tempo
que os prendia
Mas o teu poema
estava sempre
aquém e além do tempo
e a voz para escrevê-lo
não me pertencia
mas vi-o
em teu ventre
onde vi nascerem
as dimensões da vida
e as dimensões
de Deus
e se o amor triunfa
em caminhos infinitos
não pode haver começo
ou fim
para o teu poema.
POEMA À MÃE
Eugênio de Andrade (Portugal, 1923-2005)
No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe.
Tudo porque jã não sou
o menino adormecido
no fundo dos teus olhos.
Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.
Por isso, às vezes. as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelo.
Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha - queres ouvir-me? -
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura
ainda ouço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal.
Mas - tu sabes - a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.
Boa noite. Eu vou com as aves.
Um comentário:
Olá Sobreira, voltei para estrear seu comentátio do blogspot e dizer que seu filho checou hoje às minhas mãos e que prometo cuidar muito bem dele, admirá-lo com olhos de lua e decifrá-lo com alma de poeta. Muito obrigada!
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