quarta-feira, maio 10, 2006

FLORES PARTIDAS (Broken Flowers/2005)


Iniciam-se os créditos e ouve-se o toque nas teclas de uma máquina de escrever. Em seguida, a primeira imagem: uma mão enfiando um envelope cor-de-rosa em uma coleta de correspondências. Assim começa "Flores Partidas", o melhor filme de Jim Jarmusch entre os que conheço dele ("Estranhos no Paraíso", "Daunbailó"). Um Jarmusch amadurecido e demonstrando uma simplicidade e uma sensibilidade, de que só os maiores cineastas são capazes. Sem indicação do remetente, nem assinatura, a carta é endereçada a Don Johnston (Bill Murray) e chegando-lhe às mãos no momento em que sua jovem amante Sherry (Julie Delpy) está dando o fora nele. A carta é de uma das inúmeras ex-namoradas de Don, comunicando-lhe que teve um filho com ele. Já com 19 anos, o rapaz saiu de casa para tentar encontrar o pai. Mas quem é a autora da carta? Impossível saber. Com uma forte resistência, Don é convencido pelo vizinho e amigo Winston (Jeffrey Wright) a elaborar uma lista das mulheres com as quais teve uma relação mais profunda. Com o auxílio do computador, Winston consegue localizar quatro ex-amantes Aconselhado pelo amigo, Don, a cada mulher que vai visitar, lhe leva um ramalhete de flores.
Encontra Laura (Sharon Stone), Dora (Frances Conroy), Carmen (Jessica Lange) e Penny (Tilda Swinton), esta a única que o recebe com hostilidade e Don sai de lá depois de ser agredido por um homem, cuja relação com a mulher não fica explícita. Mas Dora parece que o acolhe mais por cortesia. Ela dá a impressão de não estar à vontade com o antigo amante, principalmente quando o marido chega em casa, embora este não aparente nenhum desagrado com o visitante. Laura é a que demonstra mais satisfação com o aparecimento inesperado de Don (os dois chegam a dormir juntos). Viúva, tem úma filha, Lolita. Não só pelo nome, mas pela idade e uma desinibição de fundo sedutor (ela, que estava fazendo sala para Don, na ausência da mãe, vai ao quarto para atender a um telefonema e, ao voltar, está inteiramente despida), parece uma homenagem a Kubrick, que filmou, pela primeira vez, o romance de Nabokov. A mais curiosa é Carmen, que exerce a insólita profissão de comunicadora de animais. (Deve ser uma profissão que só existe no país de Bush e, talvez, aí, esteja uma crítica de Jarmush, também autor do roteiro, ao modo de vida americano). E, por uma estranha coincidência, o gato de Carmen tem o nome do amigo de Don.
Don volta para casa, sem nenhum indício de quem lhe escreveu. Apenas a presença da cor do envelope em todas as visitas que fez: o vestido de Lolita, o roupão de Laura, uma máquina de escrever e uma moto à frente da casa de Penny, os cartões que Dora usa para distribuir aos clientes. E ainda um celular na casa de Laura. E é a impossibilidade de descobrir a autora da carta, a dúvida de Don de que pode ter sido o próprio amigo que a escreveu, ou até a jovem amante que o abandonou (quando ele regressa, encontra uma lacônica carta dela, cujo envelope é tambem cor-de-rosa), o mistério que fica na cabeça do espectador, o grande achado do filme, o seu elemento de sedução.
Mas o filme vai um pouco além disso. De repente, Don sente o interesse de conhecer aquele filho, que talvez não exista. Num gesto patético, ele chega a perguntar a um jovem andarilho, a quem já vira no aeroporto e aparece repentinamente na sua cidade, depois de o alimentar e de terem uma breve conversa , se não é filho dele. O rapaz, sem compreender a pergunta, o chama de louco e sai em disparada. Quase em desespero, Don corre para alcançá-lo e, provavelmente, esclarecer o motivo da pergunta, mas não o encontra. Ele pará no meio da rua, pensativo. E aí ocorre o grande momento da narrativa de "Flores Partidas": uma bela panorâmica, que parece saída de um filme de Hitchcock, desliza sobre Don. Em seguida, um outro rapaz, passa num carro e olha fixamente para ele. Depois de o carro passar, ele observa a placa , em seguida a câmera pega um close do rosto do personagem. E o filme termina, deixando a sensação de que Don vai tentar encontrar aquele rapaz, que pode estar à procura do pai.
Não poderia terminar este comentário sem mencionar a grande atuação de Bill Murray. Ele está tão bem, ou melhor, quanto esteve em "Encontros e Desencontros", o belo filme de Sofia Coppola. Sisudo, e revelando uma permanente expressão irônica, à qual se junta, às vezes, um ar de tédio, mesmo quando provocado por um elemento erótico (a nudez de Lolita, as coxas da secretária de Carmen) Murray prova que é , hoje, um dos grandes atores do cinema.

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