sábado, maio 27, 2006

DESENCANTO (Brief Encounter/1945)


Quando se lembra do diretor inglês David Lean (1908-1991), a crítica atual, via de regra, refere-se aos seus filmes "espetaculares" ("A Ponte do Rio Kway", "Lawrence da Arábia", "Doutor Jivago") . Não é que faltem algumas qualidades a essas superproduções, principalmente, no caso de "Lawrence da Arábia", o seu esplendor plástico-visual, embora o filme seja um tanto prejudicado pelo exibicionismo de Peter O' Toole. Mas pouco ou nada se fala da produção de Lean na década de 1940, quando ele realizou os seus melhores filmes: "Oliver Twist" , "Grandes Esperanças"e "Desencanto". O último é a obra-prima do diretor e um dos grandos momentos do cinema.
O breve caso de amor entre Laura Jesson (Celia Johnson) e o médico Alec Harvey (Trevor Howard) é uma dessas histórias de amor, que, graças ao inspirado roteiro de Noel Coward e à ão brilhante direção de Lean, conquistam o espectador sensível, mas jamais pela via do sentimentalismo e do melodrama. Pode-se classificar esse breve romance como um caso de adolescentes (veja-se como eles se divertem com a exibição da desajeitada musicista), embora os seus protagonistas estejam na faixa dos trinta anos. Um amor breve, porque não seria possível para uma mulher relativamente bem-casada, apesar da rotina do casamento, e um homem (cuja esposa jamais aparece, o que, a meu ver, é um grande achado do roteiro) que ambiciona vôos mais altos na sua profissão, ao concretizar o sonho de se transferir para a África do Sul.
O romance é narrado por Laura, como se o fizesse para o marido, entretido em fazer palavras cruzadas. E curioso é que a palavra que ele não consegue decifrar, e recorre à esposa, porque ela gosta de poesia, seja justamente a palavra "romance", que faz alusão a uns versos de Keats.
Laura sente remorso por estar vivendo uma situação que acreditava não poderia acontecer com pessoas simples, como ela. Não esquece o presente de aniversário do marido e fica aflita uma noite ao voltar para casa e encontrar um dos filhos na cama, vítima de um atropelamento. A consciência de que está cometendo um pecado é sublinhada pela presença de um membro da Igreja, que ocupa o mesmo vagão que ela, e lhe dá um sorriso, que lhe parece irônico, deixando-a com a sensação de que ele sabe dos seus encontros amorosos.
Interessante o fato de, paralela ao romance de Alec e Laura, ocorrer uma ligação entre o agente ferroviário e a encarregada do café da estação. Contendo lances de humor (numa cena, por exemplo, em que ela está curvada, ele chega, sorrateiro, e lhe desfecha um tapa na bunda) , essa ligação serve de contraponto para a outra. E tudo indica que logrará o êxito que não teve a de Alec e Laura.
Além da qualidade da direção, do roteiro, da atuação dos atores (sobretudo Celia Johnson e Trevor Howard) , "Desencanto" conta ainda com a fotografia de Robert Krasker (o mesmo de "O Terceiro Homem") e o belo Concerto número 2 para piano de Rachmaninoff, a embalar essa história de amor, que, apesar de curta, trouxe momentos de felicidade para os dois amantes.

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