terça-feira, março 21, 2006

AUTÓGRAFOS


Em toda a minha vida, que já vai se aproximando da chamada terceira idade, obtive apenas três autógrafos de pessoas famosas. Das três, uma gozava de muita fama (desde os anos 1960), as outras foram (uma ainda vive) bem menos agraciadas pelo aplauso público. Tive, mais do que o autógrafo, a dádiva de receber um livro de Jorge Amado, em cuja página em branco ele fez uma rápida apreciação do meu primeiro livro. Mas, autógrafo com a pessoa "de corpo presente" , só essas três.
O primeiro foi de Glauce Rocha. Aqueles que são de gerações anteriores à minha talvez não tenham ouvido falar dessa grande atriz que atuou no cinema (Terra em Transe, de Glauber Rocha, entre muitos outros filmes), no teatro e, menos , na televisão. Eu a vi duas vezes no palco, uma em Natal e a outra em Fortaleza, onde passava a lua-de-mel. Foi em Fortaleza que colhi o seu autógrafo. Ela apresentava um monólogo, Um Uísque para o Rei Saul, se não me falha a memória. Depois do espetáculo, acompanhado da esposa, fui para um local do teatro, onde ela estava recebendo os cumprimentos de alguns espectadores. Ao chegar a minha vez, disse àquela mulher alta, simpática e suave, que não chegava a ter um rosto bonito, que a tinha visto em Natal. Ela elogiou a cidade e eu lhe pedi o autógrafo, que ela concedeu no próprio programa da peça. (Desgraçadamente, perdi esse papel.) Alguns meses depois ela morreria de um ataque cardíaco, com apenas 41 anos.
O segundo autógrafo ocorreu também em Fortaleza, onde estava residindo. Foi de Sérgio Ricardo, compositor (é autor e intérprete das canções de Deus e o Diabo na Terra do Sol), cantor e cineasta. Ele estava em Fortaleza para uma apresentação e um veterano cineclubista local promoveu, em sua residência, um encontro dele com alguns intelectuais. Fui um dos convidados. Depois de muita conversa (onde não podia faltar o assunto de censura, estávamos no governo de Médici), bebida e comida, me levantei, fui ao encontro de Sérgio Ricardo, com o seu último elepê, cuja capa mostrava o compositor com um esparadrapo tapando a boca. Lhe perguntei se ele ´conhecia aquele disco. Ele deu uma olhada e, sorrindo, respondeu "é. eu já andei vendo ele pelas lojas". Pedi que o autografasse. De caneta, emprestada por alguém, perguntou o meu nome e por alguns segundos ficou buscando palavras que não dissessem aquele seco "um abraço". Um dos presentes , talvez percebendo isso, foi em seu socorro e lhe disse que eu era "um dos bons contistas do Ceará". Ele disse, ah, é? e , de imediato, escreveu: "Ao Sobreira, de um modesto 'contista' musical, com um abraço". (a) Sérgio Ricardo.
Foi de Nara Leão, uma das minhas cantoras preferidas, o terceiro autógrafo. Aí foi em Natal, para onde tinha regressado. Ela ia se apresentar no Teatro Alberto Maranhão e fui vê-la, carregando ,não um violão, como diz uma de suas músicas, mas o seu último disco, Nasci para Bailar. Nara está linda, envolta por um véu. Quando cheguei, vencendo uma crônica timidez, perto daqueae mulher que admirava , acima de tudo, pela coragem em desafiar a ditadura militar, foi quase como se estivesse diante de uma Deusa. Ela foi muito simpática. Ao sorrir, mostrou os dentes ressaídos, que lhe tirava um pouco da graça e da simpatia que inspirava. Ao lhe dizer o meu nome, ela informou que tinha um filho também chamado Francisco. (Na verdade, eu já sabia disso, porque no filme Chuvas de Verão, de Cacá Diegues, então marido de Nara, ele o dedica aos seus filhos Francisco e Isabel . Não tenho bem certeza se é esse o nome da filha.) Saí do teatro nas nuvens: tinha conhecido Nara, trocando umas poucas palavras com ela e ganhara o seu autógrafo, que até hoje guardo com o maior carinho. Dias depois, encontrei um amigo que me disse que, na sua estada em Natal, Nara tivera um problema de saúde. Deve ter sido o mesmo que o levou à morte poucos anos depois. Glauce e Nara, que a terra lhes seja leve.

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