sábado, março 25, 2006

AGATHA CHRISTIE & CLARICE LISPECTOR

Em 1940, enquanto Londres era atingida por bombardeios da aviação alemã, Agatha Christie escrevia Curtain, que, no Brasil, recebeu o título de "Cai o Pano" (Nova Fronteira/2005). Nesse romance, Agatha Christie decidiu que o detetive Hercule Poirot deveria morrer. Segundo informa Carlos Augusto Lacerda, apresentador do livro, ela temia morrer com aquele bombardeamento intenso e não queria que o personagem, tão bem criado por ela, viesse a ser utilizado por outros escritores do gênero policial. "Cai o Pano", pois, marca a despedida de Poirot, mas esse é apenas um dado a mais para se ler esse que é um dos melhores trabalhos da grande dama do crime.
Poirot aparece muito debilitado, preso a uma cadeira de rodas, mas com o cérebro funcionando em perfeitas condições. A história é narrada pelo capitão Hastings, amigo e colaborador do detetive. Não me lembro de ter lido algum livro em que esse personagem fizesse parte da trama, mas, pelo que se deduz do que ele diz, isso ocorreu. E talvez tivesse sido uma espécie de Doutor Watson para Poirot. Desenrolado num hotel de uma cidadezinha inglesa, o enredo, como sempre ocorre com os livros de Christie, tem muitos personagens e alguns deles são um exercício para o leitor descobrir quem é o autor do assassinato da esposa de um médico. Poirot aparece pouco na trama, , sempre conversando com Hastings, com uma ou outra exceção. E como sempre acontece nos livros da autora, a trama é bem urdida, até se descobrir quem foi o autor do crime. E, interessante, é a maneira como Christie criou esse criminoso. Não vou entrar em detalhes, para não estragar a surpresa de quem estiver interessado em ler o livro. Só digo que não foi ele que cometeu o crime, como, aliás, ocorreu, anteriormente, com cinco outros homicídios, nos quais ele teve participação.
É, digamos, o "autor intelectual", mas o faz de uma maneira (que não vou dizer) que leva uma pessoa a cometer o assassinato. É uma bela sacada da autora, que reserva ainda uma surpresa com relação a Poirot, inimaginável num homem que está do lado da lei.
Como se não bastasse a qualidade de "Cai o Pano", existe um outro elemento que torna a sua leitura indispensável. É que a tradução é de ninguem menos do que Clarice Lispector. Sim, Clarice Lispector. Quando soube disso, há cerca de um mês, fiquei num pé e noutro para adquirir o livro, movido pela curiosidade de ler um livro de Agatha Christie traduzido por Clarice. (Além, é claro, de ser um fã de carteirinha da autora inglesa.) Foi na década de 1970 que Clarize traduziu "Cai o Pano". Conforme diz o apresentador, naquele período, até sua morte em 1977, Clarice exerceu intensamente essa atividade (certamente por razões financeiras), chegando a tradizor uma média de 3 livros por ano.
E, pelo visto, ela gostou do livro. Eis o que ela disse, num depoimento: "Prazer engraçado tive ao traduzir um livro de Agatha Christie. Em vez de lê-lo antes no original, como sempre faço, fui lendo à medida que ia traduzindo. Era um romance policial e eu não sabia quem era o criminoso, e traduzi com a maior pressa, pois não suportava a tensão da curiosidade". Pois é, Agatha Christie e Clarice Lispector reunidas num mesmo livro. Duas grandes escritoras, cada uma naquilo se propôs a fazer, com o seu próprio universo, com sua maneira de ver o mundo, com o seu estilo.

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