domingo, setembro 18, 2005

A QUEDA - As Últimas Horas de Hitler


A Queda (Der Untergang/2004), começa e termina com um curto depoimento de Traudl Junge, que foi a secretária de Hitler, ainda viva à época das filmagens, no qual ela faz um mea culpa sobre o seu envolvimento com o denominado Terceiro Reich. Às suas´palavras iniciais se segue a cena da sua chegada, juntamente com três jovens, a um quartel localizado na Prússia, no meio de uma floresta, onde está Adolf Hitler. As quatro vão se submeter a um teste com o Fuhrer, que irá escolher uma delas para ser sua secretária. Ainda do lado de fora, o rosto de Traudl Junge (Alexandra Maria Lara) é iluminado por um holofote. Esse detalhe, reforçado pelo depoimento de Traudl, revela a importância que o filme dá à sua pessoa, que só é inferior à do próprio Hitler. De fato, quando a ação de A Queda se instala no bunker em Berlim, onde Hitler está refugiado em abril de 1945, a presença de Traudl é constante. Às vezes com o seu patrão, ela é uma testemunha e uma observadora das últimas horas dele e de seu império, com a invasão das tropas russas. Ela manifesta simpatia por Hitler (Bruno Ganz, numa notável interpretação , em que, dentre outro méritos, há o de ter absorvido o sotaque de Hitler e o tremor da mão esquerda, provocado pelo Mal de Parkinson) numa conversa rápida que tem com Eva Braun (Juliane Kohller). Ela fala da diferença que existe entre Hitler no contato com ela e o homem que diz palavras agressivas a seus oficiais. Ao que Eva retruca que ele só age deste modo quando está na condição de Fuhrer.
Esse comportamento de Hitler com a secretária é mostrado já no teste de datilografia a que ela é submetido. Ele se mostra cordial, chega a fazer uma piada sobre a inteligência de sua cadela, superior, segundo ele, à de alguns dos seus generais. E quando ela fica apavorada por cometer um erro na carta que lhe está sendo ditada, Hitler age com delicadeza, dizendo que essas coisas acontecem e pede que ela retome o teste. Ela, inclusve, é merecedora de um gesto afetuoso de Hitler, na cena em que ele mostra a Eva Braun a droga que os matará. Pede a mesma droga a ele e Hitler apanha-a na gaveta de um móvel, leva-a até ela, Com um afago na mão de Traudl, ele lhe entrega a droga e se lamenta por não poder dar a ela um presente valioso.
E aquele "monstro" tão conhecido, responsável pela morte de seis milhões de judeus, e aquele megalomaniaco que queria construir um novo mundo, é mostrado, algumas vezes, como um homem capaz de gestos afetuosos e delicados, como o afago num garoto , por sua coragem em conter a invasão russa.
Por essa forma de mostrar uma imagem mais humana de Adolf Hitler, A Queda desagradou a muitos espectadores e foi repudiado pela comunidade judaica. Mas o que ocorre é que o filme não pretendeu ser simpático à figura do Fuhrer. Ao lado desse lado humano de Hitler (é preciso mencionar, ainda, o fato de ele ser visto à mesa de refeições com seus auxiliares humildes, como a secretária e uma serviçal), o filme exibe também a sua figura de líder supremo do Terceiro Reich, agredindo e humilhando os seus liderados, a sua megalomania, o delírio de reverter uma derrota a poucas horas de se consumar, não faltando, inclusive, a manifestação do seu ódio aos judeus, numa conversa que ele tem com um dos oficiais. O que ocorre é que o filme evita o lugar-comum de todos os filmes sobre o nazismo, seja feito por cineastas do nível de Chaplin e de Lubitsch, ou por aqueles menores, ou inexpressivos, de expor ao ridículo a figura de Hitler. Isso A Queda não faz. Se em alguns momentos, o espectador, principalmente o da nova geração, pode ficar tentado a sentir uma certa compaixão de Hitler, na maioria das vezes a exposição de cenas de uma forte crueza, de violência, de destruição, não deixa dúvida quanto à confirmação de que ele foi responsável por um dos períodos mais negros da história da humanidade.
A Queda alterna cenas do interior do bunker (estas mais numerosas) com cenas externas, onde duas batalhas são travadas. Enquanto, externamente, observa-se o ataque das tropas russas às
portas de Berlim, lá dentro há a batalha íntima de Hitler, conferenciando com seus comandados, expondo planos que, talvez, nem ele mesmo acredite na sua eficácia, oficiais que tentam, sem sucesso, convencê-lo a deixar a cidade. O diretor Oliver Hirchbiegel, um jovem nascido em 1957, dirige muito bem esse seu terceiro filme feito para o cinema (tem vários trabalhos para a televisão). Mostra muita força e segurança. Apesar do impacto e da crueza de certas cenas, ele quase sempre emprega a elipse para sugerir o suicídio de pessoas. Dois exemplos: o suicídio duplo de Hitler e Eva e o daquele oficial que morre com a mulher e os filhos. Neste se vê o oficial manipulando duas granadas por baixo da mesa de refeições, há um corte para a fachada do prédio, a seguir a explosão e a boneca da filha menor caída no chão. Contando com um roteiro afiado de Bernd Elchinger, cujas fontes são a elogiada biografia de Hitler, escrita por Joachim Fest, e os livros da própria Traudl Junge e de Melissa Muller, ele realizou um filme que nos permite ficar na expectativa de suas próximas realizações.

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