terça-feira, fevereiro 08, 2005

O GRITO - Uma revisão


Foi em 1967 que vi O Grito (1957), de Antonioni. Revi-o há mais de mês, em DVD, quase quarenta anos depois. A afirmação de uma grande obra, uma das 4 ou 5 principais do cineasta italiano, permanece por esse longo transcurso de tempo, e, talvez, ela tenha se engrandecido ainda mais com o passar dos anos. De início, o que chama a atenção de O Grito é o fato de ser um homem do povo (um operário de uma fábrica) que passa por uma crise existencial, motivada pelo fim de um caso de amor, que o deixa entediado, abúlico, um vencido, por mais que tente buscar, com outra mulher, a libertação do seu sofrimento. Ele deixa a cidadezinha e o emprego, levando a filha pequena que tivera com a amante, e percorre parte da Itália, parando em lugares onde pouco se demora. Essa perambulação de pai e filha me fez lembrar a do pai e do filho em Ladrões de Bicicleta (1948), ambos os homens operários, só que são diferentes os motivos da busca de objetivo dos dois e a perambulação dos personagens de De Sica se circunscreve aos limites de Roma. Mas lá pela segunda metade do filme a garota retorna para a mãe, e o pai continua na busca desesperada de se fixar num lugar e num trabalho, em companhia de outra mulher.
O drama desse Aldo (interpretado pelo americano Steve Cochran, no melhor papel de sua carreira) transcorre durante a estação chuvosa e a presença de uma névoa quase constante (e captada com brilhantismo pela fotografia de Gianni di Venanzo) sublinha-o com perfeição. E como acontece nos filmes de Antonioni, é uma situação que o personagem não consegue superar, a não ser, no caso de O Grito, pelo sacrifício da própria vida. Em grande parte porque as mulheres que Aldo encontra não lhe podem dar o que ele busca, por serem pessoas que vivem outros dramas existenciais. É assim Elvia (Betsy Blair), é assim a proprietária do posto de gasolina, Virginia (Dorian Gray), que, além de vítima da solidão, ainda tem que conviver com o pai senil e alcoólatra. Assim é a prostituta (Lynn Shaw). O breve convívio com elas não lhe traz nenhum alívio (a não ser temporário), e só faz torná-lo cada vez mais dependente de Irma (Alida Valli, vivendo uma mulher do povo, desglamourizada, sem a fascinante beleza de outros filmes).
Na sequência final, quando Aldo, finalmente, resolve voltar para a cidadezinha, estabelece-se um contraste entre a situação vivida por ele, agravada pela descoberta de que Irma teve um filho com o homem pelo qual ela o abandonou, e a dos habitantes do lugarejo, que se unem para lutar contra a tentativa de instalação de uma pista de aviões. Aí o drama individual se choca com o problema coletivo e o filme revela uma faceta social. É talvez principalmente por esse detalhe que um ou outro crítico encontre vestígios do Neo-Realismo em O Grito. Já por outro lado, ao expor elementos que seriam aprofundados em A Aventura, A Noite e O Eclipse, há quem sugire que, com O Grito, Antonioni teria realizado, ao invés de uma trilogia, uma tetralogia sobre a crise existencial, localizada em diferentes classes sociais.

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