quarta-feira, fevereiro 16, 2005

CHAPLIN,. BRANDO, EISENSTEIN



Marlon Brando foi um gênio da interpretação. E o gênio tem um comportamento que não é o mesmo de uma pessoa comum, ainda que dotada de inteligência. Quem é da minha geração e acompanhou a sua carreira sabe, além dos problemas que ele teve na vida pessoal, daqueles causados nun set de filmagem. Discutia com os diretores sobre a maneira de filmar uma cena, interferia no roteiro e outras coisas mais. Mais de um diretor foi despedido de um filme por exigência dele. Quando foi ficando mais velho, e o seu prestígio foi gradativamente diminuindo (e demonstrando um certo enfado pela profissão, só aceitando trabalhar por muita grana), deixou de azucrinar a cabeça dos diretores. E atores com idade de serem seus filhos, como Mathew Broderick e Johnny Depp, chegaram a elogiar-lhe o comportamento quando trabalharam com ele.
Na década de 1960, Charles Chaplin teve a infeliz idéia de voltar ao cinema, quando todo mundo o julgava definitivamente aposentado, e cometeu um segundo erro: escolher Brando para fazer o par romântico com Sophia Loren. O filme era A Condessa de Hong Kong, que o genial comediógrafo jamais deveria ter feito. O relacionamento entre os dois foi o pior possível. Começou já quando Chaplin convidou Brando e Sophia a sua casa na Suiça, para ler-lhes o roteiro. Os fatos estão na biografia da atriz, Sophia, Vivendo e Amando, de A. E. Hotchner. Duz Sophia que Brando cochilou (ou fingiu) durante a leitura do roteiro. Ela ficou embaraçada com o comportamento do ator, apesar de achar que, aparentemente, Chaplin não deu a mínima para o fato. Um parêntese. Condenável a atitude de Brando. Por mais talento, fama e prestígio que tivesse, ele estava diante de um dos gênios do cinema. Em último caso, ele tinha a obrigação de respeitar a idade de Chaplin, já caminhando para os 80, com idade para ser seu pai.
O antagonismo entre os dois manifestou-se durante as filmagens. Não se entenderam nunca, viviam discutindo. O principal motivo era a forma de Chaplin dirigir. Ao contrário dos outros diretores, Chaplin preferia o método de demonstrar ao ator, assumindo-lhe o papel, como ele devia interpretar uma cena, ao invés de de dar-lhe orientações. (Sophia revela que De Sica usava o mesmo método.) Brando não o aceitava e chegou a declarar numa entrevista coletiva que "Charlie não gosta de falar. Às vezes as palavras são suas maiores inimigas".
O auge do desentendimente entre os dois se deu num incidente fora das filmagens. O episódio não é relatado no livro de Sophia: li-o num jornal, ou numa revista. Brando, um dia, flagrou Chaplin passando uma dura descompostura em um dos filhos menores. Não me lembro se o fato ocorreu durante um intervalo nas filmagens, ou se foi na casa de Chaplin. O certo é que Brando viu aquilo e, já irritado com o diretor, não gostou. No dia seguinte, chegou, propositadamente, bastante atrasado ao set, e, ao ser admoestado por Chaplin, lhe disse: "Não venha gritar comigo, que não sou seu filho". E nesse clima as filmagens chegaram ao fim, e quando o filme estreou, causou uma gigantesca decepção à crítica, além de se tornar um fiasco nas bilheterias. É possível que até Chaplin tenha se arrependido de tê-lo feito. Creio que apenas Sophia gostou, mais, no entanto, pela oportunidade de ter trabalhado com Chaplin, embora um Chaplin que há muito deixara de ser o grande artista que o mundo reverenciou.
A atitude de Chaplin com o filho pequeno me faz lembrar uma espantosa revelação feita pelo cineasta russo Serguei Eisenstein. Está no livro deste, Reflexões de um Cineasta. Eisenstein esteve nos Estados Unidos parte dos anos 1931-32, quando estabeleceu um íntimo convívio com Chaplin. Eles se admiravam muito e tornaram-se amigos, ao se conhecerem. Durante a permanência naquele país, Eisenstein foi convidado pela Paramount para filmar um certo livro do escritor Blaise Cendrars. Mas preferiu fazer uma adaptação de Uma Tragédia Americana, de Theodore Dreiser. A Paramount topou, mas esse projeto acabou não se realizando, pela incompatibilidade (que não era difícil de prever) entre a visão do russo e a dos chefões do estúdio sobre a adaptação. (Vinte anos depois, pela mesma Paramount, o livro seria levado à tela por George Stevens com o título de Um Lugar ao Sol, e Chaplin declarou, na época, que era o filme mais perfeito que ele já tinha visto.)
Um dia, estando os dois a bordo de um iate, Chaplin indaga a Eisenstein se ele se lembra de uma cena de A Rua, em que Carlitos joga para uns garotos grãos de milho destinados a galinhas. Eiseinstein responde que sim e Chaplin lhe faz esta incrível revelação: "Da minha parte é o desprezo. Não gosto de crianças". O russo fica chocado com o que acaba de ouvir. E se pergunta se não seria um "energúmeno" um homem não gostar de crianças, justamente o diretor de O Garoto, que, através desse filme, "fez chorar cinco sextas partes do globo pelo destino de um menino abandonado". E continua a se perguntar: "Qual o ser normal que não
gosta de criança"? É, Sr. Eisenstein, os gênios (e o sr foi um deles) têm dessas coisas.

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