domingo, março 14, 2010

UM MENINO ESCREVE UM LIVRO.


Foto via Google



Ele ainda brincava de criança e já escrevia relatos (crônicas? contos? as duas coisas?) que o pai mandou publicar em livro. Nunca me esqueci do título: "Sonhos e Conquistas". Li-o ao descobrir um exemplar no meio de antigos livros que mofavam na minha casa, mas, adolescente , ainda levaria muito tempo para adquirir a capacidade de avaliar um livro. Não tinha, evidentemente, valor literário, mas quem sabe um leitor arguto, sensível, não tivesse vislumbrado em alguns trechos a promessa de um futuro escritor? Promessa que jamais se cumpriria: o menino veio a tornar-se funcionário do Banco do Brasil, onde fez uma brilhante carreira. Dele mesmo, numa roda de pessoas em que eu estava presente, ouvi certa vez referir-se, de passagem, e de forma depreciativa, ao livro, deixando-me a impressão de que se arrependera de tê-lo escrito. Como se houvesse praticado uma má ação, cuja lembrança, talvez, o tivesse perseguido pelo resto da vida.
O pai é que sempre se orgulharia daquele feito do filho. E ainda hoje lhe dou razão. Um feito, sim, não importa a qualidade literária de "Sonhos e Conquistas", se levarmos em conta que o autor tinha apenas onze anos à época da publicação do livro, a qual coincidiu com o ano do meu nascimento. Com essa idade, nenhum dos grandes mestres da literatura mundial escreveu uma obra-prima. Com o dobro dela, ou mais, houve os que não foram tão bem sucedidos na estreia e um ou outro chegou até a renegar o seu primeiro livro. É verdade que há o exemplo da genialidade precoce de Rimbaud, mas mesmo ele despontou já perto dos vinte anos.
Maurício se chamava esse menino e era meu irmão. Já não está entre nós há quase nove anos.



14 comentários:

Moacy Cirne disse...

Um bom relato - de corte memorialístico (quando parecia ser uma crônica) -, meu caro, e que se revela maior enquanto narrativa (como literatura: síntese/surpresa) em seu final.

Abraços.

Jacinta Dantas disse...

Pois é Francisco. Penso que escrever é sempre bom, não importa a idade. Escrever, assim, sem se pré ocupar da qualidade literária, apenas por escrever. Ainda mais quando a escrita vem de uma criança. E, aqui, fico escutando sua narrativa e sinto um tom de admiração pelo Pai e o Menino.
Bom sentir isso.
Grande abraço e bom domingo.

PS: Estou um tanto ausente, sem visitar os amigos blogueiros. Uns probleminhas de saúde que já já vou resolvendo.

Jota Effe Esse disse...

Não devemos deixar de escrever porque achamos que nossa escrita não tem importância, outros podem pensar diferente.
PS - Tenho postado alguns textos no meu blog, mas não tenho recebido visitas. Acho que não soube passar o blog do computador anterior para o atual, uma vez que sou analfabaite. Será que alguém poderia me orientar como fazer isso? Desde já meu muito obrigado.

nina rizzi disse...

eu adoro memórias, sobreira, talvez porque jamais poderei me livrar delas: eu tenha uma memória invejável, é sabido. há um ditado que diz que o segredo da felicidade é uma memória curta. isso é balela.

ah, não resista :)

ps: ainda nao enviei o filme e o original pra sua neta, mas eu farei isso na quarta, evoé.. rsrs..

beijocheiro.

DILERMArtins disse...

Mas bah, Sobreira.
Também fui funci do BB, já estou aposentado...
Concordo com o Moacy, síntese e surpresa é uma receita infalível.
Que linda história nos contou hoje, é sempre muito bom lembrar fatos que nos marcaram.
Parabéns e obrigado por compartilhar.

. fina flor . disse...

ele devia, sim, ter comemorado!

publicar aos 11 anos não é para qualquer!!!

publique alguns trechos para nós, querido =]

beijos e boa semana

MM.

Dilberto L. Rosa disse...

Acompanho o "raciocínio analítico-literário" do Mestre Moacy... Mas, mais que isso, vi uma ode às boas iniciativas de se criarem situações perpétuas na vida de pessoas que se amam... Parabéns!

Claudinha ੴ disse...

Querido Sobreira...
São estes incentivos que se recebe em casa os responsáveis pelos grandes.
Lamento não ter conhecido Maurício e seu talento com as palavras, pois sou fã dos Sobreira, você sabe. Eu gostaria muito de publicar os inúmeros poemas de minha mãe. E me culpo pela vida corrida e atribulada que adia este feito. Seria , ao contrário, uma publicação na maturidade.
As crianças, como Maurício, têm um grande poder de mesclar inocência, sonho e criatividade. Eu mesma tenho meu caderno de contos, ou melhor de redações , que fiz aos 8 anos e você me estimulou a mostrar algumas coisinhas dele.
Obrigada por partilhar conosco este relato/crônica.
Um beijo!

B disse...

Aos 11 era de coragem o seu irmão.
Tal valor - depois inalcançável prá ele mesmo , depois que viu-se confortável nas coisas da sobrevivência.
Mas valor sim.
Um dia, se ainda o tiver, publique por aqui.
Uma referência-reverência.

Marco disse...

Olá, caro amigo Francisco. Estou voltando, devagarzinho, ao ambiente dos blogues. Ainda enrolado com o trabalho, mas podendo visitar os amigos e postar uma coisinha ou outra.
Gostei muito desta sua crônica. Pelo visto, o bem escrever é tradição na sua família. Acho fantástico que seu irmão tenha publicado aos 11 anos!
Um forte abraço.
Carpe Diem. Aproveite o dia e a vida.

Mariazita disse...

Querido Francisco
O destino não quis que o menino se tornasse escritor...
Acontece inúmeras vezes as crianças apontaram numa direcção que, mais terde, é completamente invertida.
Gostei do texto, e o final é surpreendente.

Beijinhos
Mariazita

Vanuza Pantaleão disse...

Oi, Francisco!
Há pouco, a ciência andou divulgando "as janelas" da mente das crianças e também dos idosos. São descobertas muito interessantes. Gostei de refletir sobre teu texto.
Abraços!

Luma Rosa disse...

Ele escrevia por intuição, sem os vícios que adquirimos com o passar dos anos. Existe uma forma literária somente?
Ele deixou uma bela maneira das pessoas estarem com os pensamentos dele dentro delas. Isto é algo transcendental!! Beijus,

tb disse...

que belo contar... fico sempre rendida e desta feita, fiquei também enternecida.
Gosto da forma do blogue que me parece diferente, mas para melhor.
Um beijo afectuoso, caro Amigo