terça-feira, novembro 10, 2009

GINGER E FRED ( 1985)





"Ginger e Fred" começa com um trem chegando a Roma, onde desembarcam pessoas que vão participar de um programa de televisão, e termina com outro trem deixando a cidade. O trem, para quem pertence à minha geração e às anteriores, é um emblema da nostalgia, que dá o tom ao filme de Fellini. Uma nostalgia que nos leva a supor que seja do diretor, que, na época, caminhando para os setenta anos e a oito anos da sua morte, não visse mais atrativos na vida contemporânea, e o remédio é queixar-se, é sentir falta do passado. Como faz o empregado do hotel, onde se hospedam os que irão participar do programa, fazendo um desabafo para Ginger/Amelia Bonetti (Giulieta Masina) de que a Itália não tem mais os grandes jogadores de outros tempos (está passando na televisão um jogo da seleção do seu país). Ou como a própria Amelia ao dizer que Roma já foi uma cidade melhor.
Também a homenagem que Fellini presta ao cinema da sua adolescência e juventude é mais um ingrediente que compõe essa nostalgia. Uma homenagem feita através do resgate da memória de dois ícones do filmusical, revivendo-os através de uma dupla de dançarinos italianos que fez sucesso nos anos 1930 e começo dos 40, que eram chamados de Ginger e Fred. Pois essa homenagem, essa evocação a Ginger Rogers e Fred Astaire torna-se uma coisa triste, até patética, pela presença do Fred italiano, de nome Pippo Botticella (Marcelo Mastroianni), que aparece bem envelhecido, com problemas de saúde, embora demonstrando uma certa vivacidade e muito bom humor. E a decadência física dele (que, talvez, possa se estender à extinção do cinema de tempos idos) é emblematizada no tombo que ele leva quando se apresenta com a sua antiga parceira diante das câmeras de televisão.
E paralela ao elemento nostálgico caminha a crítica à televisão. Fellini escolhe um desses programas que se veem tanto nos nossos canais, para por a nu o objetivo da televisão que é o de atrair as massas, oferecendo-lhes produtos que ela julga que irão atraí-las. Um programa em que são mostradas figuras exóticas, extravagantes, curiosas (anões dos dois sexos, um transexual, um milionário em greve de fome em protesto pela matança de aves, sósias de Kafka, Proust, Clark Gable e Woody Allen e até um mafioso). E no meio dessa fauna, Ginger, que diz não atender o convite para participar de um programa junto àquela gente, e Fred. Mas é possível que, ao colocar os dois, Fellini tivesse em mente promover um confronto entre a televisão e o cinema. Como também é possível que ele, amargurado e saudoso, visse nesse "duelo" o predomínio da primeira sobre o segundo, no que se refere à conquista de público.
"Ginger e Fred", se não está entre os maiores filmes de Fellini, tem daqueles algumas qualidades e mostra o cineasta ainda em boa forma naquele ano de 1985. Com ele, bem poderia ter encerrado a sua carreira, no mínimo, de uma forma digna, sem a necessidade de fazer "Entrevista" e "A Voz da Lua", seus dois últimos trabalhos, que nada acrescentaram à sua obra.

3 comentários:

Mariazita disse...

Querido amigo Francisco
Passei por cá ontem de manhã, mas não havia post novo, ainda. Vejo que vc publicou às 9,33 - meio dia e meia hora de cá, penso eu...A essa hora já eu tinha saído.
Vi inúmeros filmes do grande Federico Fellini. Estou a lembrar-me de "Julieta dos espíritos", "Satyricon", "Roma, cidade aberta", "A cidade das mulheres", "A doce vida"... e tantos outros.
Não sei se no Brasil acontecia a mesma coisa, mas cá, há uns bons anos(!) era quase obrigatório ver os filmes de Fellini...
Este que vc tão bem descreve não vi. Mas é quase como se tivesse visto, de tal modo vc o "relata" com todos os pormenores.

Um resto de boa semana.

Beijinhos
Mariazita

www.pedradosertao.blogspot.com disse...

Olá, Sobreira,

Adoro quando vc traz a memória para nós, parece que andamos desvinculados do passado, mas seus textos são bons em nõs fazer olhar o quando o passado nos constrói e nos constitui.

abraço,

Lily disse...

Querido amigo,
como sempre muito boa a resenha, tanto que vou pegar o filme na Locadora. Ainda não vi esse filme!
No sábado assisti a filmes e curtas do III Encontro de Cinema negro Brasil África & Américas. Muito bom ver uma galera bem jovem pensando em cinema!
Um beijo e boa semana pra vc