Realizado em 1939, "No Tempo das Diligências" ("Stagecoach) está completando 70 anos neste 2009. Para assinalar a data, divulgo aqui, com algumas alterações, um artigo que publiquei no Diário de Natal na década de 1990, quando o filme foi lançado em VHS. Ei-lo.
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À época do surgimento de "No Tempo das Diligências", o "western" já estava com 36 anos. Adulto na idade cronológica, não o era na idade intelectual e artística. Até então, os exemplares do gênero, ou se enquadravam na categoria de produções modestas, servindo de veículo para os caubóis populares da época (Tom Mix, Buck Jones, Hopalong Cassidy, entre outros), ou na de produções caras, como "Aliança de Aço", de Cecil B. De Mille. O filme de Ford, apesar de este já ser um nome respeitado em Hollywood, com um Oscar na bagagem, não tinha um alto orçamento, nem uma única estrela no elenco (John Wayne era um ator pouco menos que obscuro, e sua escolha para o principal papel masculino, dizem, foi uma conquista que Ford obteve depois de uma luta árdua com o produtor Walter Wanger), e apresentava uma proposta temática não convencional. Sim, é verdade que, como observa J.L. Rieupeyrout em seu "O Western, ou o Cinema Americana por Excelência", o filme "respeitava todos os elementos consagrados pelo uso, conservando os tiroteios e as galopadas, e, em suma todos os temas dramáticos do gênero", mas, por outro lado, o autor ressaltava, "enriquecia-os com um conteúdo moral, social e psicológico que, sem desnaturá-los, lhes confere uma dignidade intelectual e artística, com a qual até então o "western" não se preocupava.
"No Tempo das Diligências", de fato, à medida que procedia ao desnudamento dos passageiros de uma viagem de diligências, representando diversas categorias sociais (que sofrem um ataque de índis, o qual propicia uma sequência que entraria para a antologia das maiores do cinema), tocava em questões, como o farisaísmo, a discriminação social, a dignidade humana e profissional de pessoas postas na marginalidade.
O roteiro de Dudley Nichols e Ben Hecht (este não creditado) inspirou-se no conto (ou novela?) "Bola de Sebo", de Maupassant. Essa identificação com a obra do escritor francês torna-se acentuada na importância que é dada à figura da prostituta Dallas (Claire Trevor). É o personagem principal. Ela acaba revestida de uma dimensão humana, que a coloca em posição superior às beatas que a expulsaram da cidade e à jovem esposa do oficial de Exército, que lhe torcera o nariz empinado durante a viagem. E não por acaso, a afinidade que se estabelece entre ela e Ringo Kid (Wayne) é originada por ele ser também um pária social, já que é um pistoleiro que acabara de cumprir pena na prisão. A segregação que sofrem dos demais passageiros, com exceção do médico alcoólatra (na primeira parada da diligência, ficam separados dos outros durante a refeição), os conduz a essa afinidade que evolui para o amor.
Essa simpatia, essa generosidade por pessoas ou etinias postas à margem do Sistema é um dos temas caros a John Ford. Recorde-se, a propósito, que foi ele o primeiro diretor a dar voz ativa ao índio em "Fort Apache", isso em 1948.
Outro tema sempre presente em sua obra é a amizade. Em "No Tempo das Diligências", esse sentimento, que Jorge Luis Borges definiu como uma das formas assumidas pelo amor, aflora entre o médico (Thomas Mitchell, por sinal, ganhador do Oscar pelo papel, juntamente com Claire Trevor) e o xerife (George Bancroft). E a imagem final, com os dois caminhando em direção ao bar, leva-nos a pensar se não inspirou a que encerra "Casablanca", em que aparecem, também andando juntos, Humphrey Bogart e Claude Rains.
"No Tempo das Diligências", pois, mantém-se ainda hoje de pé por suas diversas qualidades , ao mesmo tempo que se firma, cada vez mais, como desbravador de uma trilha temática pela qual transitaram inúmeros "westerns" que o sucederam, ajudando o gênero a adquirir o status artístico.
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