terça-feira, junho 16, 2009

LOA PARA UMA DAMA HONORÁRIA

Este espaço é hoje ocupado pelo potiguar João Charlier Fernandes. Poeta sem livro publicado, participou, no entanto, de algumas antologias de poesia no RN., a primeira delas na década de 1960, quando ainda era adolescente. Cinéfilo sensível, participou do livro "Clarões da Tela - O cinema dentro de nós" (EDUFRN/2006) , uma coletânea de críticas sobre filmes, sob a organização de Bené Chaves e Marcos Silva. O artigo acima intitulado foi publicado em março/2004, em homenagem à sua mãe, que estava completando 90 anos. Saiu no "Diário de Natal", onde Charlier escrevia com certa frequência. Ei-lo.
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Alguém já observou - e observou bem - que, quando me meto a escrever, constantemente chamo em meu auxílio a primeira pessoa do plural. É verdade. Trata-se de uma escolha que me agrada, até porque acabo evitando aquele tom individualista que se apossa do texto quando ele é regido pela primeira pessoa do singular. Mas neste instante especial, em que pretendo homenagear uma pessoa a quem devo tudo, e que tem sido a principal razão das poucas alegrias que ainda é possível experimentar nesta etapa do meu caminhoexistencial carregado de escolhos, neste momento especial, repito, invoco a minha individualidade mais intransferível e secreta para celebrar a excelsitude de uma mulher que me ensinou a receber a vida como uma dádiva de Deus. Que me educou no princípio de que o coração humano, maltratado por tantas desilusões, só pode encontrar alento e sossego quando, liberto das amarras da ufania, começa a navegar nas águas tranquilas que conduzem ao porto seguro da fé. E que sempre estava presente no quarto de dormir da minha infância, quando pequenas dores do corpo - as da alma viriam depois - começavam a plantar no meu ser as primeiras sementes do sofrimento.
Na ação confortadora, no apego à família, na força do exemplo, no recato de tantas vigílias, na consciência de que nascemos para morrer, mas, enquanto não morremos vivemos para renascer, na intuição de que o "estar-no-mundo" pressupõe o "estar-no-mundo-para servir", na afabilidade, na alegria e na tristeza, na lágrima e no sorriso, em tudo e por tudo essa senhora amorosa transformou a sua existência numa cotidiana prática de desvelo, beneficiando primeiramente o meu pai Reinaldo Fernandes Pimenta, com quem, durante mais de sessenta anos, conviveu na dimensão material, finita e tangível, até o advento daquela dolorosa madrugada do dia 12 de outubro de 1995, quando, pela suprema vontade do Criador, esse trato diário transfigurou-se para a dimensão espiritual, infinita e teocêntrica. Os beneficiários seguintes foram os filhos - Kerginaldo, Salete, Anchieta, Mirian, Iaponira (a doce Iaponira, que partiu tão cedo desta vida descontente), eu, Fernando, Irene e Celis - , amados e criados sob uma aura de abnegação, bondade, sabedoria e ternura, valores que continuam delineando o perfil moral dessa mestra que tem derramado sobre mim, desde os meus verdes anos (e, naturalmente, tem derramado sobre meus irmãos e sobre todos que dela se aproximam), os raios de sua luminosidade interior, e esse fulgor me aquieta e inspira, tal como a chama do amor absoluto iluminou para sempre o coração de Dante, desde que ele avistou Beatriz pela primeira vez, aos nove anos de idade, conforme revela o poeta em Vita nuova.
Poderia, neste instante, dizer muito mais. Mas a palavra, seja a mais forte e mais pura, apenas dá conta de sua transitoriedade, enquanto o silêncio, tirando de sua própria grandeza o que há de eterno no indizível, tem o poder de confortar a criatura humana - na prece, na reflexão, no exercício do amor. Assim sendo só me resta encerrar esse breve louvor, cantiga de bendizer, fio do meu tear de afeto, fruto que procurei cultivar na sementeira da gratidão. Oferenda que dedico à minha mãe Giselia Gurgel Fernandes, que neste dia 05 de março de 2004, com a graça de Deus estará chegando aos noventa anos de idade.

Um comentário:

Mariazita disse...

Querido amigo Francisco
Desculpe não ter vindo mais cedo...mas não tenhio estado tanto tempo no PC como é habitual - uma crise passageira :)
Não connheço os internevientes do seu post, o que não invalida que eu considere este texto magnífico.
Uma belíssima homenagaem a sua Mãe, dum filho que mostra gratidão pelo muito que dela recebeu. Gostei muito.

Beijinho carinhoso
Mariazita