Este meu artigo foi publicado em agosto/1970, no Boletim do Cineclube Tirol, de Natal. Publico-o neste espaço em razão da morte do diretor Salvatore Samperi, ocorrida na semana passada. "Obrigado, Tia" foi o seu primeiro filme e impressionou a crítica (o crítico José Lino Grunewald, por exemplo, um dos maiores do Brasil, o colocou na sua lista dos 10 melhores filmes de 1969) que viu em Samperi uma promessa em potencial. Infelizmente, com o passar do tempo, o diretor não confirmou essa promessa e morreu praticamente esquecido, trabalhando na televisão. Eis o texto.
* * * * * * * * * * * * * * *
Salvatore Samperi é mais um produto da novíssima geração de cineastas italianos, da qual fazem parte Bertolucci e Bellochio, entre outros. O inconformismo é o elo que une esses jovens que estrearam na direção com pouco mais de vinte anos (Bellochio, 26; Samperi, 23) - uma estreia que os colocou em elevada posição perante a crítica especializada, capacitando-os a manter a fulgurosa tradição de um cinema que já produziu personalidades marcantes do porte de um Visconti, de um Rosselini, de um De Sica, de um Fellini e de um Antonioni, sem falar em valores pertencentes ao segundo time.
A atitude contestatória dos filmes iniciais de Bellochio e Samperi - em ambos utilizada a presença do mesmo ator Lou Castel - deu ensejo a que fosse formulado um conceito de estreito parentesco entre os dois, que retiraria ao filme do segundo a condição de originalidade, o que, bem observado, não chega a ser isso. O Alvise de "Obrigado, Tia" é tão revoltado quanto o Alessandro de "De Punhos Cerrados", mas é preciso notar a diferença de classe entre os dois. Alvise é um integrante da sociedade burguesa (filho de riquíssimo industrial), porém, não se adapta a ela; já Alessandro é um marginalizado que deseja ascender à sociedade em que vive o personagem de Samperi. Ainda existe um outro detalhe, de grande importância: a doença de Alessandro é real (epilepsia), ao contrário da de Alvise, que se finge de paralítico, usando esse recurso como um meio de defesa contra o mundo que ele hostiliza (tal a Elizabeth Vogler, de "Persona", esta abdicando do uso da voz).
E que mundo é esse? É o de que faz parte Stefano, amante de Lea há 15 anos, e ex-militante do PC, convertido num bom burguês, apresentando uma caduca perspectiva dos problemas da atualidade; é o mundo da jovem candidata a cantora de TV, do jovem industrial e do entertainer. É uma hostilidade mútua. E em se tratando de Stefano, agravada por um sentimento de rivalidade, a qual tem Lea como elemento motivador. Ela é a única pessoa que pode compreender Alvise e será por meio da convivência com o sobrinho que as suas relações com Stefano, já um tanto estremecidas, atingirão a ruptura. Então, ela decide participar do jogo inventado pelo sobrinho, que se projeta na figura de Diabolik - personagem dos quadrinhos, possuidor de grande força e enorme poder, com quem pretende se identificar, mas compreende ser impossível - e termina por preferir a morte sem sofrimento, como o cachorrinho de estimação da tia.
No relacionamento tia-sobrinho, consumado pelo jogo infanto-sado-erótico, percebe-se o pulso do diretor, que explora, à perfeição, os recursos interpretativos de seus principais atores: Lou Castel e Lisa Gastoni (uma gratíssima surpresa, inclusive em termos de beleza física).
A cena em que é feita a alusão ao Vietnam é a mais bem realizada de todo o filme, tendo considerável participação dramática a canção de Sergio Endrigo. Nessa cena, é evidente a intenção em Samperi de contrapor a ação participatória de Alvise ao alheamento de Stefano, que conduz Lea ao quarto dela, para praticarem um ato sexual apressado e sem interesse dela. Ressalte-se, para mérito do jovem cineasta, que ele evita alternar planos da cena no quarto e na cena fora deste - um recurso, a meu ver, desnecessário, e que já foi utilizado por grandes autores (Buñuel/Viridiana) ou realizadores talentosos (Lumet/O Homem do Prego).
2 comentários:
Na década de 60 do século passado estive ausente do país a maior parte do tempo, e quase sempre em lugares e situações em que o cinema era impensável...
Mas recordo-me de Lisa Gatoni como uma mulher muito bonita e boa actriz.
Penso que ainda continua a trabalhar, apesar de, provavelmente ter ultrapassado os 70 anos. Creio tê-la visto em revistas antigas de cinema, (cahiers du cinema, talvez) como uma das artistas nascidas nos anos 30.
E penso também (quase podia jurar...) que ela fez recentemente, talvez há uns 2 ou 3 anos, um filme que em Portugal passou com o nome de As mulheres, ou Todas as mulheres, da minha vida.
Como já tive oportunidade de lhe dizer vou muito pouco ao cinema, mas vejo cinema em casa, principalmente nas férias que passamos fora. Levamos uma "caixa" onde temos gravadas centenas (não é exagero!) de filmes, e todas as noites vemos um ou dois.
Refiro-me à parte das férias passadas na praia, que não perdôo :))), a maior parte das vezes no sul de Espanha, onde há praias maravilhosas, de águas mornas, mesmo ao meu gosto :))).
Já ocupei muito espaço...portanto vou me retirar.
Beijinhos de muita amizade
Mariazita
Olá!
Desculpe, eu me enganei de blog e deixei o recado no seu,mas era outro!
Beijos
Até
Postar um comentário