terça-feira, janeiro 27, 2009

MARTA



Você não faz ideia com quem sonhei na noite passada. Se lembra de uma noite em que você chegou no "Fascinação" e foi para a minha mesa, onde estava com uma dona? Sei, sei que umas duas ou três vezes aconteceu a mesma coisa e era outra a mulher. Mas puxe pela memória, a sua não deve tar lá essas coisas, igual à minha, mas faça um esforço, vá. Você tinha vindo do circo, que gostava muito, e começou a falar do espetáculo. E quando terminou de falar, a mulher disse que já fora ver, que ia ver de novo porque gostava também muito de circo e que até trabalhara num. A função dela era modesta (nem me lembro qual), mas contou, os olhos brilhando de encantamento, esse período da sua vida. Ah, se lembrou. Tem razão, você não pode se lembrar de como ela era, faz tanto tempo que isso aconteceu. Era morena, altura mediana, mas, sentada, parecia ser mais alta pelo corpo esbelto. Esbelto e bem feito. Tinha um rosto comum, mas não exatamente feio. E era simpática e educada.
Como se chamava? Marta (talvez fosse o seu nome de guerra, isso era comum nas raparigas, e eu nunca lhe perguntei se era o seu nome verdadeiro). Pois é, cara, depois de tantos anos (bote aí uns quarenta), sonhei pela primeira vez com Marta. Não, não. Não estávamos trepando. Era como se Marta fosse outra mulher. Quer dizer, como se ela não fosse uma mulher da vida. Mas não quero falar do sonho, que, aliás, foi curto. Quero falar daquela Marta, daquela mulher que me proporcionou um dos melhores momentos da minha vida.
E quando digo momentos nem estou pensando naqueles passados na cama, quando os nossos corpos tão colados, como se formássemos um único corpo, se entregavam ao prazer, que, no meu caso, atingia o êxtase. Mas pera aí. Eu posso falar nos nossos momentos na cama, sim. Mas no que acontecia entre uma foda e outra. É, porque quando íamos para o quarto, não era essa de dar uma rapidinha, pagar e ir embora. Depois da primeira, ficávamos conversando. Os assuntos variavam. Depois de muito tempo, retomávamos as carícias, os estímulos para o ato (o segundo ato? Seu gozador). Entre as trepadas e as conversas eu passava mais de uma hora com ela. E já tínhamos conversado muito, bebendo cerveja, antes de irmos para o quarto. Passamos a ficar naquela área do "Fascinação", isolada do salão principal. Você se lembra bem. Era uma área pequena, não cabia muita gente, meio escura, não tinha aquela zoada de vozes, risadas e música barata e ali ficávamos muito tempo. De mãos dadas, um beijo nas pausas entre um assunto e outro.
Uma noite na cama ela disse que gostaria de conversarmos por telefone. Topei na hora. Apenas estabeleci o horário. Você sabe que naquela época eu trabalhava num escritório de advocacia. Ficava sozinho entre as onze e o meio dia, o doutor Moacir saía quase diariamente ali pela dez, dez e pouco, para tratar de assuntos profissionais e , às vezes, particulares, só voltava perto das três. A secretária saía pontualmente às onze para almoçar. E pouco depois que ela saía, Marta me ligava. Tinha saído do banho. Conversávamos uns dez minutos, tinha vez que um pouco mais. Não não, acontecia um dia por semana, raramente dois, porque também eu aparecia no "Fascinação" toda semana. Ah, como eram agradáveis aqueles telefonemas. Parecíamos namorados.
Mas você não pode imaginar o que ela me disse uma vez na cama. Sabe o que ela disse? Que o seu maior desejo era passar uma noite inteira comigo, acordarmos, darmos uma, ela se levantava, ia preparar o café e o tomávamos à mesa, batendo papo. Feito marido e esposa. Ah, como teria sido bom. Não só uma noite, mas muitas, dependendo da conveniência dela. Mas não podia ser, eu morava com os meus pais. Até disse a ela que, se ganhasse bem, deixava os meus pais, alugava um apartamentozinho. Mas cadê dinheiro?
Esse seu sorrisinho eu sei o que ele significa, seu sacana. Sei, ela podia fazer a mesma coisa com outro homem, até com mais de um. Não tenho a pretensão de achar que ela me amava. Não importa. O que importa é que Marta, Martinha, fez tudo isso comigo e, torno a dizer, me proporcionou os melhores momentos que já tive nessa vida que tá ficando muito chata.
Mas recolha o seu sorriso e preste atenção no que vou dizer. Teve um lance que fez ela ter uma impressão muito boa de mim. Foi num sábado de manhã. Eu estava reunido com amigos na frente da farmácia de Vavá (o nosso amigo Vavá, que morreu novo), jogando conversa fora. De repente vejo Marta vindo na nossa direção. Eu tinha estado com ela na noite anterior. Era a segunda ou terceira vez que tínhamos ficado. Quando ela chegou junto a nós, eu continuava virado para ela, ela me olhou, sorriu (eu notei) encabulada, eu disse tudo bem?, ela respondeu tudo bem e seguiu a caminhada. Ninguém do grupo perguntou quem era. Marta tinha atributos físicos, mas não o suficiente para chamar a atenção ao sair à rua. E estava vestida discretamente, diria mesmo modestamente, que também não dava bandeira de ser uma puta. Pois bem. Dias depois fui ao "Fascinação". Já nessa vez demoramos no quarto, conversando. E no meio da conversa ela confessou que se surpreendera agradavelmente por eu ter falado com ela na rua e na presença de amigos. Não tinha virado o rosto, como os outros homens faziam quando a encontravam na rua. Tenho certeza que tocando fundo em Marta, o meu gesto aflorou nela um sentimento por mim, que, se não era amor, era afeto, era carinho.
Por que só agora tou lhe contando tudo isso? Se somos amigos antes mesmo de eu conhecer Marta. E eu sei? Talvez porque tenha sonhado com ela. Ou, quem sabe, por esta lua, este conhaque. Já vai? Fica mais um pouco. Não pode? Então, até uma outra vez.

6 comentários:

Mariazita disse...

Meu caro Francisco
Às vezes sonha-se com 40 anos de atraso!
Gostei muito da forma, tanto quanto possível, delicada, como aborda o assunto da prostituição.
Estou agora a ler um livro que trata precisamente o tema da prostituição, mas a um nível terrível de tráfico de mulheres.
Foi escrito por um jornalista português, que viveu um ano infiltrado no meio das máfias do tráfico de mulheres, investigando o assunto e filmando com câmara oculta, e depois escreveu o livro.
É muito forte, e descreve cenas duma violência extrema.
São situações completamente diferentes da que você descreve aqui, claro.

Mas gostei muito do seu texto. Gosto da maneira como você escreve.

Até amanhã. Uma noite descansada.

Abraço e beijinho carinhoso
Mariazita

Claudinha ੴ disse...

Querido amigo, sabe (e me repito sempre) como gosto de seus contos. Verdade ou mentira nem importa. Vi o Sobreira mais atirado e mais abusado com as palavras, sem no entanto perder a classe. Gostei muito mesmo! Beijo!

tb disse...

Meu caro Francisco: excelente! Fico presa de tuas palavras que me levam até aos locais, rostos e cheiros presentes na história.
Uma das muitas feridas sociais escritas de uma forma bela e sensível, mostrando que as pessoas sentem, ainda quando as malhas que a humanidade tece, as engole.
Beijo afectuoso

Rômulo disse...

Olá Francisco, bom dia!
Não li seu último texto "Marta". Deixo essa mensagem aqui pois me deparei após algumas buscas com o texto "Lembrando Sidney Miller" de 22/09/2007. Há anos que venho adiando em localizar a letra de 'O circo' e ontem finalmente eu o fiz. Com grata surpresa eu achei outras letras e músicas do compositor carioca. Agora estou tentando localizar um álbum dele. Pode me ajudar? Abraço, Rômulo

Mariazita disse...

Caro amigo Francisco
Venho só desejar um bom domingo.
Aqui está um tempo de chuva e vento terrível. Não apatece sair de casa...enão, visitam-se os amigos...

Beijinho carinhoso
Mariazita

DILERMArtins disse...

Achei o problema, ainda não sei como, quando tento entrar o meu blog, a partir da do linke nos comentários que fiz no Luzes, aparece ponto e vírgula dividindo o arteiro010150 do blogspot.com, vamor se agora conceta.
Abração!