terça-feira, setembro 23, 2008

SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS (Dead Poets Society/1989)



Esta crítica foi publicada em junho de 1990 no jornal Tribuna do Norte, de Natal. É apresentada aqui com pouquíssimas alterações em relação ao texto original.

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É possível fazer-se duas leituras do roteiro de Sociedade dos Poetas Mortos, recentemente exibido pelo Nordeste. A primeira remete ao princípio da fruição da vida pelas pessoas, baseada na interpretação figurada da expressão latina Carpe Diem. Esse princípio é enunciado - e, mais do que isso, incentivado - aos alunos de uma conservadora escola norte-americana, no final dos anos 50, pelo jovem professor de Literatura.
Não é a primeira vez, no cinema, que vemos a chegada de um estranho a uma comunidade operar uma profunda transformação na maneira de viver das pessoas, e acodem-me imediatamente à memória os exemplos ilustres de Shane e Teorema. Infelizmente, essa brusca alteração no modus vivendi dos nativos não é feita sem a ausência de traumas, que as marcarão para sempre. Com seu anticonvencional método pedagógico, o professor John Keating (Robin Williams) escorraça a sensaboria das aulas, tornando, por exemplo, a temida abordagem da poesia de Shakespeare uma sessão de brincadeiras, entre estas a imitação que ele faz das vozes de Marlon Brando e John Wayne.
Ao mesmo tempo, alguns dos alunos vêem despertar em si o desejo de realizar seus sonhos. Seja o de seguir a carreira de ator, no caso de Neil (Robert Sean Leonard), de problemática realização, porque ele precisará vencer a forte oposição do pai, seja o de de um seu colega, relativamente mais fácil, já que se trata de conquistar o coração de uma jovem comprometida. Em ambos os casos, o que se destaca é a disposição que eles sentem de lutar por algo por algo que consideram importante em suas vidas, embora, no caso de Neil, ele saia derrotado.
A segunda leitura é a demonstração dos obstáculos que se erguem a todo homem que se apresenta com idéias novas no seio de uma sociedade conservadora. O professor John Keating chega a uma secular escola, da qual fora aluno (e, já nessa condição, tendo manifestado um espírito rebelde e inovador, a ele devendo-se a criação de uma "Sociedade dos Poetas Mortos", que seria reativada pelos seus discípulos), e, em pouco tempo, a sua inusitada maneira de ensinar entra em colisão com os colegas e a direção do colégio. Não é pra menos. Para os padrões rígidos e tradicionais da instituição, é impossível admitir que um dos seus mestres ordene aos (também) escandalizados alunos que destruam as páginas de um livro, por conterem uma interpretação que ele considera falsa da arte poética. Que esse mesmo professor os faça subirem a sua mesa, como uma forma de adquirirem uma visão diferente das coisas. Ou ainda que incentive os rapazes a recitar seus próprios versos fora da sala de aula, utilizando os movimentos dos corpos, para, com isso, irem perdendo a inibição.
Previsivelmente, no instante em que o comportamento dos alunos começa a ir de encontro à disciplina militarizada da escola, o professor é responsabilizado pela situação. E quando Neil comete suicídio, o pai, o verdadeiro responsável, procura transferir a culpa para Keating, e este, delatado por um um acovardado aluno, é despedido.
Essa história de lutas, sonhos e frustrações, em que também se toca na inevitabilidade da morte, mas como forma de conferir um valor inestimável ao ato de viver, é dirigida com freqüente sensibilidade, e quase sempre com brilho, por Peter Weir, esse talentoso cineasta de origem australiana. Jà tendo visto outros filmes dele, julgo encontrar nos mesmos uma identidade, ou sejja, a simpatia que ele manifesta por personagens que se tornam outsiders do seu próprio meio. Esse John Keating é irmão do policial de A Testemunha, que é forçado a se refugiar numa comunidade de adeptos da seita Amish, para não ser morto pelo seu corrupto superior, e do herói de A Costa do Mosquito.
Mas o roteiro de Tom Schulman, premiado pelo Oscar, é, a meu ver, passível de duas ressalvas, Uma é a de sonegar informações sobre a vida particular de Keating. Em conseqüência, ficamos sem saber por que está separado de uma mulher (numa cena em que ele aparece escrevendo-lhe uma carta é lançada apenas uma vaga pista, insuficiente para esclarecer a questão), nem o grau de envolvimento com ela. A outra é no suicídio de Neil, e aí a montagem tem o seu quinhão de responsabilidade. A seqüência deveria ter terminado no momento em que o pai ouve o som do disparo da arma. Se já havíamos visto Neil pegar o revólver, tornou-se dispensável, após o disparo, mostrar o pai percorrendo a casa, até localizar o corpo do filho no chão. A montagem é um dos componentes importantes de um filme (no cinema soviético de Eisenstein e companhia ela era supervalorizada), até para suprimir cenas supérfluas, as quais, acima de tudo, podem passar a idéia de que a inteligência do espectador está sendo subestimada.





Um comentário:

mundo azul disse...

Um dos melhores filmes que já assisti! Não uma, mas, várias vezes...


Muito bons os seus comentários!!!


Beijos de luz e um final de semana feliz...