quarta-feira, abril 16, 2008

QUEBREI A TIGELA




Faz poucos dias estreei uma camisa. Ao me ver com a camisa, minha mulher disse: "hi, quebrou a tigela!" Quebrar a tigela. Há séculos não ouvia essa expressão, muito usada na minha infância e adolescência. Embora originária do Nordeste, é possível que os habitantes do Sul e Sudeste a conheçam por ela estar no Aurélio. Quem consultou o dicionário, viu que quebrar a tigela significa que uma pessoa usa uma roupa, ou um objeto, pela primeira vez. Como sinônimo, o Aurélio registra também "quebrar a panela", que nunca ouvi. Sei que não é possível, mas que bom seria se o dicionário pudesse revelar a origem dessas expressões. Penso em Marco, do Antigas Ternuras. Como eu, ele gosta muito dessas saborosas expressões e vai à cata da origem delas. Quem sabe se ele não sabe de onde veio quebrar a tigela e faça uma daquelas postagens cheias de humor, irreverente, às vezes, que muito aprecio?
Estava com cinco anos quando nasceu Bosco, o meu irmão caçula. Se meus pais não inventassem de ter mais um filho, encerrando uma série de 11 (o primogênito, uma mulher, morreu com pouco tempo de nascido), eu permaneceria como o caçula. E, assim, não teria ficado no canto. Usava-se a expressão "ficar no canto" naquela época para a criança que perdera a condição de filho mais novo, com o nascimento de um seu irmão. A expressão não consta do Aurélio. Como só disponho desse dicionário (nessa especialidade), não sei se outros do mesmo gênero a registram. Deve ser também exclusiva da região nordestina.E tal como "quebrar a tigela" , fico doido pra saber a sua origem, a exemplo de tantas outras.
Essas expressões, ou palavras, nascidas no Nordeste desapareceram, ou estão em processo de extinção. E a culpa é da televisão, via novelas. Um adolescente, de ambos os sexos, mesmo morando numa cidade das mais atrasadas deste país, prefere falar como os jovens das novelas da Globo. Tantas e tantas expressões que fizeram parte da minha infância, adolescência e juventude se perderam no esquecimento das pessoas.
Mas isso não ocorreu apenas nas cidades do interior. Falei aqui uma vez da expressão "o cão chupando manga" e de outras, que eram comumente usadas quando cheguei a Natal nos anos sessenta. Onde estão elas? Mesmo pessoas da minha idade, até mais velhas, talvez com umas poucas exceções, as desprezaram, por certo para não ouvirem que elas "são de 12" (cadê esta também?), isto é, de um tempo muito antigo. Não sou contra o emprego de palavras importadas do Sudeste (principalmente), assim como os nativos daquela região utilizam algumas do Nordeste. O carioca Machado usou mais de uma vez a expressão "vender azeite às canadas", ao falar de um personagem que está furioso, muito irritado. É um dito aqui do Nordeste, mais especificamente de Pernambuco, conforme descobri há poucos anos.
Acho importante esse intercâmbio. Não vejo nada demais nisso, são palavras faladas em um mesmo país (até a alguns estrangeirismos sou receptivo), mas que não joguemos no lixo, como um objeto imprestável, as expressões e palavras da nossa região.
A minha filha mais nova está esperando o segundo filho. Quando este nascer, o seu primogênito, ao contrário do avô, não vai ouvir das pessoas que ficou no canto. Ainda que morando no interior do Estado.

2 comentários:

Sandra Fonseca disse...

"Cão chupando manga", é o máximo!
E outras tantas expressões... Como a nossa língua é rica!
Adorei seu blog, voltarei.
Um abraço,
Sandra.

Raimundinho_Ferreira disse...

Sou de Belém e moro há muitos anos em Fortaleza. Leio em média 2 livros por semana e no momento estou lendo "Aldeota", de Jáder de Carvalho, que me emprestou o grande Nirez, diretor do MIS-Ce. Encontrei lá a expressão "quebrar a tigela" e estava agora mesmo falando com minha mulher, que também é paraense, a respeito da frase, que conhecíamos em nossa remota infância e que nunca mais havia visto ou ouvido. Fui ao Google e encontrei o seu blog. Concordo com tudo que você escreveu sobre essas coisas que vão desaparecendo. Lembra ou conhece "dar às de Vila-Diogo"?

Raimundinho Ferreira, 8 de julho 2011