quarta-feira, março 12, 2008

AS MANGAS



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Sábado, fim de tarde, bebia em um bar que descobrira da primeira vez em que estivera naquela cidade. Encantara-se com o ambiente, ao ar livre, duas frondosas mangueiras na entrada, a área suficientemente espaçosa para quem desejasse isolar-se dos outros clientes. Não frequentara outro bar, durante os dias em que permanecera na cidade, e, ao voltar, após muito tempo, procurou-o e ficou feliz por ele ainda estar funcionando.
O ambiente (mas sobretudo a hora, quando diminuía bastante o número de frequentadores) estimulava a meditação a quem estivesse ali sozinho - e ele estava absorvido em pensamentos que se sucediam em uma intensa celeridade, como se o próprio cérebro se recusasse a reter cada um deles por mais de uns dois minutos. De repente, foi desviado dos pensamentos por um barulho de vozes. E o que lhe despertou a atenção é que o barulho não era igual ao de pessoas envolvidas em uma altercação, tão comum em mesa de bar. O tom das vozes era alegre, de animação, mais identificado com a bulha de crianças quando estão brincando. Percebeu que as vozes procediam do lugar onde se erguiam as mangueiras, e, impresssionado, além de curioso, deixou a mesa e caminhou para lá. Ao se aproximar, teve uma enorme surpresa: três marmanjos atiravam pedras nos frutos pendentes de uma das mangueiras, tentando derrubá-los. Três homens de meia-idade brincando feito crianças, em um lugar para adultos. Imaginou que eles, ainda há pouco, estivessem a ponto de se digladiar em uma estéril e desgastante discussão sobre os políticos, e, de repente, tinham-na abandonado, ao descobrirem aquelas mangas maduras oferecendo-se para serem colhidas.
A cena, insólita, era capaz de atiçar a zombaria, mas, ao mesmo tempo, havia nela um elemento de nostalgia da infância, que lhe calou fundo. Observando aqueles homens de idades batendo mais ou menos com a sua, que buscavam, talvez inconscientemente, recuperar um momento do tempo de meninos, ele se viu também menino, galgando muros proibidos para roubar mangas, subindo em árvores, atirando pedras nos frutos. E, então, veio-lhe intensa a vontade de reunir-se aos coroas, e, de posse de uma pedra, atirá-la contra as mangas. Depois de derrubá-las, as juntaria em um saco plástico, levando-as para chupá-las no quarto do hotel.
Mas, inesperada, alguma coisa o tolheu. Talvez o receio de não ser bem acolhido pelos homens; ou, quem sabe, parecer a si mesmo ridículo, ainda que não tivesse dos estranhos a mesma impressão. Certo é que, resignado, voltou para a mesa e os pensamentos.

3 comentários:

Narradora disse...

Minha primeira visita, e certamente uma de muitas...
Lindo texto...nostálgico e sensível...
Parabéns pelo espaço.

Jacinta Dantas disse...

Rapaz!
que texto gostoso.
Vejo o olhar de menino "pidão" desejando a manga.
Mais que isso. Desejando participar da façanha de redescobrir a criança que ainda se tem, com 40,50, 60, 70...
Um beijo
Jacinta

Conceição Paulino disse...

mais uma bela narrativa, amigo. Pena é k o narrador não tenho tido o "golpe de asa" necessário.
Ficaria e iria mais feliz.
Bom resto de semana.
Bjocas
Luz e paz