sábado, outubro 13, 2007

A MÃE E O FILHO

I Imagem do filme Mãe e Filho, de Alexander Sokurov (1997)

Este texto foi publicado em 17.5.06. Sai outra vez, não apenas por falta de um assunto novo, mas para uma avaliação dos que não o leram na ocasião, ou uma reavaliação dos que o leram.
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Lygia Fagundes Telles tem um conto em que a mãe vai ao cinema com o filho pequeno. Pouco depois de iniciado o filme, um homem senta ao lado da mulher. Ele não é um estranho, que ocupou por acaso aquela poltrona. Aos cochichos, começam uma conversa, com brevíssimas pausas. Parece, não tenho certeza, há tantos anos li esse conto já meio antigo, que os dois chegam a entrelaçar as mãos. Ou o homem pousa a mão no ombro da mulher. O filho está muito atento ao que se passa na tela, mas, em dado momento, começa a estranhar a atitude da mãe. O interesse pelo filme é diminuído, e o garoto o vai alternando entre o filme e o que ocorre ao seu lado. Na sua pouca idade, sente que há algo errado na atenção que a mãe dispensa ao homem. Este despede-se dela poucos minutos antes do término da sessão. Na volta para casa, a mãe diz ao filho para não contar ao pai o que ocorreu no cinema. Não me lembro se lhe promete algum presente (é possível que sim) em troca do seu silêncio. O garoto promete, mas, ao entrar em casa, vai ao encontro do pai e lhe dá um abraço apertado, comovido abraço, exclamando, creio, "papai, papai". Não lhe diz nada. Nem a autora também. É suficiente a reação do garoto. E assim termina esse belo conto de LFT.
Há poucos dias me lembrei desse conto, ao testemunhar um caso semelhante na praça de alimentação de um supermercado. Estava bebendo chope, enquanto esperava minha mulher, ocupada em fazer umas compras. A uma mesa defronte à minha, uma mesa separando as nossas, uma jovem mulher e o filho pequeno almoçavam. Era uma mulher pouco atraente, um pouco gorda, usava óculos, mas possuía a graça da juventude e exibia um decote que, anos atrás, se chamava de generoso. Percebi que comia apenas legumes com arroz, devia estar fazendo regime para perder alguns quilinhos. O garoto, de costas para mim, comia com vontade. Devia ter uns 8 a 10 anos, vestia uma calça comprida e era espigadinho.
Logo observei um rapaz almoçando, sozinho, a uma mesa na mesma fileira da mesa da mulher, separados por uma pequena distância. Ele comia com o mesmo gosto do garoto, mas, embora concentrado no prato, aqui, acolá, dava uma olhadela para a mulher, que parecia não perceber. E aí ocorreu o inesperado: ele interrompeu a refeição, levantou-se e dirigiu-se para a mesa da mulher. O local estava quase lotado, havia um burburinho de vozes, então não pude ouvir o que o rapaz, de pé, dizia à jovem mãe, mas me pareceu que ele a achara muito parecida com outra mulher e lhe perguntava se eram parentes. O rapaz era alto, um pouco corpulento, mas, se não era especialmente bonito, possuía um certo charme. Era atraente. (Gostaria de dizer que a mulher era mais bonita do que ele, mas que fazer? É um relato que aconteceu, não há espaço para a ficção.) Ele deve ter perguntado se podia ocupar a mesa e ela concordou, pois, de repente, voltou à sua mesa, pegou o prato e o suco e foi sentar ao lado do garoto.
E o rapaz e a mulher começaram a conversar animadamente e sem darem descanso às línguas. E foi então que notei. Notei que o garoto espigadinho, com frequência, começou a desviar os olhos do prato para dirigi-los ora à mãe, ora ao homem. Como se, de repente, achasse que alguma coisa não batia bem naquela conversa. (Preciso dizer que a mãe conversava com os olhos fixos no interlocutor, que, certamente, fazia o mesmo.) E a conversa continuou até quando terminaram de comer. Não sei quanto tempo os três ficaram ali, pois logo depois a minha mulher apareceu, terminei o chope e fomos embora.
Mas desde então fiquei pensando no garoto. Será que lhe aconteceu o mesmo que o garoto do conto? A mãe lhe terá pedido que não dissesse ao pai nada sobre a presença do rapaz na mesa? Terá ele também abraçado o pai, quando chegou em casa? É que, como se sabe, a vida, muitas vezes, imita a arte. Mas são apenas hipóteses. Talvez a mãe seja uma mulher separada. Ou viúva, apesar de nova. Não se sabe. Mas, confesso, senti pena do menino.






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