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OLHAR COM AS MÃOS
sempre quis olhar com as mãos,
olhar sem o tato é ver.
olhar sentindo apenas com as mãos.
com as mãos delicadas para identificar,
com as mãos grosseiras para sobreviver,
assim gosto de olhar,
tocando as linhas da vida,
do amor nas saudades solitárias,
que, às vezes,
mesmo na dolorida ferroada,
no toque onde sou tocado,
nestes dedos entre letras,
nas piratarias como ladrão de desejos,
meu toque nessa contenda,
minhas mãos que vivem te olhando,
sentindo o que sente suas mãos.
olhar sem tocar é apenas ver,
principalmente quando olhamos o que
gostamos sem poder tocar,
sofro olhando para você...
você, que gostaria de me tocar.
MULHER E PECADO
mulher,
uma bela e doce mulher,
o supra-sumo da criação humana,
a vida que dá à vida mais vida,
que dá a vida o que a vida quer,
mais uma doce e bela mulher.
no olho demoníaco do mal,
doce e bela mulher,
assecla do mesmo mal,
tentação pecaminosa da alma que
leva o homem para onde quer.
antagonismo irracional,
mulher que é mulher para ser
uma bela e doce mulher,
não peca sabendo que o pecado
é seu mal,
peca, quando... seu pecado vem do
amor, da obra celestial,
assim é uma bela e doce mulher,
assim peca uma doce mulher,
assim se santifica uma bela mulher,
o resto é exagero do gosto, do jeito,
do jeito que o diabo quer.
BRINCADEIRA DE DEUS
tudo não é o início e nem o fim,
nada, só nada, é o espaço entre esses dois pontos.
iniciando ou finalizando,
considerando os aspectos materiais das
substâncias,
daqui ao mais estremado confim,
de bactérias a dinossauros,
de dinossauros aos antropóides,
das cordilheiras aos grandes mares,
desde o mais alto ao mais profundo,
dos anos aos dois primeiros segundos,
Deus soprando suas bolinhas de sabão, brincava
com a ciência, com as paixões e nossos amores.
só isso,
uma brincadeira de Deus que virou matéria,
que virou uma coisa preocupante, uma coisa séria,
uma coisa que poderá afetar até mesmo outros
mundos,
outros mundos que já se preocupam com o nosso
nada.
Ora, por outras partes do corpo da jovem Claire (Laurence de Monaghan) , mais atrativas, o barbudo diplomata Jerôme (Jean-Claude Brialy, morto há pouco tempo) foi, imprevisivelmente, sentir desejo pelo joelho. É, mas isso acontece. Os joelhos de Nara Leão eram muito apreciados pelos seus admiradoress naqueles anos de 1960. Em um conto, ou romance, de Machado de Assis, o narrador faz uma apologia dos pés de uma mulher. No caso do personagem desse filme de Eric Rohmer, porém, esse desejo parece mais impulsionado por um sentimento estético. Noivo de uma bela moça (que só aparece numa foto) , ele está de férias no campo, na casa em que passa os últimos dias de posse dela, pois já a vendeu a outra pessoa. Pois como ele confessa a Aurora (Aurora Cornu) , velha amiga que ele reencontra depois de alguns anos, e está passando uma temporada numa casa vizinha, as mulheres não mais o atraem pelo físico, mas pelo caráter. O reencontro dos dois enseja uma espécie de jogo de que, embora a contragosto, Jerôme participa. Aurora é escritora. Como alguns dos seus pares, a sua criação não provém da imaginação, mas da realidade da vida, das pessoas. Ela, então, quer escrever a próxima obra tomando o amigo como uma cobaia (é o termo que ela usa e ele o adota também) . Ou seja, ela induz Jerôme a ter um caso com a jovem Laura (Béatrice Romard) , que é meia-irmã de Claire. E nem seria difícil pra Jerôme levar o jogo adiante, pois Laura se sente atraída por ele, num exemplo de inúmeros casos em que uma jovem se apaixona por um homem maduro. Só que ele, apesar de tudo, não deseja que o caso avance e não só por já estar comprometida com outra mulher bem mais velha do que Laura. É o aparecimento de Claire com o seu joelho sedutor.
Porque na cena em que ela e Jerôme ficam sozinhos, abrigados de um temporal, a ambiguidade entre o desejo sexual e o sentimento estético marca presença. Em dado momento, ele pousa a mão no joelho de Claire e começa a alisá-lo por uns dois minutos. No ato, na expressão do rosto de Jerôme e até no respirar de Claire, existe a sugestão de uma relação sexual. Inclusive, em meio à situação, há um corte para mostrar as condições do tempo, e nesse corte, de duração não muito rápida, tem-se a imediata impressão de que os dois irão consumar o ato sexual, mas a cena seguinte mostra que não aconteceu mais nada e Jerôme já retirara a mão do joelho da moça.
"O Joelho de Claire" é o quinto dos seis "Contos Morais" realizados por Rohmer. E qual é a moral desta história? Pode ser mais de uma, de acordo com a visão de cada espectador. Terá Rohmer, numa fina ironia, querido dizer que é conversa fiada essa de que um homem, ainda relativamente jovem, não se interessa mais pelos atributos físicos da mulher, e sim dos seus dotes intelectuais, morais, etc.? Ou, então, que um escritor não deve confiar no caráter e na personalidade de seus semelhantes, acreditando que conhece bem o que vai no íntimo deles, mesmo quando se trata de um velho amigo? Pois é certo que na mente humana existem escaninhos onde se guardam segredos e mistérios impossíveis de ser devassados.
Pelo pouco que conheço da obra extensa desse diretor(apenas 4 filmes) ainda ativo já beirando os 90 , há no seu trabalho um elemento que não me agrada muito, que é o excesso de diálogos. Não há quase aqueles silêncios que, muitas vezes, são mais eloquentes do que as palavras. Nesse particular há uma semelhança com Godard, mas com a diferença de que nos diálogos dos seus filmes não existe a impressão de um exibicionismo de erudição que os filmes do seu colega passam. Essa dialogação intensa confere aos seus filmes um certo ar literário. Mas, ao mesmo tempo, para compensar (ou contrabalançar) esse defeito, Rohmer possui um apuro na forma, na maneira de enquadrar as cenas, na elegância das imagens, na beleza destas. Principalmente quando ele encontra um diretor de fotografia da categoria do cubano (já falecido) Nestor Almendros, que já emprestou o seu grande talento a outros diretores importantes.