sábado, março 31, 2007

A PROSA DE PEDRO RODRIGUES SALGUEIRO

O contista cearense Pedro Rodrigues Salgueiro me enviou 3 textos¨que saíram num jornal de Fortaleza. Hoje publicarei os 2 primeiros, deixando o terceiro para uma outra oportunidade. PRS, de quem já publiquei aqui um conto, é autor dos livros " O Peso do Morto", "O Espantalho",Brincar com Armas"e "Dos Valores do Inimigo" e editor da revista de contos "Caos Portátil". Eis os textos.

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CRÔNICA DA GENTILÂNDIA

Depois de dez anos voltei à Gentilândia. Voltei é exagero, porque ela jamais me deixou, quem morou lá sabe que ela nunca nos abandona. E, como bom saudosista (Oh!E como somos egoístas, queremos que as coisas permaneçam do jeito que sempre foram, só para matarmos nossas saudades), não gostei do que vi: a pracinha está arrumada demais, limpa demais (Ah! Tinha esquecido o saudosista e inimigo do progresso, principalmente desse progresso de fachada), não se sujam mais os pés ao pisar na praça. Meu Deus, por favor me traga a velha pracinha esburacada, com o cimento quebrado e a estátua torta do João Gentil. (E não sei se sabem, mas a estátua foi atropelada por uma senhora que conseguiu sair da 13 de Maio, desviando as árvores e ir atingir covardemente o Sr. João Gentil!) Procurei a residência do Coronel louco, na esquina da Paulino Nogueira com a praça, e me disseram que ele morreu há muito tempo, deixando de passar o dia gritando as suas lembranças de guerra. Desviei o olhar para o sobrado antigo da Olga, que passava as noites de lua nova falando alto e juntando papéis nas calçadas para fazer fogueiras. E que susto! Fecharam - de tijolo e cal - todas as portas da casa! Será , Meu Deus, que emparedaram viva a velha Olga, como no conto de Poe, será?
Sentei no banco da praça limpinha e fiquei contando de memória o que ainda restava: o velho "PV" com suas invasões de torcidas, a "REU grande" continua a mesma com a sua multidão de estudantes do interior, a feirinha das terças-feiras (que também mudou de praça), a feirona de fim de semana, os bares e seus boêmios, enfim sobrou muito ainda, sem falar no que os olhos distraídos não conseguem enxergar: o poeta Chico Carvalho passando timidamente para se esconder na Reitoria (E não sei se sabem, mas a única função da Reitoria é esconder o poeta para ele fazer seus versos) e o velho dragão Alcides Pinto sobrevoando as copas das árvores, com suas asas negras - quando ele se cansa de resmungar sozinho em sua caverna e sai para assustar os últimos bêbados da Gentilândia.
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PRAÇA DOS LEÕES
Ali bem pertinho do Palácio da Luz, debaixo dos benjamins centenários, dois jogadores de damas arranham as pedras no tabuleiro da tarde - vez por outra um deles se levanta para urinar na porta da velha academia - sem desconfiar sequer que eles é que são imortais.

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