Lygia Fagundes Telles despertou, de repente, sentindo uma presença estranha no quarto. Estava em Marília (SP), para um Curso de Literatura na Universidade daquela cidade. Ainda estava escuro, acendeu a luz e viu uma andorinha. Coisa mais estranha a avezinha ali, como entrara ali, se a janela estava fechada. Abriu a janela e tentou enxotá-la, mas a andorinha não queria sairi. Primeiro pousou no lustre, onde demorou algum tempo, em seguida na trave dos pés da cama. Lygia ficou observando-a , suave lhe disse que ela estava livre, podia deixar o quarto, mas a avezinha parecia querer ficar em sua companhia. Até que , depois de um certo tempo, voou em direção a janela e se foi. O dia já estava nascendo e Lygia verificou que não dispunha de muito tempo para chegar à Universidade. Quando lá chegou, uma jovem estudante veio ao seu encontro e lhe disse que acabara de ouvir no rádio que Clarice Lispector falecera na noite passada. Lygia ficou um momento sem fala, depois abraçou a moça e disse eu já sabia, eu já sabia.
Na verdade, o que ela sabia era que a grande amiga de muitos anos estava muito mal, numa informação, por telefone, que lhe dera o crítico Leo Gilson Ribeiro, na véspera de viajar para Marília. Depois do o telefonema, começou a recordar a viagem que fizeram à Colômbia para particparem de um Encontro de Escritores. Recordou um problema durante o vôo, quando, de repente, o avião começou a se desgovernar. Apavorada, Lygia tentou disfarçar (ou distrair) o medo, escondendo o rosto num jornal. Mas o medo não deixou de ser percebido por Clarice, que parecia tranquila, pois riu quando buscou o braço da amiga e apertou-o. E lhe falou: "Fique tranquila porque a minha cartomante já avisou, não vou morrer em nenhum desastre". Ao ouvir o argumento de Clarice, Lygia não pôde conter o riso. "A cartomante, Clarice?" Clarice não disse mais nada e logo em seguida, como num passe de mágica, o vôo voltou ao normal e a viagem transcorreu tranquila até chegarem ao destino.
Lygia relata esses dois fatos no seu livro de crônicas Durante Aquele Estranho Chá (Editora Rocco/2002). título de um texto em que narra o único encontro que teve com Mário de Andrade, ela no frescor e na beleza dos 21 anos e ele já pertinho de morrer. Ainda sobre Clarice, transcreve uma entrevista concedida à amiga para um jornal carioca.
DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE "HIROSHIMA, MEU AMOR"
O que mais se destaca em "Hiroshima, Meu Amor", que revi há poucos dias em DVD, é a união perfeita entre o cinema e a literatura. E é por achá-lo muito literário que alguns críticos não gostam dessa obra-prima que Alain Resnais realizou em 1959. Mas se é "literário", "Hiroshima" é também cinema e cinema de alto nível. Inovador. A narrativa mistura presente e passado, às vezes num pisca-pisca na memória da francesa (Emmanuelle Riva), artifício que foi muito utilizado depois de "Hiroshima". (Continua sendo utilizado.) Resnais acertou em cheio quando convidou a escritora Marguerite Duras para escrever o roteiro. As falas são de grande qualidade, que só podiam ser escritas por alguém do talento de Duras. De uma grande beleza, até de uma beleza musical, que encontraram em Emmanuelle uma intérprete ideal para dizê-las. Há musicalidade na voz da atriz, como bem observou o crítico Luís Carlos Merten, em depoimento sobre o filme contido nos "Extras" do disco.
É uma bela e trista história de amor. Mas é também um libelo contra a guerra. Impressionante a cena que abre o filme, Os amantes no ato do amor aparecem como se fossem corpos atingidos pela bomba atirada sobre Hiroshima. Só depois é que os corpos são vistos em condição normal e aí "Hiroshima", no diálogo entre a mulher francesa e o homem japones (Eiji Okada), assume uma forma de documentário, para depois entrar a história de amor entre a jovem francesa e um soldado alemão, durante a ocupação nazista na França. Quero chamar a atenção para o que , a meu ver, é a melhor fala do filme. Num restaurante, os amantes estão numa mesa e alguém põe uma antiga música num toca-discos. Ao ouvir os primeiros acordes, a mulher, quase gritando, num comovente desabafo diz: "Ah, eu fui jovem um dia".
Nestas leves impressões sobre um filme que já foi tão dissecado, analisado, elogiado e atacado, por pessoas bem mais autorizadas do que este beradeiro de Canindé, concluo dizendo que gostei ainda mais de "Hiroshima" nessa revisão. Na minha opinião, o melhor Resnais, embora haja os que prefiram "Ano Passado em Marienbad". Enfim, cada um tem os seus gostos, as suas preferências.
Um comentário:
Ai Francisco, arrepiei só em pensar que Clarice era a andorinha se despedindo da amiga, que emoção, que delicada presença, eu não sabia desse fato e me comovi.
Sobre o filme não vi:( que pena...
lindo e feliz dia meu amigo querido
beijosssssssssss
(repeti comentário, vá que lá ele me boicote? né? rsss)
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