Este texto sai aqui pela primeira vez, acrescido de pequenas alterações de quando foi publicado no Balaio Porreta (http://www.balaioporreta1986.blogspot.com/), de Moacy Cirne, em março de 2004, quando eu ainda ainda não possuía este blogue.
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É, especialmente, da amizade, um dos valores mais caros na filmografia de Ford (mas num outro contexto), que trata este filme do diretor canadense Denys Arcand; a amizade entre cinco pessoas (três homens e duas mulheres) que resiste ao tempo e à separação ditada pelas circunstâncias da vida. Após muitos anos eles voltam a se reunir, em razão da extrema gravidade da doença de um deles, e percebe-se que não transparece nenhuma arranhadura no relacionamento entre eles, nem mesmo entre o enfermo Remy (Remy Girard) e as duas amigas que, eventualmente, foram suas amantes. Por uns poucos dias os cinco amigos parecem voltar ao tempo de jovens, revisitando o passado, e o fazem utilizando um humor irreverente que confina com o cinismo e o deboche. É uma atitude consciente, tacitamente deliberada como uma fuga à situação do doente.
Há que considerar ainda a amizade, em outro nível, que se inicia entre Remy e a jovem viciada em heroína Nathalie (Marie-Josée Croze), contratada por Sébastien (Stephane Rousseau), filho de Remy para adquirir a droga e também aplicá-la no enfermo, aliviando-o das dores sobre as quais os remédios já não conseguem atuar. Em outro nível, porque, primeiro, é um relacionamento que já nasce condenado à efemeridade. depois, porque envolve duas pessoas separadas por uma enorme diferença de idades, as quais, por fim, estão vivendo situações-limite, mas também diferentes. Ou seja, Remy está se despedindo da vida e, por apegar-se a esta, não se conforma com o fato (embora, como Nathalie o faz ver, não é a sua vida presente que ele não quer perder, mas a sua vida passada); já Nathalie conduz a sua vida como uma forma de buscar a morte, praticando um suicídio lento e doloroso. Mas a atitude dela pode ser também uma inadaptação à vida atual (observe-se como ela ouve com muita atenção Remy, já na casa de um dos amigos, recordar um momento do passado, e o seu ato de jogar no fogo o inseparável celular de Sébastien).
Nessa breve convivência dos dois, Nathalie chega a se tornar confidente de Remy; é a ela, e não aos seus amigos de longa data, que ele faz um desabafo sereno sobre o que sente de irrealizado em sua carreira de professor, por culpa própria e de seus superiores. E, no final, Nathalie se transforma no anjo da morte de Remy, ao lhe aplicar a overdose fatal.
Interessante observar que Nathalie vai ocupar o apartamento de Remy, depois que este morre, local reservado para o encontro dele com as amantes. Ao chegar ali, acompanhada por Sébastien, este lhe faz um assédio, que, a custo, ela repele. Ao terminar o filme, com a imagem de Sébastien e a noiva no avião, seguida da bonita canção, ocorre-nos a pergunta: será que ele e Nathalie se tornarão amantes, e Nathalie, assim, através de Sébastien, repetirá a relação da mãe com Remy?
Com "As Invasões Bárbaras", Denys Arcand fez, talvez o seu melhor filme até aqui, sem que se deixe de apontar a importância de "O Declínio do Império Americano" e "Jesus de Montreal". Dele conhecendo apenas esses três filmes, creio, no entanto, poder incluí-lo entre os diretores mais destacados do cinema de hoje. Que não são muitos, como num passado não muito distante.
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