quarta-feira, janeiro 17, 2007

CINECLUBE TIROL


Quando cheguei a Natal em 30 de julho de 1965, o Cineclube Tirol tinha quatro anos de existência. Funcionava no salão paroquial da igreja Santa Teresinha, na Av. Rodrigues Alves, a uns 6 quarteirões do centro. Sabendo por um conterrâneo de que havia um cineclube na cidade, me interessei logo em ingressar nos seus quadros. O aspirante a sócio, ao chegar à sua sede, tinha que preencher um questionário composto de umas 7 perguntas. Ou eram 5? Por aí. Era apenas uma formalidade. Das respostas dadas não dependia o seu ingresso no Cineclube Tirol.
O Cineclube Tirol mantinha, desde 1963, uma sessão de cinema semanal numa das salas exibidoras de Natal. Na minha chegada, a sessão era no Rex, aos sábados pela manhã. Pouco depois foi transferida para o Nordeste, aos domingos. Sempre pela manhã, às nove e meia. As reuniões na entidade dependiam da exibição dessa sessão. Enquanto esta foi no sábado, as reuniões se davam aos domingos pela manhã; quando a sessão passou , em definitivo, para os domingos, as reuniões aconteciam no sábado, à noite.
Nas reuniões debatia-se um filme em exibição na cidade. Talvez mais de um, caso houvesse dois filmes em destaque naquela semana. Cada um dos presentes falava das suas impressões sobre o filme. Quase todos diziam alguma coisa. Uns falavam mais, outros menos, e só um ou outro ficava calado (geralmente os neófitos na entidade, que, por timidez, se limitavam a ouvir os mais experientes soltarem o verbo). Havia poucas divergências entre os cineclubistas, sobretudo se o filme era de grande qualidade, realizado por um cineasta maior. Algumas particularidades sobre determinadas situações - era só. Até onde posso confiar na memória, só me lembro de uma séria divergência entre dois cineclubistas sobre um filme italiano, que se estendeu depois da reunião, quando caminhávamos para o centro. Parece que era A Moça com a Valise, de Valerio Zurlini, com Claudia Cardinale. Mais ou menos na mesma época ocorreu um debate em que eu (pobre de mim) fiquei sozinho contra todos os presentes. Nem uma alma caridosa para ficar do meu lado. Todos tinham gostado do filme. Aí me lembro bem do filme: Lilith, de Robert Rossen, com Warren Beatty e Jean Seberg. (Na década de 1990 revi Lilith e não é que gostei? Embora não o tenha achado excepcional. Eu é que estava errado naquela ocasião.)
Os filmes vinham de Recife. Nos meses de janeiro e fevereiro não havia sessão de cinema, por causa da debandada da maioria dos natalenses para as praias. Mas as reuniões continuavam, salvo engano. E aproveitávamos para escolher os filmes que seriam exibidos a partir de março, até junho (em julho também paravam as sessões). Escolhidos os filmes, um dos cineclubistas, nomeado programador, ia a Recife contratá-los. Alguns não conseguíamos e tinham que ser substituídos por outros. Eram filmes já exibidos na cidade em anos anteriores. Mas, às vezes, tínhamos sorte de contratar um inédito em Natal. Um desses casos foi A Grande Ilusão (Renoir), que vi no Rex poucos dias depois de aqui chegar. As sessões levavam muita gente, principalmente quando passaram para os domingos. Ao sair, o espectador já sabia qual seria o filme do próximo domingo. O cartaz ficava exposto ao lado da bombonière. Depois do filme, corríamos para um bar, para falar dele e de outros assuntos.
Em 1968 eu cheguei à presidência. Numa reunião com os companheiros eleitos e demais sócios presentes foi apresentado e aprovado o projeto de criarmos uma sessão noturna às quintas e sextas. Levamos a proposta à gerência do Cine Poti, que topou o negócio. O filme exibido não era o mesmo da sessão de domingo. Isso começou em julho, com Tempo de Guerra (Godard). Entre muitos outros filmes exibidos, me lembro de A Faca na Água. de Polanski, realizado quando este ainda estava na Polônia. O público soube corresponder à nossa arrojada iniciativa, tornando as duas sessões tão concorridas quanto as de domingo. Apesar disso, elas só duraram até o final daquele ano. O cinema não se interessou em continuá-las no ano seguinte.
Em 1969 o Cineclube deixou o salão paroquial e foi se instalar numa sala do SESC, no centro. E já começara o afastamento de alguns companheiros. Moacy arribara para o Rio em 1967, outros, como Bené, deixaram de comparecer às reuniões. Gilberto Stabili, que era o presidente quando ingressei na entidade, ficou, parece, até 1970, depois se mudou para Recife e de lá para São Paulo, onde ainda vive. Em 71 chegou a minha vez. De toda aquela turma boa (com algumas exceções, naturais em todo grupo), permaneceu apenas Paulo Rocha, chamado carinhosamente de Paulocha, um dos fundadores e eterno tesoureiro.
E hoje o Cineclube Tirol "é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói"!

2 comentários:

Claudinha ੴ disse...

Olá Sobreira! Que bom conhecer sua trajetória em Natal. Sua história se parece, em parte, com a do meu próprio pai. Ele cuidava das exibições de cinema e fazia teatro (meus pais se apaixonaram fazendo uma peça de teatro) num salão paroquial, e depois tudo foi para o Cine Pax. Hoje extinto. (Mas no caso do meu pai, ele era o sabido das músicas, e ainda é. Ele conhece a trilha de todos os filmes desta época, tem todos os discos e sabe toda as histórias das composições)
Em 65, eu faria um ano, não tenho como lembrar de muita coisa, mas meu nome veio desta artista que cita. Um beijo querido e continue nos mostrando suas estradas.

Anônimo disse...

Percorrer esta merecida página não é uma imposição, mas, tão-somente, um prazer lúdico, para ver a elegância, qualidade, de braço dado com a noção de estética e bem-fazer. Afinal, tenho a sorte de puder apreciar e visitar este agradável blogue. Óptimo fim-de-semana.