quarta-feira, outubro 11, 2006

UM CLÁSSICO FAZ CINQUENTA ANOS


Foi em 1956 que John Ford realizou, ao meu ver, o seu maior western: "Rastros de Ódio" (The Searchers) . Para comemorar o cinquentenário do filme, a Warner fez um segundo lançamento em DVD, tendo o primeiro ocorrido há uns cinco anos. "Rastros de Ódio" começa com uma porta se abrindo e termina com outra porta se fechando. Como se a porta fizesse as vezes de uma cortina de teatro, que sobe para iniciar uma peça e desce ao encerrá-la. O início mostra a família Edwards (pai, mãe e os três filhos) reunida no alpendre da casa, esperando a chegada de Ethan Edwards (John Wayne) , irmão de Aaron (Walter Cox) , que está regressando à região, depois de uma prolongada ausência. (A analogia com o teatro torna-se aí mais evidente, com os cinco atores dispostos em cena como se estivessem num palco.) Os quinze minutos, mais ou menos, do filme após a chegada de Ethan são passados no interior da casa, com 4 ou 5 planos rápidos do exterior. Num deles, sentado no alpendre, à noite, Ethan observa através da porta aberta o irmão fechar a porta do quarto do casal. Esse detalhe, acrescido de alguns olhares trocados entre ele e a cunhada Martha (Dorothy Jordan), além do gesto carinhoso com que ela retira do baú de Ethan uma manta e o seu chapéu (sob o olhar atento do Reverendo Capitão Samuel Johnson/Ward Bond) , sugere uma atração entre os dois. Com essa sugestão romântica, a afetividade de Ethan com os sobrinhos e a presença de um ou outro lance de humor, esses minutos funcionam como um preâmbulo para o ataque dos índios à casa, matando os seus ocupantes, à exceção da pequena Debbie (Lana Wood) , que, estando no pequeno cemitério, é raptada pelo chefe conhecido como "Cicatriz", e para as consequências desse ato.
Ethan tem a determinação e a tenacidade do herói fordiano na busca do objetivo de recapturar a sobrinha. São anos e anos consumidos na jornada empreendida na companhia do sobrinho adotivo Martin Pawley (Jeffrey Hunter) . Mas essas virtudes do seu caráter seriam mais valorizadas se não viesse à tona o sentimento hostil nutrido contra os índios. Pode-se falar mesmo em ódio sobre esse sentimento, manifestado em várias ocasiões, e que atinge um ponto máximo: ao reencontrar Debbie adulta (Natalie Wood) na comunidade indígena e constatar que ela se transformara numa índia, inclusive sendo uma das esposas de "Cicatriz" , tenta matá-la, mas é impedido por Martin. E se isso não fosse suficiente, salta aos olhos a expressão do seu rosto (o melhor momento da excelente interpretação de Wayne) , ao sair da sala onde estão jovens brancas recapturadas pelo Exército das mãos dos índios e que demonstram ter perdido as características da sua raça.
Acima de tudo, Ethan é um solitário. Isso é bem demonstrado no final, quando fica sozinho, diante da casa dos pais de Laurie (Vera Miles) , como que abandonado por todos, preocupados em levar Debbie, afinal libertada, para o interior da casa. Como diz a letra da música que acompanha a sequência da chegada de Debbie, ele só encontra a paz de espírito montado em um cavalo. E quando a porta se fecha tem-se a certeza de que ele partirá logo em seguida. Cavalgando sem um rumo determinado.
Denso, tenso, "Rastros de Ódio", no entanto, não dispensa o humor, um elemento sempre presente nos filmes de Ford, que aparece no momento certo, conforme já observara o crítico Moniz Vianna. O lance principal ocorre na cerimônia de casamento de Laurie, que fora namorada de Martin, casamento que não chega a ser celebrado, por causa da chegada de Martin com Ethan. Há, inclusive, uma briga entre os dois rivais. E ao final do frustrado evento, num arremate aos lances de humor, o Reverendo Samuel Johnson, irônico, diz mais ou menos assim: "tudo ficou bem, já que não houve casamento".
Haveria muito mais o que dizer desse filme sublime, mas não seria apropriado para as limitações de uma página de Internet. É indispensável, no entanto, mencionar a deslumbrante fotografia de Winton C. Hoch, que já trabalhara com Ford no encantador "Depois do Vendaval" (The Quiet Man/1952) . E ainda a trilha musical do veterano Max Steiner, que, em algumas partes, apresenta um tom dolente e algo de nostalgia.

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