domingo, setembro 24, 2006

OUTRO EPISÓDIO NA DITADURA MILITAR


Não faz muito tempo eu relatei um episódio ocorrido durante a ditadura militar, em que fui confundido com alguém caçado pelos agentes da repressão. Os que me leram maquela ocasião devem estar lembrados. Por muito pouco não fui preso e, provavelmente, teria desaparecido. Hoje vou contar outro episódio. Neste não existiu o mínimo risco de eu ser preso, apesar de eu ter me encontrado, por acaso, com um amigo de Natal que tivera de fugir para não ser apanhado. Eis o episódio.
Em um dia de 1969 viajei a Recife, impelido por um motivo muito especial: conhecer, finalmente, Paixão dos Fortes, um dos mais belos filmes de John Ford, que ele fez em 1946. Entrei no cinema com o filme em andamento e tive que aguardar a sessão seguinte para vê-lo desde o início. Naquela época os filmes eram exibidos em sessões contínuas, terminava uma sessão e, com um pequeno intervalo, a seguinte era iniciada. O espectador não precisava sair da sala e comprar outro ingresso, para ver o filme de novo. Num mesmo dia, você o assistia tantas vezes quisesse, pagando apenas uma vez. Pois bem. Nem bem as luzes foram acesas, aparece Juliano Siqueira na minha frente. Fiquei surpreso, tanto quanto emocionado, pela presença de Juliano, pois jamais me passaria pela cabeça encontrá-lo ali, ou em qualquer outro local de Recife. Juliano era um dos milhares de brasileiros que, naquela época, eram caçados pelo regime militar. Durante o breve intervalo, ele conversou sem parar, sempre interessado em saber notícias dos ex-companheiros do Cineclube Tirol. E me confessou que fora ao cinema, não só pelo filme, mas na esperança de encontrar a mim, ou a Gilberto Stabile, dois fordianos assumidos e de carteirinha assinada.
Mas a alegria daquele reencontro perdia-se um pouco pela apreensão que nem um dos dois conseguia disfarçar, devido à circunstância de um dos interlocutores ser procurado pelos agentes policiais. Quem viveu aquele período negro da nossa História há de se lembrar de que o medo e a tensão eram presenças constantes quando as pessoas, mesmo sem estarem com a cabeça a prêmio, se reuniam para uma simples conversa. Felizmente não aconteceu o pior, até o intervalo terminar. E, ao nos despedirmos, disse a Juliano para tomar cuidado.
O filme recomeçou, assisti-o até o final. Saí do cinema duplamente emocionado: pela grandiosidade de Paixão dos Fortes e pelo inesperado encontro com Juliano. Voltei a Natal um ou dois dias depois. Mas Juliano não deve ter seguido o meu conselho, ou os brucutus da repressão foram mais eficientes. Poucos dias depois soube que ele fo apanhado. Passou cinco anos na prisão. Menos mal que conseguiu sobreviver. E hoje está morando em Natal, depois de passar uma longa temporada no Rio. Foi isso.
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LUTO NO CINEMA
Esta semana morreu numa clinica de idosos, em Estocolmo, o diretor de fotografia sueco Sven Nykvist. Tinha 83 anos e há muitos anos estava doente, sofrendo de afasia. Sven Nykvist foi um dos gigantes da fotografia no cinema e, desde "Noites de Circo" (1953) , foi sempre o fotógrafo dos filmes de Bergman. Segundo o crítico Ricardo Calil, "para muitos diretores de fotografia, foi o maior na história do cinema. Ele era conhecido por criar a atmosfera de uma cena e captar todos as nuances nas expressões dos atores com recursos mínimos de iluminação". Trabalhou, ocasionalmente, com outros diretores, como Woody Allen (quando este pretendeu ser o Bergman do cinema americana) e Louis Malle, entre outros menos prestigiados.

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